Emma Parker
A música suave tocada pelo quarteto de cordas ecoa pelas paredes de pedra da catedral, reverberando nos bancos e altas colunas. Caminho lentamente pelo corredor central, meu braço entrelaçado ao do meu pai, Albert. O vestido branco que visto parece pesar toneladas, não tanto pelo tecido, mas pelo fardo que ele carrega: hoje, estou prestes a me casar com Peter Blackwood, um homem que não escolhi. A cada passo, sinto o olhar atento dos convidados, todos aguardando o momento em que direi “sim” e selarei o acordo que minhas famílias teceram. Meu coração está apertado, minha respiração, instável. Eu não quero esse casamento. Nunca quis. Vi Peter poucas vezes, e, embora ele seja um homem muito bonito, nunca houve nenhuma afinidade real entre nós. Ele sempre traz um sorriso debochado e arrogante nos lábios. E sei que faz sucesso entre as mulheres, mas eu não sou uma dessas. Eu acredito no amor genuíno e relacionamentos monogâmicos. Antiquado? Talvez. Mas sou assim. No entanto, para minha família, isso não importa o que eu pense. O que importa é a fusão entre a Parker Enterprises e o império dos Blackwood. Sem essa união, as finanças da minha família irão pelo ralo, e perderemos tudo: a empresa, o prestígio, o status. Cresci ouvindo que meu futuro estava atrelado aos interesses da família, e agora estou aqui, presa nesse papel, sem escapatória. Meu pai aperta meu braço de leve e sussurra algo, com voz baixa e firme: — Emma, não estrague tudo. É a nossa única chance. Se você falhar, perderemos tudo o que temos. Eu não respondo. Engulo em seco, tentando conter a náusea. A ideia de me casar com Peter, esse homem tão frio e distante, me enche de temor e ressentimento. Mas tenho que jogar o jogo, tenho que sorrir, tenho que parecer a noiva perfeita. Finalmente, chegamos ao altar. Peter está lá, com ar entediado, porém perfeitamente arrumado em seu terno impecável. Não posso dizer que ele não está bonito. E charmoso. Mas isso não vem ao caso. Ao lado dele, seu pai, James Blackwood, ostenta um semblante satisfeito. Minha mãe, Helen, senta-se no banco da frente, o olhar crítico, analisando cada movimento meu. Peter me olha dos pés à cabeça, minuciosamente e flagro um olhar de aprovação, um sorrisinho de canto de lábios. Quase revido meus olhos. Eu não quero sua aprovação. Só quero acabar com tudo isso logo. O celebrante inicia a cerimônia, falando sobre amor, união, companheirismo, palavras que soam vazias. Olho para Peter, que me lança um sorriso e me dá uma piscadela. Seguro para não murmurar uma praga. Quando chega a hora dos votos, minha voz quase falha, mas eu as pronuncio: prometo honrá-lo, respeitá-lo, estar ao lado dele. As palavras saem forçadas, mecânicas, um script decorado. Peter faz o mesmo, com a mesma falta de calor e com seu jeito debochado. Trocam-se as alianças, e um aplauso contido ecoa pelo salão sagrado. Peter beija meu rosto de leve, se demorando mais do que eu deveria. Contenho o impulso de chutar sua canela e trato de ignorar o arrepio que me percorre a espinha. Estou tensa, com os nervos à flor da pele. Por isso essa reação o beijo dele. A cerimônia acaba, e oficialmente me tornei a Sra. Blackwood. Meu pai parece aliviado, minha mãe mantém a compostura impecável. Eu me sinto aprisionada. Assim que o celebrante encerra, Peter cumprimenta alguns convidados com um aceno breve, mas logo se retira. Não é comum o noivo desaparecer logo após a cerimônia, mas lá vai ele, sumindo por uma das portas laterais. Estranho seu comportamento. Espero alguns instantes, perdida entre as pessoas que se levantam dos bancos e começam a conversar, a dar parabéns. De canto de olho, vejo minha mãe se aproximar. Seu rosto não mostra emoção, apenas exigência. — Emma, vá atrás dele — diz ela, baixinho, a voz um sibilo autoritário. — Um noivo deixar a noiva assim é esquisito. Descubra o que está acontecendo. Eu hesito, mas acabo obedecendo. Sigo pelo corredor lateral, por onde Peter desapareceu. O som da música e das vozes dos convidados diminui conforme avanço. Os passos do meu salto ecoam pelo piso de mármore. Ao fundo, ouço as conversas abafadas do salão