02

ELENA ROMANO NARRANDO

Abro meus olhos e a luz vinda de uma fresta na porta do quarto parece atormentar meus miolos. Ouço um barulho vindo do banheiro principal do andar, como se alguém estivesse tomando banho. Olhei para mim mesma, estou vestida de noiva ainda, então, estou bem. Eu bebi tanto ontem a noite que não faço ideia do que aconteceu.

Estamos na mansão dos Russo, eu estou ficando aqui por algum tempo, por causa do casamento. Saí do quarto para tentar entender o que aconteceu, e então, fiquei chocada ao ver Timmy saindo do banheiro enrolado em uma toalha, apenas, e cobri meu rosto com as duas mãos.

— O que é isso, Timmy? — Falei, apavorada.

— Ah, você encheu a cara e vomitou tudo em mim. — Ele disse, na maior naturalidade do mundo.

— Que nojo! Meu Deus, me perdoa! — Eu falei e ele passou para um quarto.

Eu fiquei parada no meio do corredor, tentando lembrar o que aconteceu. Alguns flashs vieram na minha cabeça. Virei diversas tequilas pra dentro com o estômago vazio e acabei sendo trazida por Timmy, nos braços, até o quarto. Eu bebi tanto que não conseguia andar mais.

Timmy voltou para o banheiro, vestindo apenas um short. Ele carregava a toalha e começou a se olhar no espelho, dentro do banheiro. Depois, saiu e parou na minha frente.

— Não é muito comum as noivas passarem a noite de núpcias enchendo a cara com o irmão do noivo, sabe? — Ele sorriu de forma maliciosa e eu arregalei os olhos.

— Eu não devia ter feito isso. Me desculpa por essa noite, sério.

Naquele momento, Dimitri chegou e passou no meio de nós dois, trombando propositalmente comigo e com Timmy.

— Tiveram uma noite boa? — Dimitri disse, com um sorriso malicioso e irônico nos lábios. Passou a mão nos próprios cabelos, enroscando os fios castanhos nos anéis enormes que usa.

— Você está sugerindo que dormi com seu irmão, Dimitri? — Eu o olhei nos olhos, decepcionada e até um pouco raivosa. Franzi o cenho, e ergui a cabeça.

— Eu não sei, me diz você. — Ele se aproximou de mim, me olhando com ódio.

O único problema é que ele estava perto demais de mim. Nós nos olhávamos, profundamente nos olhos. Faíscas saíam dos nossos olhos. Não sei quanto tempo perdemos encarando um ao outro com raiva.

Timmy colocou a mão no ombro do irmão e tirou Dimitri daquele transe louco que estávamos.

— Não aconteceu nada, irmão, não seja louco. Nós bebemos um pouco, afinal, vocês parecem ter brigado após o casamento e sua noiva ficou triste. — Ele disse e Dimitri me olhou de cima a baixo.

— Ah, bom. — Dimitri respondeu.

— Vou deixar vocês a sós. — Timmy foi saindo, mas antes disso, sussurrou perto de mim, bem baixo. — Sei dos seus segredos, Elena. Você é uma verdadeira bocuda quando está bêbada.

Eu fiquei em pânico, mas não demonstrei. O que diabos eu contei pra ele enquanto estava bêbada? Por que eu não consigo me lembrar de tudo que aconteceu ontem? Deus, eu bebi tanto assim?

Eu voltei a olhar para Dimitri, que ainda me encarava com ódio.

— Por que você fez aquilo? Por que me deixou no meio da estrada vestida de noiva, Dimitri? — Eu falei e ele cruzou os braços.

— Elle Ryans voltou. É ela que eu amo, e como eu disse, esse contrato foi um erro e uma perda de tempo. — Eu ri de forma irônica ao ouvir o que ele disse.

— Elle te deixou sozinho, prestes a passar a maior vergonha da sua vida, e eu assumi o papel. Não sei se você se lembra, mas esse casamento só aconteceu por causa do pé na bunda que você levou. — Eu sorri de forma vitoriosa ao terminar de falar.

— Esse contrato aconteceu porque nós dois precisávamos de parceiros por um momento. Seu avô pareci tão orgulhoso da netinha encrenqueira... — Ele apertou minha bochecha da mesma forma como apertamos a bochecha de uma criança.

— Por Deus, você é ridículo. — Girei meus olhos e saí de perto dele. — Nós precisamos ajeitar alguns detalhes sobre o... — Quando virei para trás, Dimitri havia me deixado falando sozinha.

Onde eu fui me meter? Eu estou me sentindo humilhada e triste. Parece que Dimitri quer me fazer desistir a todo custo! Mas eu simplesmente não posso, afinal, o que meu avô diria de ver a única neta terminando o casamento que mal começou? Ele provavelmente morreria de desgosto, e não sou eu quem vai mata-lo assim!

Entrei no banho e finalmente pude relaxar um pouco. Enquanto lavava meus cabelos, as lembranças do abandono na estrada me atormentavam. Eu estou passando por uma grande prova para deixar meu avô feliz, está sendo muito dolorido... Talvez eu deva desistir. Mas lembrar do sorriso dele, aplaudindo o meu casamento, me faz querer continuar com isso.

