Capítulo Um: A mudança

Capítulo Um

A mudança

Trinta e seis horas antes

O que eu faria agora?

Encarei a quantidade de gente ao redor, sentindo que entraria em crise de choro bem em breve. Suspirei, dei a volta no quiosque, ficando escondida entre a parede e um ônibus estacionado, esperando que os passageiros subissem.

Escorreguei pela parede até o chão e abri minha bolsa com cuidado. Eu não gostava de ficar parada ali, mas dentro da Central do Brasil era movimentado demais e sabia que cobravam para acessar os banheiros do subsolo. Então, contrariando meus instintos de proteção, tirei o celular da bolsa.

Para quem ligaria? Era provável que minha mãe não quisesse me ver já que eu era um estorvo na vida daquela família. Tinha quase certeza que teriam preferido que eu tivesse morrido sozinha onde me acharam e que se arrependeram de me acolherem; não me rebaixaria a ligar à ela e pedir que viesse me buscar, não tão sensível como eu estava. Eu não deixaria que ela me visse assim.

Mordi meu lábio, fechei a bolsa, a colocando no chão, sentando-me em cima dela, decidida a ficar ali por um pouco mais de tempo, a sensação de segurança totalmente errônea me dominando. Eu tinha alguém pra quem podia ligar.

O rosto dele dominou meus pensamentos por alguns segundos, antes do sorriso brincar em meu rosto com o simples pensamento de que vê-lo em alguns minutos iria melhorar o meu dia. Seu rosto bonito, seu sorriso sincero e protetor. Seus olhos doces seriam o suficiente para que eu me sentisse melhor. Guilherme viria. Ele não me deixaria sozinha em momento nenhum, tudo o que eu precisava era pedir. Não precisava me sentir envergonhada, não com ele.

Nove-cinco-quatro...

Eu senti a faca no meu pescoço antes de conseguir apertar o próximo número.

— Passa — Eu ouvi.

Respirei fundo, quase chorando, quando levantei meus olhos para a figura imunda à minha frente. A serra da faca apertou-se mais em meu pescoço, então lhe estendi meu celular, puxando um pouco meu vestido, esticando-o para os lados, para esconder que estava sentada em cima da minha bolsa. Por sorte, ele apenas pegou meu celular e correu.

Alguém abriu a janela do ônibus parado à minha frente e gritou, perguntando se eu estava bem. Concordei com a cabeça sem olhar porque não queria que vissem o desespero em meus olhos. Disfarçando o meu mal-estar, estiquei minha perna e distrai-me em amarrar e desamarrar meus cadarços. Só fiquei satisfeita quando o ônibus ligou seus motores e saiu, deixando-me a vista novamente.

Levantei-me, decidida. Andei até a faixa de pedestres da Presidente Vargas, esperando impacientemente que o sinal fechasse para que pudesse correr e atravessar a rua de uma vez só. Havia um orelhão do outro lado, eu tinha certeza. Eu tinha decorado seu número de tantas vezes que liguei.

Agarrei a minha bolsa e disparei pela faixa de pedestres, contra a multidão que atravessava na direção oposta. Desviei, tropecei e corri a tempo de chegar ao outro lado antes do sinal fechar pra mim. Parei, tentando localizar o orelhão dali. Pisquei, encontrando-o, ao mesmo tempo que um velho reparou em mim, me olhando de cima a baixo de forma desrespeitosa.

Soltando um muxoxo de frustração com o andamento péssimo do meu dia, agarrei minha bolsa com mais força e caminhei em passos largos e rápidos até o orelhão. Não tinha fila. Todos tinham seus celulares.

Eu não tinha dinheiro ou cartão telefônico. Sentindo lágrimas de desespero querendo rolar pelos meus olhos, disquei uma dupla de noventa, ligação a cobrar, antes do número de Guilherme. Esperava que ele não se importasse.

Chamou uma vez. Duas. Então ele atendeu, começando a tocar a música que indicava aquela era uma ligação a cobrar.

