É, eu sei. Eu não deveria estar fazendo isso.
Mas vamos falar sério. Zack só ganhou até agora. Não posso deixar isso barato; afinal ele está sempre me sacaneando e eu tenho que dar a volta por cima.
O que meus pais, caçadores de vampiros profissionais, iriam dizer?
Hum, provavelmente me dar uma surra por eu estar na porta do quarto de um vampiro agora.
É isso aí, estou parada na porta do quarto de Zack. Planejei uma vingancinha. Afinal, sou filha de Deus.
O prédio de Zack é isolado e eu morro de medo, mas eu tinha que salvar minha conta bancária. Eu estou afundando em dívidas e o Conselho não vai me dar mais nenhum centavo enquanto eu não eliminar Zack.
Eu não tenho lá muita escolha, tenho? Ou isso ou meus sapatos Prada.
Forcei a maçaneta e percebi que estava trancada.
Claro, isso é óbvio; são duas da tarde. Ele deve estar ferrado no sono e não ia querer receber um raio de sol na cara do nada causado por alguma fã enlouquecida ou uma caçadora sem talento, não é?
Não tem problema, não há nada que impeça a caçadora Jéssica de entrar em ação.
Nem os poderes do meu pé de cabra.
Forcei a porta e entrei devagarinho. Estava tudo sinistramente escuro; senti o ar pesar à minha volta. Tinha um cheiro bom, adocicado; Zack é o único cara que eu conheço que gosta das coisas arrumadas e cheirosas.
Hum, certo, também é o único cara que eu conheço que bebe sangue.
Aproximei-me lentamente da cama dele. Haviam cortinas muito grossas cobrindo as janelas. Nem um fio de luz passava e precisei tatear para poder andar sem esbarrar nas coisas. O que ele poderia fazer se me visse ali? Será que os poderes extra-hiper-mega-fortes que ele tinha poderiam prever minha presença no quarto?
Retirei lentamente minha bolsa do ombro e comecei os preparativos. Puxei minhas algemas – é, um par novo, porque Zack havia quebrado a última – e lentamente puxei a colcha que o cobria. Não podia ser melhor.
Ele estava sem camisa.
Sem camisa! Senti minhas pernas fraquejarem. Ele parecia um anjo dormindo.
Mas parecia um capeta quando estava acordado.
Suspendi lentamente sua mão até o batente da cama e o prendi com uma algema. Eu tremia, verdade, não sei se por causa dos hormônios ou por causa da ansiedade, mas tinha ido muito longe para parar agora. Prendi a respiração quando ele suspirou.
Soltei delicadamente sua mão e quando pus a minha na bolsa para pegar o objeto de minha vingança, ele abriu os olhos e fitou-me.
Permanecemos em silêncio por segundos que mais pareciam horas.
Ai, e agora?
— Jéssica... – ele disse devagar, com um tom inquisidor – pode me explicar o que significa essa invasão?
Então suspendeu o olhar e percebeu que estava algemado na cama.
— Não aprendeu nada da última vez? – completou, com um sorriso cansado – Não sabe que posso romper isso com a maior facilidade?
— Ora, não reclame! – cortei, tentando dar a volta por cima antes que começasse a tremer – Você invade meu quarto toda noite e eu não falo nada!
Te digo, minha vontade era de pular em cima dele e mordê-lo eu mesma.
— Não fala nada? – ele riu – Você reclama mais que sogra em casa de genro! Pode dar adeus às suas algemas, Jessi.
— Espera!
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Jessi, não importa o que tentar, eu sou mais forte e mais rápido e pego você no pulo.
— Escuta, Zack. Eu preciso proteger minha conta bancária e você é o responsável por ela estar afundando. Aceite seu destino.
— Eu sou o responsável? Cara, você comprou toda a temporada de Buffy!
— Sim, mas é arquivo pessoal, viu? Eu preciso entender a técnica de pegar vampiros e...
— Você gastou também com um monte de sapatos.
— É a última vez que você mexe no meu armário – cerrei os dentes – e eu também preciso estar bem vestida para capturar vampiros. Minha profissão exige. Agora caladinho, enquanto apronto minha vingança.
— Ah, isso vai ser bom... – ele sorriu com sarcasmo.
Puxei rapidamente uma câmera da bolsa e ceguei-o momentaneamente com o flash.
— Mas o... o que significa isso? Jessi, sua safadinha, espera só pra...
— Não espero não!
