Capítulo Dois: O atrito

Capítulo Dois

O atrito

— Não, Dona Júlia, ela não quer nem pensar em voltar.

Eu acordei sentindo-me um pouco preguiçosa. Meus olhos não queriam se abrir, então apenas movimentei meus braços e fiquei escutando a voz do meu lindo namorado se propagar pelo quarto que cheirava a ele.

Quase fui capaz sorrir.

— Não, Mi está bem. E eu não vou levá-la pra casa enquanto ela não quiser. Ela vai ficar por aqui mpor quanto tempo ela quiser.

Abri os olhos, finalmente entendendo o que estava ouvindo. Gui estava sentado na beira da cama, falando ao telefone e me olhando de forma protetora. Ele sorriu, quase triste, quando arregalei os olhos em sua direção.

— Não é seqüestro, Dona Júlia. Ela não quer voltar pra casa e eu não vou obrigá-la. Acho que a senhora que devia ter pensado melhor antes de dizer o que disse a ela e não me acusar dessas coisas sem sentido. Estou apenas ajudando, como sempre fiz.

Sentei-me e passei meus braços pela cintura dele, encostando minha cabeça em seu ombro e se pôs a acariciar meu cabelo com a mão livre.

— A Michie já é maior de idade, Dona Júlia, ela pode ir pra qualquer lugar e ficar em qualquer lugar sem a autorização da senhora. E pode chamar a polícia, caso queira, não vai ser algo que será mandado a frente, de qualquer forma.

— Por que você está falando com ela? — sussurrei no ouvido dele.

Ele parou de acariciar meu cabelo para sacudir a mão, mostrando que eu devia esperar um pouco. Não queria esperar, então fiz bico. Isso o fez sorrir.

— É, a senhora esqueceu que eu estudo Direito. Depois, quando a Michie quiser, ela fala com a senhora. Não vou forçá-la a nada e nem vou ficar no meio das duas, embora eu ache que cada uma tem seus pontos. Vocês devem conversar, mas ela precisa de um tempo. — olhou pra mim, sorrindo, e colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. Encolhi-me e escondi meu rosto em seu pescoço — Um bom tempo.

Beijei-lhe o pescoço e senti-o estremecer com o ato, senti-o me abraçar com mais força em um movimento involuntário de quem tinha sofrido um pouco com uma noite mal dormida.

— É, essa é minha opinião sim. Espero que entenda — houve um momento de silêncio — Tudo bem, mas eu não vou ficar pressionando a falar com a senhora, quando ela quiser, ela vai. E não adianta ligar pra ela, o celular dela foi roubado — eu me afastei um pouco para olhá-lo, seu rosto estava tenso e ele mordia o lábio, mas a me ver observando, ele sorriu como se quisesse me passar tranqüilidade — Tudo bem, Dona Júlia, a senhora faz como a senhora quiser. Tchau. — E sem esperar mais nada, parecendo realmente zangado, desligou e jogou o celular de qualquer jeito na cômoda.

Colocou as mãos apoiadas no colchão, uma de cada lado do meu corpo, e eu acabei caindo deitada na cama de novo enquanto ele sorria. Seus lábios vieram aos meus, antes de levá-los ao meu pescoço, dando vários beijinhos doces e torturantes.

Ele me fazia sorrir da forma mais idiota que podia.

Guilherme parou de beijar meu pescoço, suspirando profundamente. Entendi que estava irritado com a última conversa, então acariciei seu cabelo.

— O que aconteceu? — perguntei.

Ele apoiou o braço ao meu lado e ficou me olhando. Sorri pra ele, um pouco envergonhada.

— Sua mãe ligou perguntando se eu sabia onde você estava — murmurou, afundando o rosto em meu pescoço. — Ela não ficou muito feliz por eu saber, na verdade.

Dei de ombros, fingindo que não me importava.

— Ela tem problemas — confessei. — Muitos problemas.

— Que não tem nada a ver com você — garantiu, antes de me beijar.

De uma coisa eu tinha a mais plena certeza: tinha feito algo de muito bom na minha vida passada para merecer o Gui.

— Não quero falar com ela — pontuei.

— Eu sei — disse. E depois de um tempo e várias suspiradas, continuou. — Estou preocupado com você.

Mordi o lábio e virei-me de lado na cama, de frente pra ele. De algum jeito, consegui enfiar meu rosto em seu pescoço enquanto ele me abraçava.

— Estou bem — menti.

Ele riu e beijou abaixo da minha orelha. Quando ele falou, tão próximo, pareceu que correntes elétricas percorriam meu corpo.