Por favor, Gui, não desligue. Eu implorei para mim mesma.

“Alô” ouvi a voz dele dizer, o tom explicitando uma curiosidade ligeiramente cuidadosa.

A vontade de chorar voltou ainda mais forte, desencadeada pelo alívio de ouvir sua voz, junto com o constrangimento da ligação a cobrar e do pedido de ajuda, apesar de saber que ele não se importaria.

— Gui... — Eu murmurei, entre soluços — Des...culpe.

Escutei algum barulho, uma cadeira sendo arrastada, algo do gênero. Percebi que ele ainda estava trabalhando e a culpa me corroeu por dentro.

“Mi?” perguntou, a voz ardendo em preocupação. Mais lágrimas brotaram dos meus olhos. “Michie, o que houve?”

Não consegui prestar atenção no que ele dizia, continuei em meu pedido de desculpas insano e descontrolado.

— Desculpa, Gui, eu... Não sabia o que fazer... Pra quem ligar, eu...

Seu tom de voz foi muito mais firme e forte quando ele me cortou pela segunda vez:

“Michelle” a voz me fez parar de falar e respirar fundo. Eu não sabia como ele fazia isso. “Por favor, fique calma. Onde você está?”

Ele viria. Guilherme viria.

— Na Central. — informei.

Funguei, secando as lágrimas. Ficaria tudo bem agora.

“Por quê...” Eu podia vê-lo fechando os olhos pra manter a calma “Por que você ainda está aí a esta hora?” ia responder, mas ele não permitiu. “Esquece. Estou indo. Me espera no metrô, perto das escadas. Por favor, eu não demoro.”

Eu não tinha culpa se eu tinha passado quase uma hora parada em frente aos acessos às plataformas, tentando entender como o meu cartão de embarque havia quebrado justo hoje, contando moedas para ver se conseguia juntar o suficiente para comprar uma passagem. Quando entendi que jamais seria o suficiente, pensei em pedir carona em um ônibus, mas a coragem me esvaiu e acabei perdendo o celular.

— Eu... Tá — murmurei, em concordância.

“Se acalme, Michie” podia ouvir o sorriso tranquilizador em sua voz. “Te vejo em vinte minutos”.

E desligou.

Coloquei o telefone no ganho, secando minhas lágrimas com o antebraço antes de virar para encarar o ir e vir dos desconhecidos. O relógio, com estrelas piscantes, estava marcando vinte horas e quarenta e cinco minutos.

Mesmo com aquele turbilhão de sentimentos em mim, tentei me concentrar em atravessar as quatro faixas movimentadas, fazendo o caminho de volta à Central do Brasil. Minha momentânea fragilidade me deixou lerda o suficiente para que precisasse de dois sinais para completar a travessia.

Até chegar ao ponto de encontro marcado, dez minutos já haviam se passado. Encolhi-me perto de uma pequena lanchonete, vigiando as escadas enquanto um fluxo interminável de pessoas cruzava o saguão.

Foram os dez minutos mais longos da minha vida.

Via as pessoas subindo e descendo as escadas rolantes sem nenhum sinal do rosto do conforto que o rosto do meu namorado me trazia. A sensação de impotência contra as adversidades da minha vida tinha me deixado ainda mais insegura no meio de tanta gente.

Por três vezes, a atendente da lanchonete perguntou-me se eu queria alguma coisa. Respondi todas elas com uma negativa, vendo-a fazer careta. Sua impaciência me informava que ela gostaria que eu não estivesse ali, mas preferi ficar. A presença estranha da garota incomodada me dava uma breve segurança.

Meu estômago roncou; coloquei minha mão sobre a barriga e me pus a encarar as escadas, esperançosa.

Senti-me realizada ao descobrir que ainda sabia sorrir ao ver Guilherme virar o rosto de um lado para o outro, descendo as escadas rolantes, procurando-me com o olhar. Fiquei parada, apenas observando até que ele me encontrou. Suspirou, visivelmente aliviado.

