Peter
Não acredito em casamentos arranjados. Na verdade, passo minha vida desprezando a ideia de me unir a alguém por mera conveniência. Cresci como o filho de James Blackwood, herdeiro de uma fortuna e de uma empresa colossal, mas também entendo cedo que esse tipo de vida exige sacrifícios, e geralmente não são os meus desejos pessoais que importam. Ainda assim, quando meu pai me comunica, meses atrás, que devo me casar com Emma Parker para garantir a fusão entre nossas famílias, eu resisto com toda a minha energia. Argumento, discuto, nego. No fim, percebo que não tenho escolha: ou aceito esse “acordo” ou perco meu lugar na empresa, além de todo o apoio financeiro que mantém meu estilo de vida.
Minha fama de playboy talvez faça as pessoas pensarem que encaro este casamento sem problemas. Afinal, sou Peter Blackwood, o típico herdeiro que poderia exibir uma esposa perfeita em público, enquanto me divirto por aí. Mas não consigo me sentir bem com isso. Nunca fui santo, claro, mas também não sou um monstro que aceita se casar sem hesitar. Minha cabeça está uma bagunça desde o primeiro acorde do quarteto de cordas na catedral.
Quando Emma surge, caminhando pelo corredor central, sinto um aperto inesperado no peito. Eu a vi poucas vezes, sempre de relance em jantares ou eventos das nossas famílias, e confesso que me divirto provocando-a: solto comentários debochados ou sorrisos presunçosos, só para ver o brilho de irritação em seus olhos azuis. Ela me parece durona e inflexível. Ainda assim, seu olhar me desperta um calafrio. Porém, hoje, ao vê-la de noiva... foi... no mínimo. Ela está deslumbrante de um jeito que me deixa sem reação por alguns instantes. Sinto meu coração acelerar, e preciso controlar o impulso de encarar seus lábios ou suas curvas por mais tempo do que o adequado.
Por outro lado, o incômodo de perder a liberdade me atormenta. Casar com Emma significa assumir um papel de marido exemplar aos olhos de todos, largar minha vida despreocupada. Antes mesmo de o padre concluir a cerimônia, minha mente grita para eu fugir. Mas é tarde. Digo “sim”, e a beijo rapidamente, demorando-me só um pouco mais para sentir o calor dela. Aquele momento de proximidade me abala mais do que quero admitir. Contudo, no segundo em que confirmo o casamento, sinto um peso real cair sobre mim.
Logo depois, encontro uma chance de respirar. Deixo o salão e sigo para um corredor lateral, sem imaginar que Jessica Miller me aguarda ali. Ela me puxa pelo braço e me arrasta para o camarim, chorosa, dizendo que deveria ser ela a noiva hoje, não Emma. Fico sem saber o que fazer. Jessica sempre alimenta fantasias sobre nós dois, mas não pretendo alimentar esperanças num dia como este. Tentei interrompê-la, dizer que nada disso faz sentido. Ela, porém, se aproxima demais, encosta o corpo ao meu e, antes que eu reaja, me beija. Um beijo intenso, cheio de raiva e frustração. Eu recuo, confuso, mas há um clique de salto contra o piso. Alguém está ali. Ao me desvencilhar, vejo apenas uma sombra desaparecendo no corredor.
Meu sangue gelado denuncia o medo: alguém nos flagrou. Pode ser um funcionário, um convidado, ou pior, Emma. Se for ela, não estou apenas destruindo o casamento, mas também arriscando a fusão das famílias. Preciso impedir que boatos corram. Tento perseguir aquele vulto, mas não encontro ninguém.
Retorno ao salão, o coração aos pulos. Vejo Emma, perfeita em seu vestido, cumprimentando os convidados. Será que ela sabe? Está muito tranquila para quem acabou de flagrar uma traição, mas reparo na tensão em seu semblante. Ela diz estar “cansada”, mas o jeito como me olha, de soslaio, me deixa inquieto. Talvez apenas finja não saber de nada. Tento descobrir mais, mas ouço passos no corredor e vou atrás, temendo que seja outra pessoa que nos viu. Não encontro ninguém.
Quando volto, dou de cara com Emma num canto mais vazio, a me observar. Ela me encara como um felino pronto para dar o bote. Seguro o braço dela, pressionando para que me explique o que está acontecendo, mas a reação vem de forma inesperada: um tapa estrala no meu rosto. Fico atônito, sinto a pele arder e um misto de indignação e curiosidade. É a primeira vez que alguém me enfrenta assim. Quero exigir explicações, mas ela solta uma desculpa esfarrapada sobre ter “escorregado o salto”. Então, sem aviso, me beija.
Não é um beijo de amor romântico. É algo carregado de desafio. Ainda assim, meu corpo inteiro reage. Sinto uma espécie de corrente elétrica, uma pulsação que me faz querer puxá-la contra mim e prolongar aquele contato. Mas Emma se afasta antes, deixando-me atordoado. Em seguida, vai embora, me largando ali para lidar com a onda de sensações que eu não esperava sentir.