— Não entendo como isso acontece, não tem lógica alguma pra mim — sussurrou — Mas eu sei que, quando você fica chateada, seu cabelo fica com cachos. E ele está quase tão cacheado quanto o meu.

Automaticamente, levei a mão aos cabelos dele, recém-cortados. Ele cortara por minha causa, achando que eu odiava seus cachos como eu odiava os meus.

— Não há mais cachos no seu cabelo — proclamei — Que pena.

Ele sorriu de lado.

— Não me enrola, Michelle.

Ri, jogando-me um pouco pra trás. Ele sorriu ao meu riso e encostou seu lábio em minha bochecha. Suspirei.

— Vou ficar bem — prometi. — Você me ajuda muito.

— Esse é o meu trabalho — continuou sorrindo — Meus amigos me matariam se me ouvissem falar isso, mas mal vejo a hora de me casar com você. Faria isso só pra te ver dormindo todo dia.

Fiz careta.

— Não quero me casar com você, você é chato — brinquei, empurrando-o.

— Obrigado — Ele disse. — sei que você me ama.

Sorri de lado e deixei que ele passasse os braços pela minha cintura, puxando-me para mais perto de si.

— Eu amo você — confessei.

Seus olhos brilharam para mim quando sorriu e seus lábios beijaram meu queixo, subindo lentamente apenas para encostar-se aos meus lábios e, então, descerem até minha orelha.

— Eu sei — estremeci e soquei-lhe, fazendo-o gargalhar — Também te amo, Mi.

Suspirei, rendida, deixando que suas carícias ganhassem a devida urgência e me envolvessem até que me esquecesse que estava triste, mas não durou para sempre, como desejava.

— Vou arrumar algo pra gente almoçar, tá bom? — perguntou enquanto eu estava quase cochilando.

Almoçar? Já estava na hora? Não importava, queria dormir mais um pouco e o fiz. Devo ter dormido por mais uma meia hora e, quando acordei, tinham dois papeis em cima da cama. Com um suspiro de agradecimento, vi que eram dois atestados: um até a quarta-feira seguinte para mim e um para aquele dia para Guilherme.

Com um sorriso, abandonei os papeis e acompanhei Guilherme com o olhar, enquanto entrava no quarto com uma bandeja com dois sanduíches não muito elaborados e dois copos imensos de suco de laranja.

— Desculpe a demora – disse, assim que conseguiu colocar a bandeja sobre a cama e sentou-se frente a ela.

Eu olhei para aquilo, ainda meio sonolenta, mas alarmada.

— Está comível?

Guilherme fez uma careta que me fez gargalhar. Ele nunca foi muito bom em explorar a cozinha e eu não duvidava que um simples sanduíche pudesse conter um explosivo, se fosse feito por ele.

— Eu me esforcei, ok? – disse, ofendido.

Rindo, curvei-me por cima da bandeja e beijei seus lábios de forma rápida.

— Tudo bem – aceitei. – Mas você primeiro.

Ele revirou os olhos e, como se me desafiasse, mordeu seu sanduíche com muita coragem, não demonstrando estar degustando algo ruim. Vendo aquilo, mordi meu sanduíche. Embora achasse que era suposto que a pasta de presunto não fosse doce, ainda dava pra comer. Acabei decidindo não reclamar para não magoá-lo. Podia levar aquela pelo time.

— Seu irmão me ligou quando eu estava na cozinha – contou, assim que me viu acabar de comer, bem depois dele. – Ele disse que vinha aqui mais tarde, te trazer umas coisas e te ver...

Achei que o buraco no edredom da cama de Gui fosse muito mais interessante que o assunto que ele estava tentando desenvolver.

Podia vê-lo revirar os olhos, mesmo que não estivesse olhando pra ele. Eu o conhecia o suficiente para saber.

— Michelle – chamou-me, após achar que já deveria ter me dado tempo demais. – Você não pode fugir disso pra sempre, você sabe.

Guilherme estava certo, como sempre. Mas não podia me dar ao luxo de dar o braço a torcer. Não queria ver meus pais e, embora meu irmão não tivesse culpa, também não queria vê-lo. Tinha que existir outra saída.

— Eu não posso voltar pra casa. Não depois... Disso. Eu... não sei o que fazer, mas eu não posso voltar. – E, antes que eu percebesse, estava soltando uma enxurrada de informações – Vou alugar algum lugar pra mim. Deve existir algum lugar baratinho. Vou ficar bem, só preciso procurar. Eu posso usar seu computador, certo? E aí você vai poder me visitar e tudo vai ficar bem. Vou sobreviver.

