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Contrato Nupcial
Contrato Nupcial
Por: Maria Clara Castro
Capítulo 1 - Núpcias de Engano

Emma Parker

A música suave tocada pelo quarteto de cordas ecoa pelas paredes de pedra da catedral, reverberando nos bancos e altas colunas. Caminho lentamente pelo corredor central, meu braço entrelaçado ao do meu pai, Albert. O vestido branco que visto parece pesar toneladas, não tanto pelo tecido, mas pelo fardo que ele carrega: hoje, estou prestes a me casar com Peter Blackwood, um homem que não escolhi. A cada passo, sinto o olhar atento dos convidados, todos aguardando o momento em que direi “sim” e selarei o acordo que minhas famílias teceram.

Meu coração está apertado, minha respiração, instável. Eu não quero esse casamento. Nunca quis. Vi Peter poucas vezes, e, embora ele seja um homem muito bonito, nunca houve nenhuma afinidade real entre nós. Ele sempre traz um sorriso debochado e arrogante nos lábios. E sei que faz sucesso entre as mulheres, mas eu não sou uma dessas. Eu acredito no amor genuíno e relacionamentos monogâmicos. Antiquado? Talvez. Mas sou assim. No entanto, para minha família, isso não importa o que eu pense. O que importa é a fusão entre a Parker Enterprises e o império dos Blackwood. Sem essa união, as finanças da minha família irão pelo ralo, e perderemos tudo: a empresa, o prestígio, o status. Cresci ouvindo que meu futuro estava atrelado aos interesses da família, e agora estou aqui, presa nesse papel, sem escapatória.

Meu pai aperta meu braço de leve e sussurra algo, com voz baixa e firme:

— Emma, não estrague tudo. É a nossa única chance. Se você falhar, perderemos tudo o que temos.

Eu não respondo. Engulo em seco, tentando conter a náusea. A ideia de me casar com Peter, esse homem tão frio e distante, me enche de temor e ressentimento. Mas tenho que jogar o jogo, tenho que sorrir, tenho que parecer a noiva perfeita.

Finalmente, chegamos ao altar. Peter está lá, com ar entediado, porém perfeitamente arrumado em seu terno impecável. Não posso dizer que ele não está bonito. E charmoso. Mas isso não vem ao caso. Ao lado dele, seu pai, James Blackwood, ostenta um semblante satisfeito. Minha mãe, Helen, senta-se no banco da frente, o olhar crítico, analisando cada movimento meu. 

Peter me olha dos pés à cabeça, minuciosamente e flagro um olhar de aprovação, um sorrisinho de canto de lábios. Quase revido meus olhos. Eu não quero sua aprovação. Só quero acabar com tudo isso logo. 

O celebrante inicia a cerimônia, falando sobre amor, união, companheirismo, palavras que soam vazias. Olho para Peter, que me lança um sorriso e me dá uma piscadela. Seguro para não murmurar uma praga. Quando chega a hora dos votos, minha voz quase falha, mas eu as pronuncio: prometo honrá-lo, respeitá-lo, estar ao lado dele. As palavras saem forçadas, mecânicas, um script decorado. Peter faz o mesmo, com a mesma falta de calor e com seu jeito debochado. Trocam-se as alianças, e um aplauso contido ecoa pelo salão sagrado.

Peter beija meu rosto de leve, se demorando mais do que eu deveria. Contenho o impulso de chutar sua canela e trato de ignorar o arrepio que me percorre a espinha. Estou tensa, com os nervos à flor da pele. Por isso essa reação o beijo dele. 

A cerimônia acaba, e oficialmente me tornei a Sra. Blackwood. Meu pai parece aliviado, minha mãe mantém a compostura impecável. Eu me sinto aprisionada.

Assim que o celebrante encerra, Peter cumprimenta alguns convidados com um aceno breve, mas logo se retira. Não é comum o noivo desaparecer logo após a cerimônia, mas lá vai ele, sumindo por uma das portas laterais. Estranho seu comportamento. Espero alguns instantes, perdida entre as pessoas que se levantam dos bancos e começam a conversar, a dar parabéns. De canto de olho, vejo minha mãe se aproximar. Seu rosto não mostra emoção, apenas exigência.

— Emma, vá atrás dele — diz ela, baixinho, a voz um sibilo autoritário. — Um noivo deixar a noiva assim é esquisito. Descubra o que está acontecendo.

Eu hesito, mas acabo obedecendo. Sigo pelo corredor lateral, por onde Peter desapareceu. O som da música e das vozes dos convidados diminui conforme avanço. Os passos do meu salto ecoam pelo piso de mármore. Ao fundo, ouço as conversas abafadas do salão principal, mas aqui reina um silêncio tenso.