— Mi — murmurou, chegando perto o suficiente para perceber que o escutaria. No segundo seguinte, seus braços envolveram minha cintura e eu escondi meu rosto em seu peito, voltando a chorar. — Mi, o que aconteceu?

Apertei-me mais contra o seu abraço e ele levou a mão a minha cabeça, fazendo cafuné. Fingi não perceber quando ele pegou uma mecha do meu cabelo, provavelmente notando os cachos, largando em seguida.

Aguardou até que eu me acalmasse o suficiente para falar.

— Eu estava andando com o dinheiro contado de novo — confessei, tirando o rosto de seu peito para encará-lo.

Ele revirou os olhos antes de sorrir lindamente e secar minhas lágrimas.

— Já disse para parar de fazer isso — argumentou, colocando meus cabelos atrás da orelha. Seus lábios encostaram-se aos meus por um segundo, rápido demais, mas já me sentia melhor. — Você ficou sem dinheiro pra voltar pra casa, foi só isso?

Mordi o lábio e neguei com a cabeça. Demorei um pouco e ele aguardou calmamente por um tempo, até que levantou meu rosto com a mão para que eu o encarasse e cedesse aos seus olhos cor de mel.

— Me roubaram — informei. — O celular. Quando eu ia te ligar.

Ele levantou a sobrancelha, fazendo sua cicatriz criar um formato fofo que eu adorava.

— Te machucaram? — perguntou. Neguei, rapidamente, vendo que ele estava ficando tenso. Ele fechou os olhos. — Michelle, eu sei que não foi isso.

Olhei para baixo mesmo com suas mãos segurando meu rosto firmemente. Balancei a cabeça, desvencilhando-me dela e escondendo-me em seu peito. Ele suspirou.

— Eu sabia — continuou. — Você não é de ceder por pouco — seus braços me envolveram com cuidado e ele voltou a acariciar meus cabelos. — Você sabe que eu estou aqui pro que precisar, não é?

Concordei com a cabeça, afastando-me dele e secando meus olhos molhados. Ele sorriu e beijou-me de leve novamente.

— Vem, vamos sair daqui —  sussurrou, dando um passo para trás e pegando minha mão — Está com fome?

Eu não queria ver gente e tinha certeza que Gui sabia disso, mas não era muito fácil encontrar um lugar vazio para comer, não importava se era dia da semana ou não. Então, meio contrariado, ele sugeriu um shopping próximo da casa dele. Tive que negar veementemente com a cabeça para que ele desistisse da ideia. Suspirando, acabou tomando outro caminho.

Levamos cerca de meia hora para conseguir sair do centro, enquanto ele batucava no volante e balançava a cabeça, resmungando algo sobre eu não querer ir ao shopping. Ignorei-o, encarando a janela porque não queria que ele visse que algumas lágrimas continuavam a se rebelar e escorrer pelo meu rosto.

Sequei uma lágrima teimosa com raiva. Fingi não sentir a mão dele sobre a minha perna, mas acabei me rendendo e olhando em sua direção. Como o trânsito estava parado, ele pôde encarar-me e sorrir pra mim, antes de precisar andar mais alguns metros.

— Você não vai me contar o que houve? — inquiriu. Fiquei impassível — Tudo bem, acho que você quer comer primeiro, certo?

Ri. Ele não se rendia ao meu silêncio, nunca. Sempre perdia para seus gracejos. Seu sorriso se alargou ao me ver relaxar enquanto acendia a luz acima de nós, percebendo que havia um carro de polícia parado a alguns metros à nossa frente. Ele ficou um pouco mais concentrado até passarmos por eles e o trânsito melhorou assim que a polícia ficou para trás.

— A gente... pode... — engoli a seco, minha voz falhando por falta de uso e pelo choro frequente — Comer no carro?

Ele olhou pra mim, de rabo de olho. Eu sabia que ele queria contradizer, mas não o fez.

— Claro — concordou.

