Não é fácil ser uma caçadora de vampiros; é tudo o que eu posso dizer. Não pelo fato de ter que me inscrever em uma universidade outra vez depois de formada; ter que estudar tudo de novo – porque tenho que passar por adolescente – e ter amigas histéricas e arrumar encrenca sem querer – bem, talvez eu tenha uma parcela de culpa – com o pessoal popular da escola.
É que o vampiro que tenho que caçar não é exatamente o que digamos um vampiro tradicional. Ele, na verdade deve aparecer na minha janela a qualquer momento. Por quê? Vou te dizer porquê. Porque são duas horas da manhã e ele sabe que acordo de muito mau humor quando ele vem me visitar de madrugada, eis o porquê.
— Ei, Jessi! O que está fazendo acordada? – gritou Zack, abrindo a janela e pondo a cara para dentro do meu quarto.
Cara, eu realmente queria que vampiros não existissem.
Talvez só um pouquinho.
Eu sou uma caçadora bem-paga. Incompetente, mas bem-paga.
— Porque eu já sabia que você ia vir aqui encher minha paciência e não consigo dormir – retruquei com uma má vontade quase palpável.
— Quer que eu conte o filme que passou na Sessão da Meia noite?
— Não – cortei logo – porque provavelmente tem a ver com alguma coisa sinistra do tipo zumbis comedores de cerébro versus vampiros vestidos de piratas e eu não estou a fim de saber quem morre no final.
— Isso é ridículo, Jessi – ele ficou sério e deu uma piscadinha – porque eles já estão todos mortos.
Eu puxei o lençol para cobrir a cabeça e ele sentou na beirada da minha cama.
Comportem-se hormônios. Só porque ele é o cara mais lindo do planeta não quer dizer que vocês tem que estar me atiçando o tempo todo.
Ele puxou de leve o lençol e deitou a cabeça no meu travesseiro.
Desculpem, hormônios. Eu sei que não é culpa de vocês.
— Vamos dormir juntos, Jessi?
Eu sentei de imediato. Eu sabia que ele ficava o tempo todo me provocando e por mais que eu quisesse agarrá-lo feito uma lunática perseguidora de banda de rock eu tinha que me conter.
Afinal, sou uma profissional.
Ao máximo da minha capacidade, que já não é muita.
— Zack, sério, chega de gracinha. Aquele caçador que o Conselho contratou para ficar no meu pé, o Vincent, sente seu cheiro em mim feito um cachorro sabujo. Você vive dizendo que devemos ficar separados, lembra?
— Jessi... isso não é verdade...
— O que não é verdade? Você não vive dizendo isso?
— Eu não vivo, esqueceu? – ele respondeu com aquele sorriso de derreter iceberg.
— Você nunca cansa das suas piadinhas?
— Você mantém meu senso de humor aceso...
É só isso que eu mantenho aceso? Droga, Jéssica, cuidado. Lembre-se que Vincent falou que Zack é um homem perigoso, e que no passado já foi muito cruel. Ou seria mentira do Vincent? Zack parece ser tão... certo, ele matou mesmo aquelas meninas no passado e tentou mesmo me matar. Mas não me matou, isso vale alguma coisa, não é? Afinal, todo homem comete uma besteira de vez em quando. E depois, ainda tenho saudade daqueles dentes no meu pescoço.
— Zack, tenho prova amanhã. Por favor, me deixe dormir.
Ele deu um suspiro e olhou para o teto, fitando algum lugar no canto escuro.
— Quer que eu te passe as respostas? Afinal, você já é formada; não devia se preocupar.
— Não! – sibilei, irritada – Porque da última vez que fez isso eu tirei nota baixa! E eu tenho que manter meu disfarce de adolescente!
— Não deve ser difícil, já que você pensa como uma! – ele riu – E depois, eu te passei as respostas erradas para você aprender uma lição. Quem cola não passa na escola.
— Suma. Da. Minha. Frente.