Me troquei e penteei meu cabelo castanho. Enquanto terminava de fazer isso em frente ao espelho, comecei a lembrar de Dimitri. Os olhos dele me atormentam, e me trazem uma confusão que não consigo entender. A forma maliciosa como sorri me causa arrepios. Não sei o que está acontecendo comigo nesse momento, só sei que lembrar dele me tira o ar. Por Deus, estou com síndrome de Estocolmo? Porque sinceramente, esse homem só me faz mal!

Depois que terminei de me trocar, eu vi Dimitri passando com uma mala de viagem e arregalei os olhos em susto. Como assim? Para onde ele está indo?

— Dimitri? — Eu saí do quarto, o olhando, chocada. — Aonde você vai?

— Embora, Elena. Eu vou embora. Não suporto ficar no mesmo teto que você. — Ele disse e aquilo me enfureceu. — Eu vou precisar que assine mais alguns papeis para o divórcio, então, um assistente meu irá te procurar... Assine nas datas corretas, por favor. Não quero que o cartório segure os documentos por erros seus.

Eu fui até ele, nervosa, e comecei a bater em seu peitoral enquanto lágrimas escorriam por meu rosto. Eu sentia uma vazão daquele monte de sentimentos contidos dentro de mim.

Os olhares de ódio, o abandono na estrada, os papeis do divórcio. Tudo girava na minha cabeça como a droga de um furacão destruidor.

— Por que você me odeia?! Por quê?! O que eu te fiz?! — Eu gritava.

Dimitri segurou meus punhos e me olhou com raiva.

— Você é uma péssima atriz, mesmo. Vai fingir que não sabe? — Ele disse, me olhando nos olhos, com o mesmo ódio de antes. — Você arruinou minha vida. Tirou tudo que eu tinha, tudo!

Eu fiquei em silêncio. Meu coração se partiu em migalhas quando ouvi o que ele disse. Talvez eu tenha nascido meio burra, não sei, mas eu realmente não entendo o que eu fiz de tão grave para ele achar que arruinei a vida dele. Minha reputação é tão horrível assim para alguém se sentir péssimo em se casar de mentira comigo?

— Me desculpa! — Eu falei, e ele soltou meus punhos.

Dimitri girou os olhos e pegou a mala mais uma vez, e foi embora como disse que faria. Ele não olhou para trás e eu fiquei sozinha, me sentindo um verdadeiro copo de plástico descartável.

Fui de volta para o quarto e chorei. Chorei tanto que perdi o ar. Eu queria que alguém enxergasse meu valor, mas isso nunca aconteceu. Talvez a solução seja... Não, eu não posso fazer isso, não enquanto meu avô estiver vivo. Mas talvez, após a morte dele, eu misture alguns remédios fortes o suficiente para dormir para sempre.

Depois de chorar muito, peguei meu telefone e comecei a olhar as notícias do dia. Ao menos não tinha nenhum escândalo envolvendo meu nome... Ao menos ninguém viu a noiva abandonada na estrada, ou a noiva bêbada que encheu a cara de tequila e perdeu a consciência ao lado do irmão do noivo. Sabe, no fundo, eu entendo o Dimitri, eu sou uma pessoa ridícula, mesmo.

Meu celular começou a tocar, e eu vi uma foto do meu avô na tela. Limpei as lágrimas, respirei fundo e atendi.

— Oi, vovô! — Falei.

— Oi, minha recém-casada mais querida! Como você está, filha? Como está seu primeiro dia como esposa? — Ele questionou.

— Está sendo maravilhoso! — Menti de forma descarada.

Se eu contasse tudo que aconteceu no dia de hoje, meu avô provavelmente choraria comigo, e eu não quero isso.

— Que bom, minha filha!

— E você, como está? — Questionei.

— Estou com um pouco de tosse... Cansado, como sempre. Mas estou do jeito que deveria estar. — Disse, e respirou fundo. — Sou um velho à beira da morte, vou fazer o quê?

— Não diga isso, vovô... Você nem sabe quando vai morrer. — Eu falei.

A gravidade da situação não lhe daria muito tempo, e tenho me preparado para perde-lo em uma, talvez duas semanas, no máximo. Oro a Deus pedindo que ele salve meu avô, mas ele já está velho demais... Não acho que ele conseguiria sair dessa, não dessa vez.

— Mas é a verdade, filha. Você precisa ser forte e estar preparada para quando minha hora chegar. Vai dar tudo certo, no final das contas. Você é uma boa menina e agora que está casada, não ficará sozinha. Eu terminei meu serviço e vou morrer em paz.

Aquelas palavras soavam como pisar em cacos de vidro.

— Vovô... — Eu protestei.

— Tudo bem, falamos disso outra hora. Como estão as coisas com a família do seu marido? Tudo bem? — Ele perguntou.

— Tudo ótimo, eles me adoram. — Menti mais uma vez. A mãe de Dimitri sequer olha na minha cara.

— Certo... Bom, eu vou desligar, pois estou muito cansado. Mas foi um prazer imenso falar com você, filha. Quando puder, ligue para seu velho e venha me ver... Vou sentir sua falta. — Ele disse e desligamos o telefone.

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