Quando finalmente parei pra respirar, Gui me encarava com um sorriso gentil, os dedos acariciando meus cachos, parecendo inconformado por eles ainda não terem se desmanchado.

— Eu sei que você não vai conseguir voltar pra casa e Marcos também sabe – suspirou, ainda passando os dedos pelo meu cabelo – Mas você não tem dinheiro o suficiente pra alugar um lugar, você sabe. Eu só preciso esperar mais um pouco pra te ajudar e alugar um lugar pra gente. Você pode ficar aqui. Só preciso falar com a minha mãe.

O sorriso confiante dele apagou o fato de que minha sogra me detestava. Mesmo assim, não conseguia sentir segurança em nenhum dos planos.

— Não quero arrumar problemas – suspirei.

Sem nem pestanejar, aproximou-se o rosto e capturou meus lábios em um selinho carinhoso.

— Você nunca é um problema, Mi. Nunca.

Sabia que ele estava errado, mas não falei. Eu era o problema em pessoa. Alias, no momento, só tinha “problema” na minha vida. Gui e, talvez, Mari eram as únicas exceções.

Sorri, fingindo aceitação no plano, mas sabia que não daria certo. Só precisava saber o que fazer a partir dali.

A campainha tocou, interrompendo uma tentativa de Gui de me animar e ele saiu resmungando algumas coisas para atender a porta, enquanto eu ria.

— Cheguei! E trouxe comida! – A voz extremamente animada de Mariana encheu dominou o apartamento.

E aquela era a minha melhor amiga, sempre tão animada que iluminava os lugares por onde passava. Uma massa de cabelos dourados invadiu o quarto em uma velocidade impressionante e se jogou sobre mim, derrubando-me na cama às gargalhadas. Arrancou-me um sorriso.

— Oi, Mari – saudei-a.

— O que foi que ele lhe deu de comer? – perguntou, rapidamente.

Seus olhos de águia, extremamente perceptivos, fixaram-se em meus cachos e, em seguida, nos pratos e copos na cabeceira dele.

— Sanduíche – murmurei.

Ela lançou um olhar zangado a Gui, que estava encostado no batente da porta do quarto, como se ele fosse a visita, não eu ou Mari. Guilherme apenas deu de ombros

— Olha só, quando vocês casarem, eu não vou visitar vocês todo dia pra saber se estão comendo direito. – ralhou, entregando-me um pedaço de torta de chocolate que, certamente, não estava nas especificações de “comer direito”, mas era exatamente o que eu precisava.

Peguei a embalagem, abrindo-a, dando uma garfada na torta e sacudindo o garfo ao falar:

— Por que todo mundo está a fim de falar sobre casamento hoje?

Mariana olhou para Gui com um sorriso no mínimo arteiro. Ele deu de ombros novamente.

— Ah, é? – perguntou. – Que história é essa de casamento que ninguém me contou?

Eu e Guilherme reviramos os olhos ao mesmo tempo.

— Não é nada, Mari – acalmei-a. – Gui só disse que quer casar pra me ver dormindo.

Mari arregalou os olhos e soltou uma gargalhada deliciosa, enquanto eu comia.

— Só isso? – perguntou. – Nossa! Acho que não terei sobrinhos.

Eu ri, mas Guilherme não achou graça alguma, aproximando-se e puxando o cabelo da irmã, apenas de implicância. Ela bateu na mão dele até que ele a soltasse e ela se jogasse do outro lado da cama.

Os dois continuaram nessa guerrinha infernal até minha torta terminar. Eles se davam super bem, mas tinham a necessidade de cutucar um ao outro o tempo todo. Eu e Marcos não tínhamos aquela dinâmica. Fazia bastante tempo que sequer tínhamos uma conversa decente.

A tensão dele estar vindo trazer coisas minhas até a casa de Guilherme não me deixava relaxar por completo. Ainda pensava que, no fim, seria uma armadilha onde ele viria com a mãe dele para me arrastar de volta pra casa. Não estava ansiosa para vê-lo, tampouco para fingir ter parte naquela família a qual nunca havia pertencido.

De alguma maneira, sempre soube que aquele não era o meu lugar, mas toda vez que abria a minha boca, diziam que eu estava desejando demais e que deveria me conformar com o que tinha.

— Michie, que foi? – Mari finalmente percebeu que eu estava quieta, olhando para o nada.

Eu sorri, tentando parecer bem.

— Nada, só estou meio nervosa com... – Suspirei. – Tudo.

Mari empurrou Gui pro lado, jogando-se na cama, bem folgada. Apoiou a cabeça nas mãos, olhando pro teto e suspirou.