Só então ele percebeu que a luz ainda estava acesa e levantou a mão para apagá-la, mas congelou-se, o olhar fixo em meu reflexo no vidro.

— Michie? — chamou-me. olhei em sua direção, meio a contragosto. provavelmente estava com o nariz vermelho, um dos motivos pelo qual queria comer no carro — O que houve com seu pescoço?

Instintivamente, levei a mão até ele, tateando um pequeno corte, nada muito ostensivo.

— Nada — respondi.

Gui fez uma curva fechada e estacionou na fila do drive-thru. Puxou o freio de mão e olhou pra mim, apoiando o braço distraidamente no volante.

— Michie — disse, a voz séria fez os pelos da minha nuca se arrepiarem — Eu não posso te ajudar se você não falar nada.

Concordei com a cabeça, olhando para baixo. Eu havia ligado, eu sabia que agora eu devia algo a ele. E devia contar-lhe o que estava acontecendo.

Uma de suas mãos deslizou pelo meu braço, acariciando-me com doçura. A outra foi ao meu queixo, fazendo com que mantivéssemos contato visual. Ele sempre me obrigava a manter contato visual com ele porque sabia que eu só cedia assim.

O que eu podia fazer? Ele tinha os olhos amendoados mais lindos que eu já vira!

— Eu sei que você odeia isso, que odeia se sentir assim — argumentou. — Mas sou eu, Mi. Não sou qualquer pessoa, certo? — Esperou que eu concordasse, mordendo o lábio, com lágrimas nos olhos — Eu quero te ajudar, você sabe. Mas eu preciso que você facilite pra mim.

O carro da frente foi atendido e Gui voltou ao volante reclamando da péssima hora. Ele fez o pedido, pagou e pegou, antes que voltasse a estacionar para me encarar.

Estávamos parados no estacionamento do fast-food mais perto que ele encontrou. Sabia que ele estava querendo chegar ali o mais rápido possível para poder me colocar contra a parede, mas o trânsito o havia atrapalhado.

Entregou meu lanche em silêncio, observando cada detalhe do que eu fazia, percebendo seu olhar buscar o corte em meu pescoço de tempos em tempos. Comemos parcialmente em silêncio enquanto ele esperava que eu começasse a lhe contar as coisas que haviam acontecido.

Suspirei.

— Foi no roubo — expliquei — Ele tinha... Uma faca.

Não foi fácil segurar o choro. Guilherme largou a comida em cima do, soltando meu cinto e o dele para que ele pudesse me abraçar. Quando percebi, estava sentada no colo dele, minha comida abandonada no banco do carona, onde eu estivera.

Seu nariz encostou ao meu, acariciando-o levemente. Seus olhos estavam fechados e ele parecia tão... maravilhoso assim. A mão dele acariciava meus cabelos na altura da nuca e a outra estava mantendo-me em seu colo, acariciando minha coxa.

Fui eu que iniciei o beijo. Não foi um beijo rápido, a posição pedia que fosse um pouco mais compenetrado, mais compatível com o número de anos que nós estávamos juntos.

Houve um pouco mais de resistência da parte dele, preocupado demais em como eu estava, mas ele acabou desistindo e pegando o controle do beijo para si até que ficássemos sem ar o suficiente para apenas encostar nossas testas. Ele continuou a mordiscar meu lábio inferior, fazendo arrepios subirem pela minha espinha.

Nós dois estávamos de olhos entreabertos, passando o nariz um no outro carinhosamente quando ele escorregou a mão da minha nuca ao meu rosto, acariciando-o. Seus olhos abriram-se mais que os meus e eu abaixei o olhar.

— Me conta — implorou.

Eu não estava preparada para esse tom de voz e ele me desconcertou. Encolhi-me, escondendo meu rosto em seu pescoço, meu nariz estrategicamente posicionado sobre a pinta que ele tinha abaixo da orelha.

Gui continuou a acariciar-me, passando as mãos pelas minhas costas, paciente.