Ele rolou de lado e passou a mão pelas minhas costas. Endireitei-as instintivamente, e senti-me triste quando ele retirou a mão.
— Mas aí não vou ter nada para fazer durante a noite...
— Não sei. Vai combater lobisomens. Ou o Vincent. Aliás, ele deve estar lá fora agora bolando uma armadilha para você.
— Lobisomens? – ele torceu o nariz – Essas coisas não existem!
Eu revirei os olhos. Eu dizia isso de vampiros, não é?
Ele levantou-se, segurou em meu queixo e fitou-me horrorizado.
— Meu Deus! Você leu Crepúsculo de novo, não foi?
— Cale a boca! Eu gosto, tá? E depois você devia realmente dar o fora! Vincent deve estar lá no jardim! Eu não quero um cara pendurado na minha árvore do lado de fora! E também não quero armadilhas de ursos espalhadas pelo gramado!
Minha árvore. Eu comecei a batizá-la assim, depois que ela teve a audácia de segurar meu short quando eu caí da primeira vez da janela e me fez andar de calcinha na universidade.
— O cara brilha, Jessi!
— Por que você não quer me ouvir? – retruquei, amedrontada.
Comecei a sentir a presença de alguém lá fora. Vincent não devia estar sozinho dessa vez.
— Está bem, está bem – ele respondeu rindo e levantando-se – Já vou indo. E pare com esses pensamentos pervertidos perto de mim.
— Você disse que não lê mentes!
— E não leio. Foi um tiro no escuro. Aaah, então você tem mesmo pensamentos pervertidos, não é? Qual o apelido que aqueles caras do livros que você gosta chamam as mocinhas mesmo? Ah, sim...mi hermosa, ma petite... Vou te chamar de minha safadinha!
Eu joguei-lhe meu travesseiro com força, mas Zack se desviou e o troço voou pela janela. Argh, ia ser uma noite desconfortável.
— Boa noite, minha safadinha! – Zack disse, antes de sair pela janela.
— Morra!
— Deixa de ser boba, Jessi... eu já estou morto, esqueceu? Te vejo amanhã!
E sumiu na calada da noite.
Agora antes eu só não conseguia dormir; agora ia dormir sem meu travesseiro e com os hormônios pulando feito crianças num parque. Precisaria de umas duas horas para eles sossegarem.
Contudo, eles pularam de novo quando, pela manhã, eu vi meu travesseiro aos meus pés com uma mensagem escrita a mão.
“Te amo, safadinha”
Não acredito. Isso é tudo culpa daquele vampiro descarado. Zack. Por que estou zangada? Porque graças a ele, tenho que assitir a uma incrível aula de universidade sobre a Segunda Guerra Mundial no auge dos meus 30 anos. Por que graças a ele? Por causa do meu odioso disfarce de estudante. Sou uma caçadora, você sabe, mas ninguém mais pode saber ou ponho em risco a vida dos alunos. Não que alguns não mereçam. Desculpe, estou meio mal-humorada, eu sei. Mas é que ele devia estar aqui sofrendo comigo e... Um uivo. Não estou brincando; alguém uivou do lado de fora da sala. Abri a janela e estiquei o pescoço para fora. N&atild
Hoje eu pego ele. Afinal, Zack vivia tirando uma com a minha cara; eu não podia deixar isso barato, podia? O mestre caçador de vampiros nunca mais ia poder me atormentar com isso. Já tinha tudo preparado: água benta, algemas, estaca e a janela estava aberta. Só mais alguns minutos agora; já passara das seis da tarde e a noite já se firmava bela e serena do lado de fora. Era só questão de... — Jessi! Boa noite! Aquele rosto lindo acabara de aparecer na minha janela. Devo admitir que essa era a parte mais difícil do meu trabalho. —
