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Capítulo 2 - Entre o Tapa e o Beijo

Emma

A atmosfera no salão da catedral é de celebração contida. Os convidados agora se movimentam, preparados para seguir até o local da recepção, onde fotos, discursos e brindes os aguardam. Estou parada perto de uma coluna, tentando digerir o que acabei de testemunhar. Peter beijando outra logo após nos casarmos. Uma traição escancarada, consumada segundos após a cerimônia. Meu marido. Minha amiga de longa data, ou ao menos alguém que eu considerava próxima. Quanta ironia.

Eu me mantenho imóvel, o buquê ainda entre os dedos, a respiração curta. Minha mãe passa por mim, disfarçando, e sussurra em tom baixo:

— Não faça um escândalo agora, Emma. Lembre-se do que está em jogo.

Ela segue adiante, cumprimentando alguém. Estou sozinha com minha raiva e minha humilhação. Deveria confrontá-los? Deveria gritar? As palavras do meu pai ainda ecoam na minha cabeça: não estrague tudo, ou perderemos o que temos. M*****a chantagem emocional.

Então vejo Peter se aproximar. Vem da direção do corredor lateral, ajeitando a manga do paletó, o semblante despreocupado. Jessica não está atrás dele, mas tenho certeza de que ela está por perto. Ele olha ao redor, talvez procurando quem poderia ter presenciado a cena, ou se ouviu algo. Não parece saber que eu estava lá. Meu coração acelera. Ele não sabe que fui eu quem os viu. Isso pode ser útil, penso.

Ao mesmo tempo, quero explodir. Mas me contenho. Ajusto a postura, finjo estar perdida em pensamentos. Espero que ele me note. De fato, Peter para a alguns passos de mim, intrigado. Abro um meio sorriso, mantendo a compostura. É difícil, mas necessário.

— Emma, você está bem? — a voz dele é baixa, mas não de preocupação, e sim cautela, talvez suspeita.

— Claro — respondo, elevando um pouco o queixo, a voz neutra. — Apenas um pouco cansada depois de tudo isso.

Ele assente, mas a tensão em seus ombros é visível. Talvez suspeite que algo esteja fora do lugar. Dou um passo para o lado, meus saltos ecoando no piso. Nesse movimento, sinto que sua atenção se volta completamente para mim. O que me faz hesitar é a lembrança da cena no camarim. Ele e Jessica, tão próximos, tão íntimos. Só que não vou entregar de bandeja o que sei.

Nesse instante, um ruído nos interrompe. É o barulho de passos apressados, possivelmente de alguém andando pelo corredor dos camarins. Peter se vira imediatamente, atento. Ele parece nervoso, preocupado que alguém possa ter presenciado sua indiscrição. Sigo seu olhar, mas finjo ignorância.

— Com licença — diz ele, abruptamente, seguindo o som dos passos.

Ele sai rápido, quase uma fuga. Eu deixo a raiva borbulhar controladamente. Por que ele vai atrás desses passos? Talvez tenha esperança de deter quem quer que seja que o viu. Não imagina que fui eu, a própria esposa, a testemunha.

Caminho devagar na direção oposta, meu salto fazendo o som característico, “clique, clique” no mármore. Estou me afastando do salão principal, entrando num corredor lateral próximo ao camarim, mas sem ir muito longe. Quero ver o que Peter faz. Ouço vozes abafadas, talvez dele sussurrando algo para si mesmo. Dou mais alguns passos, o eco do meu salto cortando o silêncio.

De repente, sinto uma mão firme em meu braço. Giro, assustada, encontrando uma parede de músculos contra meu corpo. É Peter. Ele me encarou de surpresa ao dobrar uma esquina. Seus olhos estão tensos, avaliando meu rosto. Não há sinal de Jessica agora, apenas nós dois.

— O que faz aqui sozinha, Emma? — pergunta, desconfiado, o olhar percorrendo meu rosto, como se tentasse ler minha expressão. — Não deveria estar com os convidados?

Minhas narinas dilatam levemente. Estou a um segundo de jogar tudo no ventilador, dizer que o vi com Jessica, humilhá-lo. Mas não seria sensato. Ao invés disso, sorrio de canto, algo felino e contido.

— Resolvi checar o local. Estava curiosa — respondo, vagamente.