Fico no corredor, passando a mão pelo rosto onde ela me bateu e pelos lábios onde sinto o gosto fugaz do beijo. Estou desconcertado. Duas mulheres me beijam no dia do meu casamento: Jessica, transbordando ciúme e raiva, e Emma, com um ato que mistura vingança e algo mais que não identifico. Se Emma me flagrou, por que ela não expõe tudo de uma vez?
Quando enfim me recomponho e entro no salão, faço o papel do marido recém-casado que mantém tudo sob controle. Cumprimento gente importante, sorrio para as fotos. Mas, a cada fração de segundo, a imagem de Emma e seu beijo perturbador me assalta a mente. Ela me dá alguns olhares de canto, sem aprofundar contato visual. É quase impossível adivinhar o que se passa na cabeça dela.
O que sinto agora é mais do que mero aborrecimento. Estou dividido entre a vida que sempre levei, sem compromisso, e essa estranha curiosidade que Emma provoca em mim. Jessica fica à espreita, desesperada para falar novamente, mas eu não estou nem um pouco interessado em prolongar esse drama.
Não planejo me apaixonar por Emma Parker, nem por qualquer outra pessoa. Mas não vou negar que, naquele breve beijo, algo diferente desperta em mim. Se ela realmente sabe do meu encontro com Jessica, por que não fez um escândalo? Por que apenas me atinge com um tapa e, em seguida, faz questão de me beijar? Ainda que meu orgulho peça para ignorar, não consigo deixar de pensar em como seria repetir aquele contato de forma mais… longa.
Ainda me sinto preso a um acordo financeiro que detesto, mas agora carrego uma dúvida inescapável: será que Emma é tão contrária a mim quanto imagino, ou existe alguma faísca de entendimento entre nós? O tempo vai dizer. E eu, que sempre evitei relacionamentos sérios, posso descobrir que essa noiva imposta é mais do que uma assinatura, pode ser o começo de uma reviravolta que jamais esperei viver.
EmmaA recepção do casamento acontece em um salão anexo à catedral, decorado com arranjos florais majestosos e lustres cintilantes. Convidados conversam euforicamente, taças de champanhe circulam, e o cheiro de canapés refinados permeia o ar. Tudo parece perfeitamente planejado, como se nada pudesse macular a harmonia deste momento tão importante para as duas famílias.Entro no salão, ainda sentindo o gosto amargo da traição na garganta. Minha mente gira em torno das últimas cenas: Peter com Jessica no camarim, o tapa que dei nele, a reação estupefata do meu “marido”. O beijo... Preciso manter a compostura, mas um fogo arde dentro de mim, clamando por justiça.Quando avisto Jessica, parada próxima a uma mesa ornamentada, sinto o estômago contrair. Ela está mais distante dos pais de Peter, conversando com duas mulheres que não conheço. Dou alguns passos em direção a ela. Preciso falar, nem que seja apenas para deixar claro que sei o que aconteceu. Antes, contudo, olho ao redor, certifi
EmmaA orquestra passa para uma música mais ritmada, convidando os recém-casados à pista de dança. Todos os olhares se voltam para nós: Peter e eu, o casal do dia, a grande atração. A expectativa é que façamos a primeira dança juntos, uma apresentação pública do nosso “afeto”. Sinto o estômago embrulhar, mas não há escapatória.Meu pai aproxima-se com um sorriso tenso, seguido por James Blackwood. Eles trocam alguns comentários sobre a festa, elogiando a decoração, a música, o buffet. Minha mãe e Margaret Blackwood também estão por perto. Todos parecem satisfeitos com o progresso do evento, ignorando o turbilhão pessoal que vivo.— Emma, Peter, é hora da dança — diz meu pai, num tom que não aceita recusa.Peter se aproxima, esboçando um sorriso que não atinge os olhos. Eu encaro seu rosto, lembrando-me do tapa que dei nele, do beijo com segundas intenções. Ele não comenta nada, apenas me estende a mão, de forma desafiadora. Engulo a raiva, aceito sua mão e seguimos para o centro do sa
EmmaA madrugada avança e, finalmente, os convidados começam a partir. A maior parte das formalidades já foi cumprida: danças, fotos, brindes, conversas superficiais. Agora, antes de seguirmos para o aeroporto, preciso voltar ao camarim para trocar de roupa. Peter está ocupado conversando com o pai e alguns sócios, garantindo que tudo pareça perfeito até o último segundo.Caminho pelos corredores silenciosos rumo ao camarim. O som da música diminuiu, apenas um murmúrio distante. Ao chegar lá, vejo meu reflexo no espelho: o vestido branco, antes um símbolo de pureza, agora parece um manto pesado de mentiras. Minha maquiagem permanece impecável, mas meus olhos mostram cansaço e desilusão. Pego um lenço e o passo de leve no canto do olho, tentando não borrar a maquiagem.De repente, a porta se abre. Minha mãe entra, fechando-a suavemente atrás de si. Esperava encontrar algum gesto de conforto dela, mas é pura ilusão. Seu olhar frio me avalia, estudando cada detalhe. Por um segundo, penso