principal, mas aqui reina um silêncio tenso. Abro uma porta que leva a um pequeno corredor iluminado por lâmpadas antigas. Aparentemente, o camarim para o noivo fica adiante. Sigo em frente, o estômago revirando, sem saber o que esperar. Por que Peter se retirou assim? Estaria nervoso? Arrependido? Ou seria apenas uma urgência qualquer? Paro diante de uma porta entreaberta. Há vozes lá dentro, vozes baixas, seguidas de um ruído abafado, algo como um suspiro longo. Empurro a porta mais um pouco, com cuidado. O que vejo me faz congelar: Peter está lá, e não está sozinho. A luz amarelada do camarim ilumina a cena. Ele está com Jessica Miller, uma conhecida nossa. Lembro de Jessica como uma antiga colega, alguém que frequentava eventos da nossa família, sempre sorridente e gentil. Agora, ela está nos braços do meu recém-marido, os lábios dos dois se tocam num beijo intenso os corpos colados como se fosse um só. As mãos dele explorando as curvas dela... Meu coração para, meus pulmões não encontram ar. Sinto o sangue latejar nas têmporas. A imagem deles, tão íntimos, é um tapa na minha cara. Acabei de me casar com esse homem, e ele já se permite isso? Não sei se estou mais indignada pela traição em si ou pela ousadia de fazê-lo no próprio dia do casamento, dentro do camarim onde ele se arrumou para a cerimônia. Meu corpo reage antes da minha mente. Dou um passo para trás, o salto faz um clique no piso. Peter e Jessica se separam de imediato. Ouço suas respirações entrecortadas e vejo o olhar assustado de Jessica, o de Peter ainda confuso, voltando-se para a porta. Eu não espero para ser descoberta. Giro nos calcanhares e me afasto, o coração retumbando, a raiva e a humilhação se misturando dentro de mim. Ao voltar ao corredor principal, sinto a bile subir à garganta. Minha mãe está no final do corredor, me analisando com o olhar severo. Ela deve ter percebido algo pela minha expressão. Inspiro fundo, engulo o nojo que sinto. Não posso criar uma cena aqui. Não posso arruinar o que minha família tanto precisa. Mas como fingir indiferença depois dessa visão? Minha mãe se aproxima, seu olhar falando mais que mil palavras. Não tem pena, não tem arrependimento. Apenas me avalia, como se dissesse: “Controle-se, Emma.” — Você o achou? — pergunta, secamente. — Sim, ele… estava ocupado. — Minha voz sai tensa, quase trêmula. Ela não pressiona. Apenas assente, apertando meu braço de leve, como um lembrete mudo: não estrague tudo. Engulo a dor, o choque. Tenho que retornar ao salão. Tenho que cumprir meu papel de esposa dedicada, pelo menos na frente dos outros. Quando volto à nave principal da catedral, convidados me parabenizam, alguns beijam minha mão, outros elogiam o vestido, a decoração. Eu sorrio, um sorriso falso e ensaiado, enquanto minha mente revê a cena do camarim, como uma fita sendo rebobinada e passada em looping. Peter demora a voltar. Isso não passa despercebido pelos olhares curiosos, mas eu finjo não notar. Afinal, sou a noiva obediente, não vou causar um escândalo. Vejo meu pai conversando com James, os dois satisfeitos, como se tivessem acabado de concluir uma negociação brilhante. É exatamente isso: sou parte de um negócio. O amor nunca entrou nessa equação. Dentro de mim, um turbilhão de emoções ferve. Sinto-me usada, enganada e, acima de tudo, presa a uma situação sem saída. A aliança em meu dedo pesa como chumbo. Minha vida recém-casada já começa com uma traição flagrante. E ainda assim, não posso reagir como quero. Tenho que me controlar, pelo bem da família, pelo bem da imagem, pelo bem de algo que nunca foi decidido por mim. Levanto o olhar e vejo que Peter retorna ao salão, ajustando a gravata, tentando parecer natural. Ele me encara de longe, a expressão indecifrável, tentando aferir se eu sei, se vi alguma coisa. Jogo meu cabelo para trás, fixo meus olhos nele com um breve sorriso, mas meus lábios tremem de leve. Ele deve sentir a tensão, deve compreender que nada passou despercebido. A partir deste momento, o jogo muda. Casei-me por obrigação, mas não vou esquecer o que vi. Peter Blackwood mostrou sua verdadeira face antes mesmo de a festa