— Hoje de manhã — comecei. Percebi seu suspiro de alívio contra a minha nuca. — Eu discuti com a... — Doía pensar minha mãe, sabendo que ela não era, mas não sabia como dizer isso de outra forma. — Minha mãe. — Murmurei, apertando os lábios para conter o gemido que viria a seguir.

Infelizmente, fui incapaz de contar as lágrimas.

— Foi muito... Ruim? — perguntou.

Ele devia estar me achando patética. Infantil.

— Eu não acho que ela queira me ver mais — murmurei, agora querendo contar tudo para que ele entendesse que o problema não era tão pequeno, que eu não estava triste por bobagem — Ela... Ela disse que... Eu sou... Adotada. Ela... Falou que... Se arrependeu.

Cada pausa entoada com um soluço. Patético.

Ele abraçou-me com mais força, disfarçando o choque com a notícia. Suas mãos friccionavam minhas costas, como se isso fosse arrancar a dor de mim. Tudo o que eu queria era que ele fosse capaz de fazer isso.

— Você devia ter me ligado mais cedo — soprou, a voz clara, mostrando que finalmente havia entendido. Que fazia sentido eu estava tão mal.

— Eu não queria...

Ele me interrompeu.

— Me perturbar com bobagens? — questionou. Com meu silêncio, ele teve sua resposta. — Você não é bobagem, Mi, você sabe.

Ele passou os dois braços pela minha cintura, segurando-me firmemente antes de beijar meu ombro, única área que seus lábios conseguiam me alcançar.

— Desculpe — murmurei, sentindo-me mais idiota que antes.

Ele riu, beijando meu ombro mais uma vez.

— Você não precisa me pedir desculpas, Michie — sussurrou. — Mas, mesmo que de vez em quando, você tem que se lembrar que eu sou seu namorado, sabia? Você sempre quer ser forte e independente e esquece que você precisa de um abraço às vezes.

Funguei. Sua boca conseguiu encostar-se em meu pescoço com um pouco de esforço.

— Gosto de abraços — confessei, parecendo criança.

Pude sentir seu sorriso em minha pele.

— Dos meus? — perguntou.

— É.

Gui riu baixinho, os braços ao meu redor apertando-se cada vez mais. Ficamos assim por um bom tempo, com nossos lanches esfriando sem que nos importássemos.

Suspirei, sentindo meu coração doer de tanto pesar depois daquele dia difícil.

— Ela não quer mais me ver — queixei-me.

Ele suspirou, soltando uma mão da outra. A mão direita se firmou na minha cintura e a outra acariciou meu braço, tentando me acalmar.

— Isso é bobagem, Michie — explicou. — Aposto que ela só disse isso no calor da discussão. Deve estar desesperada pra te ver agora.

A voz dele falhou e eu soube que, como eu, Gui não acreditava em suas palavras. Não era possível fazê-lo com todas as memórias das vezes que meus pais me repreendiam sem motivo algum, apenas por eu não ser boa o suficiente pra eles. Ou por eles estarem irritados com suas tarefas. Ou qualquer outra coisa.

Meus olhos encheram-se de lágrimas e eu me encolhi. Quase como um imã, os braços dele apertaram-me com mais força.

— Eu não quero. Não quero ir pra casa — implorei. — Por favor — engoli a seco, jogando-me para trás para olhá-lo, decidida. — Por favor, posso ficar com você por uns dias? Eu... Dou um jeito depois. Eu só... Não quero vê-la.

Ele concordou com a cabeça, sem nem pestanejar.

— Você pode ficar o tempo que quiser lá em casa, Mi. Sem problemas — disse — Mas você tem que falar com ela. Conversar. — Guilherme segurou meu rosto ao ver que eu iria desviar os olhos. — Não quero te ver triste assim.

Mantive o olhar, sendo corajosa.

— Hoje não — implorei.

— Hoje não — concordou.

Gui dedilhou minhas costas por um bom tempo, em silêncio, esperando que me sentisse melhor. Até que senti seus dedos tamborilarem em minha coxa, levemente ansiosos.