— Acho que vou matar o resto da faculdade hoje.

— Nem pensar! – eu disse, ao mesmo tempo que Guilherme soltava um “não!”.

Ela revirou os olhos, recolhendo a forma da torta e os pratos.

— Como vocês são chatos, meu Deus! – reclamou, saindo do quarto.

De lá da cozinha, continuou resmungando coisas aleatórias sobre como teria que salvar os sobrinhos da nossa chatice. Eu ria quando frases um pouco mais alteradas chegavam aos meus ouvidos.

Guilherme se jogou contra a cama, puxando-me pra um abraço. Encostei minha cabeça no peito dele, suspirando pesadamente. Nesse momento, Mariana retornou, colocando a cabeça pra dentro do quarto.

— Ei, casal sonolento, estou indo. E você – apontou pra mim. – Qualquer coisa, estarei do outro lado da poça.

Mariana vivia com o pai na cidade de Niterói desde a separação. Ela e a mãe não se davam muito bem, mas preferia dizer que estava com ele por causa da proximidade com a faculdade, o que não era bem uma verdade, já que estudava no Centro do Rio. Todos os dias, Mari tinha que pegar a barca ou enfrentar um tedioso engarrafamento na ponte. Mas preferia isso a enfrentar as limitações e neuras do tratamento da mãe.

Secretamente, desejava que Guilherme preferisse o mesmo que a irmã.

Guilherme logo cochilou, provando que estava certa sobre minhas suspeitas de que quase não dormira na noite anterior. Acabei por me desvencilhar dele depois de um tempo admirando seu sono. Como que “de casa”, ocupei-me de sua escrivaninha e comecei a usar seu computador, procurando algum lugar que meu salário pouco vantajoso de vendedora pudesse pagar, mas não tinha quase nenhuma opção.

Olhei pra Guilherme, descansando na cama. Sabia que ficar ali, com ele, seria suficientemente estressante. Por mais que se empenhasse, sua mãe nunca permitiria que eu ficasse sem reclamações constantes. Ela me odiava. Tinha certas opiniões sobre a minha pessoa que me faziam corar só de pensar para quantas pessoas ela poderia ter repetido.

Aproveitadora. Ela achava que estava com Gui pela situação financeira dele. E, pior, achava que se nós ficássemos sozinhos, ele me engravidaria e eu ganharia a vida. Coisa parecida com o que ela fizera com o pai de Guilherme.

Fui despertada de meus devaneios, girando a cadeira do computador de um lado para o outro, com o interfone tocando. Assustada que fosse a minha adorável sogra, escorreguei para cama e beijei o lóbulo de Guilherme. Ele se remexeu, mas não fez menção de que iria acordar.

— Gui, tem alguém no interfone – chamei. Ele resmungou, me fazendo sorrir – Acorda, vai.

Ele fez bico, mas abriu os olhos.

— Vai lá, vai – fez charme, sonolento.

Neguei com a cabeça e mordi o lábio, segurando o riso. Ele bocejou e sentou na cama. Como um zumbi, finalmente levantou-se e caminhou feito zumbi para fora do quarto.

— Era pra você – disse, retornando, momentos depois.

Guilherme teve minha atenção por alguns momentos, enquanto se deitava na cama, extremamente preguiçoso. Só depois de sorrir em sua direção, levantei o olhar para meu irmão.

Marcos era totalmente diferente de mim, começando pelo tom da pele, que era bem mais escuro, assim como seus olhos. Seu rosto era grave e sério, o nariz um pouco maior do que seria considerado harmônico. Ele fora uma criança saudável, mas o sedentarismo o fizera ganhar bastante peso, fazendo-o ser bem mais rechonchudo.

Nós não nos dávamos bem há muito tempo, mas ali estava ele, com uma mochila cheia das minhas coisas e meu violão. Só por ter trazido, já podia encher meus olhos de lágrimas estúpidas pela consideração.

— Ei – chamou-me. – Eu...Trouxe umas coisas.

Inesperadamente, eu levantei-me da cama e passei os braços pela cintura dele. Ansiava pela minha família e, embora o tempo e as diferenças nos tivessem afastado, Marcos era o que tinha. A única coisa que sobrara, no momento. Talvez a única coisa que teria.

Abraçou-me de volta, tão admirado com minha reação quanto eu. Na cama, Gui fingia, muito dignamente, que voltara a dormir.

— O...brigada – gaguejei, engolindo o choro.

Marcos olhou pra mim e sorriu. Largou a mochila no chão, apoiou o violão sobre ela e pegou meu rosto com as duas mãos.