começar. Minha mãe mandou eu me controlar, meu pai disse para não arruinar tudo. Pois bem, vou engolir isso agora, mas não sou um peão inerte. O que se sucederá a partir daqui terá consequências, e não serei eu a única a pagar o preço. A cerimônia de casamento acaba, mas o drama real mal começou.EmmaA atmosfera no salão da catedral é de celebração contida. Os convidados agora se movimentam, preparados para seguir até o local da recepção, onde fotos, discursos e brindes os aguardam. Estou parada perto de uma coluna, tentando digerir o que acabei de testemunhar. Peter beijando outra logo após nos casarmos. Uma traição escancarada, consumada segundos após a cerimônia. Meu marido. Minha amiga de longa data, ou ao menos alguém que eu considerava próxima. Quanta ironia.Eu me mantenho imóvel, o buquê ainda entre os dedos, a respiração curta. Minha mãe passa por mim, disfarçando, e sussurra em tom baixo:— Não faça um escândalo agora, Emma. Lembre-se do que está em jogo.Ela segue adiante, cumprimentando alguém. Estou sozinha com minha raiva e minha humilhação. Deveria confrontá-los? Deveria gritar? As palavras do meu pai ainda ecoam na minha cabeça: não estrague tudo, ou perderemos o que temos. Maldita chantagem emocional.Então vejo Peter se aproximar. Vem da direção do corredor
Peter Não acredito em casamentos arranjados. Na verdade, passo minha vida desprezando a ideia de me unir a alguém por mera conveniência. Cresci como o filho de James Blackwood, herdeiro de uma fortuna e de uma empresa colossal, mas também entendo cedo que esse tipo de vida exige sacrifícios, e geralmente não são os meus desejos pessoais que importam. Ainda assim, quando meu pai me comunica, meses atrás, que devo me casar com Emma Parker para garantir a fusão entre nossas famílias, eu resisto com toda a minha energia. Argumento, discuto, nego. No fim, percebo que não tenho escolha: ou aceito esse “acordo” ou perco meu lugar na empresa, além de todo o apoio financeiro que mantém meu estilo de vida.Minha fama de playboy talvez faça as pessoas pensarem que encaro este casamento sem problemas. Afinal, sou Peter Blackwood, o típico herdeiro que poderia exibir uma esposa perfeita em público, enquanto me divirto por aí. Mas não consigo me sentir bem com isso. Nunca fui santo, claro, mas tam
EmmaA recepção do casamento acontece em um salão anexo à catedral, decorado com arranjos florais majestosos e lustres cintilantes. Convidados conversam euforicamente, taças de champanhe circulam, e o cheiro de canapés refinados permeia o ar. Tudo parece perfeitamente planejado, como se nada pudesse macular a harmonia deste momento tão importante para as duas famílias.Entro no salão, ainda sentindo o gosto amargo da traição na garganta. Minha mente gira em torno das últimas cenas: Peter com Jessica no camarim, o tapa que dei nele, a reação estupefata do meu “marido”. O beijo... Preciso manter a compostura, mas um fogo arde dentro de mim, clamando por justiça.Quando avisto Jessica, parada próxima a uma mesa ornamentada, sinto o estômago contrair. Ela está mais distante dos pais de Peter, conversando com duas mulheres que não conheço. Dou alguns passos em direção a ela. Preciso falar, nem que seja apenas para deixar claro que sei o que aconteceu. Antes, contudo, olho ao redor, certifi
EmmaA orquestra passa para uma música mais ritmada, convidando os recém-casados à pista de dança. Todos os olhares se voltam para nós: Peter e eu, o casal do dia, a grande atração. A expectativa é que façamos a primeira dança juntos, uma apresentação pública do nosso “afeto”. Sinto o estômago embrulhar, mas não há escapatória.Meu pai aproxima-se com um sorriso tenso, seguido por James Blackwood. Eles trocam alguns comentários sobre a festa, elogiando a decoração, a música, o buffet. Minha mãe e Margaret Blackwood também estão por perto. Todos parecem satisfeitos com o progresso do evento, ignorando o turbilhão pessoal que vivo.— Emma, Peter, é hora da dança — diz meu pai, num tom que não aceita recusa.Peter se aproxima, esboçando um sorriso que não atinge os olhos. Eu encaro seu rosto, lembrando-me do tapa que dei nele, do beijo com segundas intenções. Ele não comenta nada, apenas me estende a mão, de forma desafiadora. Engulo a raiva, aceito sua mão e seguimos para o centro do sa