Abro uma porta que leva a um pequeno corredor iluminado por lâmpadas antigas. Aparentemente, o camarim para o noivo fica adiante. Sigo em frente, o estômago revirando, sem saber o que esperar. Por que Peter se retirou assim? Estaria nervoso? Arrependido? Ou seria apenas uma urgência qualquer?

Paro diante de uma porta entreaberta. Há vozes lá dentro, vozes baixas, seguidas de um ruído abafado, algo como um suspiro longo. Empurro a porta mais um pouco, com cuidado. O que vejo me faz congelar: Peter está lá, e não está sozinho. A luz amarelada do camarim ilumina a cena. Ele está com Jessica Miller, uma conhecida nossa. Lembro de Jessica como uma antiga colega, alguém que frequentava eventos da nossa família, sempre sorridente e gentil. Agora, ela está nos braços do meu recém-marido, os lábios dos dois se tocam num beijo intenso os corpos colados como se fosse um só. As mãos dele explorando as curvas dela...

Meu coração para, meus pulmões não encontram ar. Sinto o sangue latejar nas têmporas. A imagem deles, tão íntimos, é um tapa na minha cara. Acabei de me casar com esse homem, e ele já se permite isso? Não sei se estou mais indignada pela traição em si ou pela ousadia de fazê-lo no próprio dia do casamento, dentro do camarim onde ele se arrumou para a cerimônia.

Meu corpo reage antes da minha mente. Dou um passo para trás, o salto faz um clique no piso. Peter e Jessica se separam de imediato. Ouço suas respirações entrecortadas e vejo o olhar assustado de Jessica, o de Peter ainda confuso, voltando-se para a porta. Eu não espero para ser descoberta. Giro nos calcanhares e me afasto, o coração retumbando, a raiva e a humilhação se misturando dentro de mim.

Ao voltar ao corredor principal, sinto a bile subir à garganta. Minha mãe está no final do corredor, me analisando com o olhar severo. Ela deve ter percebido algo pela minha expressão. Inspiro fundo, engulo o nojo que sinto. Não posso criar uma cena aqui. Não posso arruinar o que minha família tanto precisa. Mas como fingir indiferença depois dessa visão?

Minha mãe se aproxima, seu olhar falando mais que mil palavras. Não tem pena, não tem arrependimento. Apenas me avalia, como se dissesse: “Controle-se, Emma.”

— Você o achou? — pergunta, secamente.

— Sim, ele… estava ocupado. — Minha voz sai tensa, quase trêmula.

Ela não pressiona. Apenas assente, apertando meu braço de leve, como um lembrete mudo: não estrague tudo. Engulo a dor, o choque. Tenho que retornar ao salão. Tenho que cumprir meu papel de esposa dedicada, pelo menos na frente dos outros.

Quando volto à nave principal da catedral, convidados me parabenizam, alguns beijam minha mão, outros elogiam o vestido, a decoração. Eu sorrio, um sorriso falso e ensaiado, enquanto minha mente revê a cena do camarim, como uma fita sendo rebobinada e passada em looping.

Peter demora a voltar. Isso não passa despercebido pelos olhares curiosos, mas eu finjo não notar. Afinal, sou a noiva obediente, não vou causar um escândalo. Vejo meu pai conversando com James, os dois satisfeitos, como se tivessem acabado de concluir uma negociação brilhante. É exatamente isso: sou parte de um negócio. O amor nunca entrou nessa equação.

Dentro de mim, um turbilhão de emoções ferve. Sinto-me usada, enganada e, acima de tudo, presa a uma situação sem saída. A aliança em meu dedo pesa como chumbo. Minha vida recém-casada já começa com uma traição flagrante. E ainda assim, não posso reagir como quero. Tenho que me controlar, pelo bem da família, pelo bem da imagem, pelo bem de algo que nunca foi decidido por mim.

Levanto o olhar e vejo que Peter retorna ao salão, ajustando a gravata, tentando parecer natural. Ele me encara de longe, a expressão indecifrável, tentando aferir se eu sei, se vi alguma coisa. Jogo meu cabelo para trás, fixo meus olhos nele com um breve sorriso, mas meus lábios tremem de leve. Ele deve sentir a tensão, deve compreender que nada passou despercebido.

A partir deste momento, o jogo muda. Casei-me por obrigação, mas não vou esquecer o que vi. Peter Blackwood mostrou sua verdadeira face antes mesmo de a festa começar. Minha mãe mandou eu me controlar, meu pai disse para não arruinar tudo. Pois bem, vou engolir isso agora, mas não sou um peão inerte. O que se sucederá a partir daqui terá consequências, e não serei eu a única a pagar o preço.

A cerimônia de casamento acaba, mas o drama real mal começou.

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