Peter Eu não esperava que uma troca de alianças pudesse mudar tanto a dinâmica de uma vida. Cresci certo de que meus caminhos seriam sempre abertos, de que as pessoas me receberiam de braços abertos, principalmente as mulheres, e de que nada me atingiria de verdade. Mas, desde que disse “sim” diante do altar, sinto um desconforto incomum sempre que olho para Emma, especialmente quando ela se esquiva de mim ou quando a vejo em conflito. É como se o chão sob meus pés estivesse prestes a ruir a qualquer momento, e eu, ao contrário do que sempre acreditei, não consigo manter aquela postura de completo desapego.Estamos na festa pós-cerimônia, e Emma ainda evita meu olhar. Ela conversa, aqui e ali, com parentes e amigos que a parabenizam. Tenho a impressão de que ela faz tudo no automático, um sorriso educado no rosto, mas os olhos já não brilham. Antes, eu pensava que isso pouco me importaria: afinal, nosso casamento é um contrato, um arranjo de conveniência. Contudo, cada vez que a vejo
PeterApós as fotos, Emma se afasta rapidamente, dizendo que quer se sentar um pouco. Acompanho-a para não parecer indiferente. É nesse instante que a vejo trocar olhares frios com a mãe. Helen, de cara fechada, aproxima-se.— Emma, lembre-se de que ainda precisamos da dança final antes de vocês partirem para a lua de mel — diz Helen, sem sequer se dirigir a mim. — Não vai começar a fraquejar agora, certo?Emma reage com um riso nervoso.— Não se preocupe, mãe. Vamos manter as aparências. Eu já entendi a minha função. — Ela lança um olhar furtivo para mim antes de se virar. — Não preciso que me lembre disso a cada segundo.Helen fica em silêncio, avaliando a filha com rigidez. E eu, espectador desse embate, sinto algo pulsar dentro de mim, uma pontada de empatia por Emma. Não sou fã de família controladora, embora a minha também tenha seus métodos de coerção. Ver Emma sendo pressionada assim me desperta uma vontade quase primitiva de rechaçar esse tipo de atitude, mas não encontro as
Emma O quarto é imenso e luxuoso, com uma vista deslumbrante para o mar. Mas só consigo enxergar a cama king size que domina o ambiente. Uma única cama. Meu estômago se revira com a ideia de dormir ao lado de Peter, principalmente depois do que presenciei no casamento.— Bem, parece que vamos ter que dividir — Peter comenta casualmente, jogando o paletó sobre uma poltrona. Seu tom é deliberadamente provocativo, como se a situação o divertisse. — A menos que você prefira o chão, é claro.Lanço-lhe um olhar fulminante. Ele mantém aquele sorriso irritante nos lábios, o mesmo que me faz querer socá-lo toda vez que o vejo. Como ele pode estar tão despreocupado depois do que aconteceu com Jessica?— Você pode ficar com o chão — respondo secamente, caminhando até a janela para admirar a vista e, principalmente, evitar olhar para ele.Peter solta uma risada baixa e rouca. — Não seja tão amarga, Emma. Somos adultos, podemos lidar com isso civilizadamente. — Ele se aproxima, e posso sentir su
PeterEla escolheu o vestido vermelho. Emma desce as escadas do hotel em direção ao restaurante como uma vingança personificada, o tecido vermelho fluindo ao redor de seu corpo, o decote nas costas revelando mais pele do que esperava ver esta noite. Engulo em seco, ajustando a gravata que de repente parece apertada demais.Não deveria me afetar assim. É apenas mais um vestido, apenas mais uma mulher. Mas quando ela passa por mim sem um olhar sequer, seu perfume deixa um rastro que me faz querer agarrá-la ali mesmo, no meio do saguão. Engulo em seco, meu corpo dando sinais de vida, admirando o movimento cadenciado e extremamente erótico da bela bunda dela. — Vamos acabar logo com isso — ela murmura, mantendo um sorriso artificial nos lábios.Saio do transe e limpo a garganta, ajeito a gravata uma vez mais, olhando para os lados, para me certificar de que não fui pego babando pela bunda da minha esposa. O restaurante do Grand Palazzo é um espetáculo à parte, com suas paredes douradas
Emma— Vou dormir no sofá — Peter anuncia depois do jantar, pegando um dos travesseiros da cama king size.Mantenho minha expressão neutra, embora algo em meu estômago afunde com suas palavras.— Ótimo — respondo secamente, pegando meu pijama da mala. — Pelo menos um de nós está sendo sensato.Ele me lança um daqueles olhares indecifráveis antes de se dirigir ao sofá do outro lado do quarto. É um móvel elegante, mas claramente desconfortável para alguém do tamanho dele. Não que eu me importe, repito para mim mesma.No banheiro, troco o vestido vermelho por um conjunto de cetim azul-claro. Ouço Peter se movimentando do lado de fora, provavelmente tentando encontrar uma posição confortável no sofá. Quando saio, ele já está deitado, apenas de calça de pijama, sem camisa. Desvio o olhar rapidamente das costas bronzeadas.— Boa noite — murmuro, deslizando para debaixo dos lençóis frescos.— Boa noite, Emma — sua voz soa rouca na penumbra do quarto, me deixando arrepiada.O silêncio que segu