EmmaA madrugada avança e, finalmente, os convidados começam a partir. A maior parte das formalidades já foi cumprida: danças, fotos, brindes, conversas superficiais. Agora, antes de seguirmos para o aeroporto, preciso voltar ao camarim para trocar de roupa. Peter está ocupado conversando com o pai e alguns sócios, garantindo que tudo pareça perfeito até o último segundo.Caminho pelos corredores silenciosos rumo ao camarim. O som da música diminuiu, apenas um murmúrio distante. Ao chegar lá, vejo meu reflexo no espelho: o vestido branco, antes um símbolo de pureza, agora parece um manto pesado de mentiras. Minha maquiagem permanece impecável, mas meus olhos mostram cansaço e desilusão. Pego um lenço e o passo de leve no canto do olho, tentando não borrar a maquiagem.De repente, a porta se abre. Minha mãe entra, fechando-a suavemente atrás de si. Esperava encontrar algum gesto de conforto dela, mas é pura ilusão. Seu olhar frio me avalia, estudando cada detalhe. Por um segundo, penso
Peter Eu não esperava que uma troca de alianças pudesse mudar tanto a dinâmica de uma vida. Cresci certo de que meus caminhos seriam sempre abertos, de que as pessoas me receberiam de braços abertos, principalmente as mulheres, e de que nada me atingiria de verdade. Mas, desde que disse “sim” diante do altar, sinto um desconforto incomum sempre que olho para Emma, especialmente quando ela se esquiva de mim ou quando a vejo em conflito. É como se o chão sob meus pés estivesse prestes a ruir a qualquer momento, e eu, ao contrário do que sempre acreditei, não consigo manter aquela postura de completo desapego.Estamos na festa pós-cerimônia, e Emma ainda evita meu olhar. Ela conversa, aqui e ali, com parentes e amigos que a parabenizam. Tenho a impressão de que ela faz tudo no automático, um sorriso educado no rosto, mas os olhos já não brilham. Antes, eu pensava que isso pouco me importaria: afinal, nosso casamento é um contrato, um arranjo de conveniência. Contudo, cada vez que a vejo
PeterApós as fotos, Emma se afasta rapidamente, dizendo que quer se sentar um pouco. Acompanho-a para não parecer indiferente. É nesse instante que a vejo trocar olhares frios com a mãe. Helen, de cara fechada, aproxima-se.— Emma, lembre-se de que ainda precisamos da dança final antes de vocês partirem para a lua de mel — diz Helen, sem sequer se dirigir a mim. — Não vai começar a fraquejar agora, certo?Emma reage com um riso nervoso.— Não se preocupe, mãe. Vamos manter as aparências. Eu já entendi a minha função. — Ela lança um olhar furtivo para mim antes de se virar. — Não preciso que me lembre disso a cada segundo.Helen fica em silêncio, avaliando a filha com rigidez. E eu, espectador desse embate, sinto algo pulsar dentro de mim, uma pontada de empatia por Emma. Não sou fã de família controladora, embora a minha também tenha seus métodos de coerção. Ver Emma sendo pressionada assim me desperta uma vontade quase primitiva de rechaçar esse tipo de atitude, mas não encontro as
Emma O quarto é imenso e luxuoso, com uma vista deslumbrante para o mar. Mas só consigo enxergar a cama king size que domina o ambiente. Uma única cama. Meu estômago se revira com a ideia de dormir ao lado de Peter, principalmente depois do que presenciei no casamento.— Bem, parece que vamos ter que dividir — Peter comenta casualmente, jogando o paletó sobre uma poltrona. Seu tom é deliberadamente provocativo, como se a situação o divertisse. — A menos que você prefira o chão, é claro.Lanço-lhe um olhar fulminante. Ele mantém aquele sorriso irritante nos lábios, o mesmo que me faz querer socá-lo toda vez que o vejo. Como ele pode estar tão despreocupado depois do que aconteceu com Jessica?— Você pode ficar com o chão — respondo secamente, caminhando até a janela para admirar a vista e, principalmente, evitar olhar para ele.Peter solta uma risada baixa e rouca. — Não seja tão amarga, Emma. Somos adultos, podemos lidar com isso civilizadamente. — Ele se aproxima, e posso sentir su