— Você vai voltar a comer? — questionou.

Concordei, sem vontade. Sabia que essa era a sua vontade e ele já tinha gastado vários minutos para me ninar.

Com cuidado, voltei ao meu lugar e ele me ajudou a colocar o lanche em meu colo, antes de voltar a devorar o seu. Não comi muito, minha fome havia passado. Antes que Gui pudesse terminar o dele, eu havia adormecido. Ainda senti seus lábios sobre os meus antes do carro começar a vibrar com o motor.

Quando dei por mim, estava sendo levantada. Detestava quando Guilherme me carregava por aí, principalmente quando o fazia na frente dos outros, e ele estava prestes a me carregar pelo prédio inteiro.

— Não — resmunguei, sem abrir os olhos.

Ouvi-o rir, mas não tinha força de vontade o suficiente para me afastar, para subir ao apartamento sozinha, então suspirei e encostei minha cabeça em seu ombro.

Guilherme suspirou também, ajeitando-me em meus braços ao entrar no elevador.

— Ei, quer ajuda, Gui?

Guilherme parou de andar e eu achei que ele tivesse entrado no elevador. Passei meus braços pelo pescoço dele e encolhi-me em seu abraço. Já que estava sendo carregada, que fosse direito.

— Não, tudo bem, Chico — respondeu. — Mas eu queria te pedir um favor.

Senti o elevador fechar a porta, mas Gui nem ao menos demonstrou encostar-se aos limites do mesmo.

— Pode falar.

— É a Michie — explicou. Entendi que ele estava falando baixo para não me acordar. Eu estava acordada, apenas sonolenta — Eu acho que ela... Não vai conseguir levantar da cama amanhã. Você pode descolar um atestado pra ela? Se puder... Pra mim também.

Ouvi o tal Chico? Estalar a língua.

— Qual o problema? — perguntou.

Guilherme não respondeu. Ele não falaria nada sobre aquilo na minha frente, por mais adormecida que estivesse. Alguns segundos depois, Chico pareceu perceber o mesmo.

— Tudo bem, passe no meu apê mais tarde pra gente conversar.

Ouvi um murmuro de concordância de Gui enquanto ele me arrumava em seus braços para descer em seu andar.

— Gui — murmurei — Me deixa andar.

Ele riu do meu pedido tolo, depositando um beijo em minha testa.

— Descanse, Mi — sussurrou. — Já estamos chegando.

Em um movimento brusco, ouvi a campainha.

— Mas o quê? — A voz estridente ressoou assim que a porta foi aberta. Era de minha futura sogra, que me odiava.

Apertei-me no abraço de Guilherme, tentando me esconder, dormir ou algo do gênero, qualquer coisa para não ter que falar com ela.

— Agora não — reclamou Guilherme, tentando não falar muito alto — Ela vai precisar passar uns dias aqui, mas depois a gente conversa sobre isso.

Ele enfrentou a mãe dele. Foi a única coisa que eu consegui pensar, antes de sentir a superfície macia. A cama de Gui! Embaixo de mim e o perfume dele muito mais forte.

— Adoro aqui — murmurei, agarrando seu travesseiro.

— Eu sei que você ama meu travesseiro mais que eu — riu.

Encolhi-me na cama, dando espaço para ele deitar ao meu lado da cama de solteiro. A mãe dele não ia gostar nem um pouco, mas nada que nunca tivéssemos feito antes.

Ao perceber que havia passado tempo demais sem que a cama afundasse, eu entreabri um olho.

— Gui? — Perguntei. Ele estava de costas pra mim, então virou-se e eu o vi que ele segurava o celular. — Vem?

Ele sorriu docemente e sentou-se na cama, acariciando meu braço. Fechei meus olhos novamente.

— Vou só ligar pra cancelar seu celular, tudo bem? — Ele murmurou. Concordei com a cabeça. Adorava a praticidade dele, mas dormi antes de vê-lo pô-la em prática.

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