— Você é durona, garota. Sempre foi. – disse. Sorri, tristemente, mas agradecida com o elogio. – Você sabe como eles adotaram você? – perguntou. Neguei com a cabeça, então continuou – Eu te achei. Eu te escolhi, Mi. Quis ficar com você. E eu nunca me arrependi disso – Sorriu pra mim e beijou minha testa, enquanto mordia meu lábio inferior com força, tentando não chorar. – Sinto muito pelo que você teve que ouvir ontem.

Concordei com a cabeça, respirando fundo e jogando a cabeça para trás para evitar as lágrimas. Não era de chorar e já chorara o suficiente para o resto do ano, apenas naquela semana.

— Obrigada – Falei, sem encontrar oura coisa para dizer. Então, duas curiosidades me encheram. – Como está... Em casa? – soltei a primeira, sentando-me na cama.

Marcos colocou as mãos nos bolsos da calça surrada que usava, dando de ombros. Eu percebi que não queria responder aquela questão, mas aguardei até que ele ficasse sem saída.

— Eu não sei dizer – respondeu. – Eles estão mais preocupados em te castigar por não ter voltado que com o que você possa estar sentindo – disse. E, em seguida, percebeu a força das palavras que usara. – Desculpe.

Dei de ombros, evitando chorar mais uma vez. Marcos parecia totalmente sem jeito, mas ainda tinha outra pergunta a fazer.

— E... Meus pais de verdade? – perguntei. Meu coração estava acelerado de expectativa. – Você sabe alguma coisa?

Ele negou veementemente.

— Não. Eu te achei no parque, eles fingiram que você era filha deles e te registraram. Nunca soubemos de onde você veio.

Concordei com a cabeça, frustrada. Talvez nunca descobrisse. Encolhi-me o quanto podia e, quando achamos que o silencio reinaria, a porta da frente rangeu e abriu.

Mostrando que estivera o tempo todo acordado, Gui levantou-se em um pulo. Nós sabíamos que se tratava de sua mãe e por menos conversas que eu tivera com Marcos nos últimos anos, ele reconhecia o quanto a ex-senhora Beltrão gostava da minha pessoa.

— Ahn... – Marcos olhou pra Guilherme marchando pra fora do quarto e eu me encolhendo ainda mais na cama. – Acho que é melhor eu ir — concordei com a cabeça e me movi para levá-lo a porta, mas me parou, depositando um beijo em uma cabeça – Consigo ir sozinho. Qualquer coisa que precisar, me ligue.

Então estava sozinha e o apartamento não estava tão silencioso. Joguei-me na cama, ignorando a voz de Guilherme, firme e forte, ecoando pela casa

— ...Não tem pra onde ir! – parecia bastante irritado. – Ela é minha namorada, o que você espera que eu faça? Deixe-a na rua?

— O que for que tiver que fazer para que ela não fique aqui em casa! – ela berrou de volta.

— E você ainda se pergunta por que a Mariana prefere morar com o papai? – inquiriu, com a voz cheia de raiva.

Gui era sempre tão centrado, tão sensato e nada explosivo. Por isso, quando entrou no quarto como um furacão, abrindo os armários e jogando uma grande quantidade de roupa no chão, me assustou.

Assustei-me ainda mais quando Dona Lara apareceu à porta.

— Não quero essa garota aqui em casa às minhas custas! – berrou. Olhou pra mim com tanto desprezo que fiquei com vergonha da mim mesma – Se você é estúpido o suficiente pra acreditar que ela é apaixonadinha por você, que seja! Mas não vai trazê-la pra minha casa.

Ele largou a mochila em que estava guardando as roupas e olhou para a mãe, admirado. Como conhecia a história dele, não sabia qual parte o havia deixado mais irado, mas ao abrir a boca, minha dúvida se fora.

— Suas custas? – questionou. – Você quer dizer às custas do dinheiro que meu pai te dá pra gastar comigo, certo? – a mãe o encarava mais que raivosa – Tenho certeza que ele não iria se importar com Michelle, ele a adora. Por isso mesmo estou me retirando pra casa dele e vou pedir que o dinheiro seja desviado pra minha conta a partir de agora.

Guilherme continuou jogando roupas dentro da mochila enquanto a mãe dele o encarava, desnorteada. Por último, agarrou o notebook com uma das mãos, jogando a mochila nas costas e me ofereceu a mão. Nervosa, peguei minha própria mala e o violão, entrelaçando meus dedos nos dele.

Enquanto saiamos do quarto, olhou para mãe uma última vez e sussurrou:

— Boa sorte com isso, mãe.

E saímos rumo a casa de seu pai.

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