É, eu sei. Eu não deveria estar fazendo isso. Mas vamos falar sério. Zack só ganhou até agora. Não posso deixar isso barato; afinal ele está sempre me sacaneando e eu tenho que dar a volta por cima. O que meus pais, caçadores de vampiros profissionais, iriam dizer? Hum, provavelmente me dar uma surra por eu estar na porta do quarto de um vampiro agora. É isso aí, estou parada na porta do quarto de Zack. Planejei uma vingancinha. Afinal, sou filha de Deus. O prédio de Zack é isolado e eu morro de medo, mas eu tinha que salvar minha conta bancária. Eu estou afundando em dívidas e o Conselho não vai me dar mais nenhum centavo enqu
Isso não ia terminar assim. Afinal, sou um vampiro de mais de 800 anos de idade e ela tem uns míseros 29, não é? Aliás, muito bem conservada, devo admitir. Mas claro que não vou dizer isso a ela. Seis horas. Jessi deve estar me esperando e claro... apavorada. Provavelmente pensando no que eu vou fazer para me desforrar. Afinal ela vendeu trocentas daquela foto miserável que tirou de mim enquanto eu estava dormindo no quarto e fiquei sabendo que foi até parar em um blog maluco, um tal de Recanto da Chefa. Ah, safadinha... espere pra ver. Quando entrei na sala de aula, as meninas malucas do meu fã-clube soltaram risinhos. Argh, se eu pudesse ia no quarto de cada uma e roubava uma por uma das fotos, mas eu tenho ma
Sofia bateu na minha porta batucando na madeira, como sempre. Sempre tem que soar uma música do estilo psicose quando ela toca? — Boooa noite, chefaa!! Vamos lá pra sessão de filme? Dei um suspiro. Chefa. Que apelido idiota elas me deram. Detesto prometer coisas para otakus[1]. Eles não esquecem; parece que tem um arquivo no cérebro que guarda tudo, desde as promessas idiotas até todos os episódios de todos os animes que lançam no Japão. Eu prometi assistir um filme japonês com elas desde que roubaram um chocolate da cantina pra mim. Na hora eu estava ocupada correndo atrás do Zack com uma serra elétrica.&
Já estava quase adormecida quando ouvi um certo tumulto do lado de fora. Sentei-me de imediato na cama, já murmurando ‘ai-meu-Deus-ela-vai-me-pegar’ e vi que Zack não estava mais na janela. Fiquei mais assustada ainda, até perceber que o que vinha do lado de fora não eram mordidas nem sangue esguichando. Era uma discussão. — Então você existem mesmo? Minha nossa, eu jurava que eram histórias da carochinha... — Carochinha? – respondeu um loiro alto, lindo e forte, com cabelos longos até os ombros – Quantos anos você tem, vampiro? 1000? 2000 anos? Que linguagem mais antiga! Ah! Quero só ver agora que eu tranquei a janela! Não, sério. Esse disfarce de estudante está me matando. Prova! Prova amanhã! Nem sei como se faz isso mais. Agora concurso, manda brasa! Não lembro mais nada dessas matérias e sumi com todas as apostilas usadas depois que me formei. Quem pode me condenar? Você não faria o mesmo, oras? Pra quê ter essas tralhas ocupando seu armário se a única coisa que você quer é ocupar sua estante com sapatos e livros de... Opa... ouvi um barulho. Não, Zack, dessa vez aqui você não entra. A janela está trancadinha com cadeado. Que por acaso... Clac! ...acaba de cair! MConto 8 - Seduzindo...
— Ai, como é difícil ser mulher! Te peguei, né? Você achou que eu ia dizer que era difícil ser caçadora. Bom, não deixa de ser, mas no momento é isso que está pegando. Pra que fui colocar meus saltinhos clop clop? Pareço estar marcando ponto a cada passo desesperado que dou. Desculpa, tem uma explicação sobre isso, verdade. Vocês vão me achar idiota, mas enfim, não parei muito para pensar. Quando aceitei o emprego eu não acreditava muito no objetivo do trabalho, sabe: caçar vampiros. Passar no TCU em primeiro lugar sem estudar era até mais plausível.&