Ele aperta a mandíbula. Não é uma resposta que o satisfaça. Sua ansiedade transparece. Talvez tenha escutado meus passos. Talvez pense que foi alguma funcionária ou uma convidada curiosa. Não pode correr o risco de boatos surgirem. Isso arruinaria a imagem impecável que nossos pais tanto prezam.

Antes que ele possa dizer algo, me livro do contato perturbador que é suas mãos, dou meia-volta e começo a andar de volta ao salão. É um jogo de nervos. Ele me segue, mas não se atreve a me segurar novamente. Não diante de todos que estão por perto. Mas sinto seus olhos me avaliando inteira. Ao chegarmos ao fim do corredor, ele se posiciona diante de mim, como se quisesse bloquear minha passagem.

— Emma, aconteceu algo? — insiste, mais uma vez, a voz um pouco mais seca agora.

Eu respiro fundo. Tenho duas opções: confrontá-lo aqui e agora, ou preparar o terreno. Sentir o gosto da vingança imediata é tentador, mas isso criaria uma cena que minha família não perdoaria. Ao mesmo tempo, não posso fingir que nada aconteceu, não depois da ferida aberta.

Olho-o nos olhos. Noto sua preocupação em não ser exposto, e isso me dá certo poder. Então, sem pré-aviso, ergo a mão e estalo um tapa no seu rosto. O som da minha palma contra sua pele é claro, embora não muito alto. Ele recua um passo, surpreso e indignado. Essa foi minha pequena vingança, um aviso sutil. Alguns poucos convidados à distância talvez tenham visto o gesto, mas não muitos. Pode parecer que discutimos alguma bobagem de casal, nada muito escandaloso.

— Emma, o que…? — Ele leva a mão à face.

Eu poderia dizer: “Sei o que você fez no camarim.” Poderia cuspir a verdade agora. Mas não. Ao invés disso, sorrio. Um sorriso frio, carregado de uma compreensão que ele não esperava.

— Desculpe, Peter. Meu salto escorregou — minto, mas a malícia no meu olhar entrega que não foi um acidente. Em seguida, dou-lhe um beijo rápido e inesperado nos lábios. Não é um beijo afetuoso, é quase um ato de desafio, mantendo meus olhos abertos, mirando os dele, e garantindo que Jessica que observa à distância entenda o recado: aqui estou, eu também posso jogar esse jogo. Mas... porque senti uma corrente elétrica percorrer meu corpo, quando nossos lábios se encontram? E aquele arrepio que tornou a percorrer minha coluna?

Peter fica desnorteado por um momento, o cenho franzido, não sabendo como reagir, sua respiração ligeiramente acerada. Aproveito para me afastar, deixando-o ali. Caminho de volta ao salão principal, a cabeça erguida, o buquê ainda firme em minha mão, mas minhas pernas nem tanto. E pensar que, há instantes, eu estava petrificada. Agora, sinto uma estranha satisfação. Não resolvi nada, mas deixei claro que não sou uma tola. Ele não sabe o que vi, mas sentiu que algo está errado.

Ao retornar ao salão, vejo minha mãe lançando-me um olhar interrogativo. Acho que percebeu o tapa, ou, ao menos, algo incomum. Mas não se aproxima para perguntar, talvez temendo a resposta. Meu pai, conversando com James Blackwood, não notou nada. A banda começa a tocar algo mais leve, convidando os convidados a seguirem para o local da festa e das fotos.

Lá ao fundo, no corredor onde deixei Peter, vislumbro Jessica. Ela surge timidamente, ajeitando o cabelo, o rosto corado. Percebeu o tapa, o beijo e minha atitude? Espero que sim. Quero que ela entenda que isso não vai passar impune. Uma pontada de dor perfura meu coração, lembrando-me que ela já foi minha amiga. Como ela pôde? A verdade está ali, escancarada. Ela era namorada de Peter antes do casamento e, provavelmente agora se tronará sua amante.

Volto ao salão, misturando-me à multidão. O som da música, o aroma das flores, as conversas superficiais, tudo isso compõe um cenário falso, um palco iluminado. Lá fora, somos o casal perfeito. Mas o que aconteceu no camarim e no corredor prova que nada aqui é puro ou inocente. Estou em um jogo onde não decidi jogar, mas, se preciso, jogarei.

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