Saí correndo feito uma louca do quarto enquanto ouvia Zack romper as correntes da cama. Disparei pelo corredor tranquila, porque sabia que ele não me seguiria ou viraria churrasquinho. Salvei minha conta bancária.
O quê? Eliminar Zack? É claro que eu não conseguiria!
Quando deu seis da tarde, eu estava sentada na biblioteca esperando a bomba. E lá vinha ela, sexy, linda e pronta para exigir satisfações.
— Você pode começar a explicar agora, Jessi! O que raios estava fazendo no meu quarto? – disse Zack, com uma expressão séria, mas que me fez tremer na base.
— Eu não pergunto o que você faz no meu quarto toda noite.
— Ora, eu vou te perturbar! Mas porque tirou uma foto minha? Pensei que estava planejando me matar para salvar sua conta bancária! Pelo visto falhou mais uma vez, então... – ele riu, arqueando uma sobrancelha, parecendo uma raposa.
— Não seja bobo, Zack – eu ri, cheia de satisfação – não fui lá pra te matar e já salvei minha conta bancária. Pelo menos por esse mês.
— O que quer dizer?
Nesse momento duas garotas passaram dando risinhos e me acenaram agradecendo. Três outras passaram e mandaram-me beijos. Zack fitou-me de rabo de olho.
— Desde quando você se tornou popular assim?
Eu abri minha bolsa e puxei uma sacola cheia de fotos. Ele puxou uma e arregalou os olhos.
— É uma foto... minha... algemado na cama!
— E sem camisa! Não faz ideia do quanto me pagaram por essas fotos.
— Você...!
— Parece que hoje não foi o dia da caça, não é Zack?
Ele ficou bem sério por uns segundos segurando a foto com força, mas depois deu um sorriso forçado, indicando derrota.
— Você vendeu essas fotos para meu fã-clube inteiro, não é?
— Sabe como é... sei ser generosa. E elas também.
Zack deu um suspiro e me fitou com olhos cheios de mistérios enquanto se afastava com um sorriso.
— Muito bem. É melhor dormir com os olhos abertos essa noite, caçadora...
Claro.
E com o pescoço descoberto, querido.
Isso não ia terminar assim. Afinal, sou um vampiro de mais de 800 anos de idade e ela tem uns míseros 29, não é? Aliás, muito bem conservada, devo admitir. Mas claro que não vou dizer isso a ela. Seis horas. Jessi deve estar me esperando e claro... apavorada. Provavelmente pensando no que eu vou fazer para me desforrar. Afinal ela vendeu trocentas daquela foto miserável que tirou de mim enquanto eu estava dormindo no quarto e fiquei sabendo que foi até parar em um blog maluco, um tal de Recanto da Chefa. Ah, safadinha... espere pra ver. Quando entrei na sala de aula, as meninas malucas do meu fã-clube soltaram risinhos. Argh, se eu pudesse ia no quarto de cada uma e roubava uma por uma das fotos, mas eu tenho ma
Sofia bateu na minha porta batucando na madeira, como sempre. Sempre tem que soar uma música do estilo psicose quando ela toca? — Boooa noite, chefaa!! Vamos lá pra sessão de filme? Dei um suspiro. Chefa. Que apelido idiota elas me deram. Detesto prometer coisas para otakus[1]. Eles não esquecem; parece que tem um arquivo no cérebro que guarda tudo, desde as promessas idiotas até todos os episódios de todos os animes que lançam no Japão. Eu prometi assistir um filme japonês com elas desde que roubaram um chocolate da cantina pra mim. Na hora eu estava ocupada correndo atrás do Zack com uma serra elétrica.&
Já estava quase adormecida quando ouvi um certo tumulto do lado de fora. Sentei-me de imediato na cama, já murmurando ‘ai-meu-Deus-ela-vai-me-pegar’ e vi que Zack não estava mais na janela. Fiquei mais assustada ainda, até perceber que o que vinha do lado de fora não eram mordidas nem sangue esguichando. Era uma discussão. — Então você existem mesmo? Minha nossa, eu jurava que eram histórias da carochinha... — Carochinha? – respondeu um loiro alto, lindo e forte, com cabelos longos até os ombros – Quantos anos você tem, vampiro? 1000? 2000 anos? Que linguagem mais antiga! Ah! Quero só ver agora que eu tranquei a janela! Não, sério. Esse disfarce de estudante está me matando. Prova! Prova amanhã! Nem sei como se faz isso mais. Agora concurso, manda brasa! Não lembro mais nada dessas matérias e sumi com todas as apostilas usadas depois que me formei. Quem pode me condenar? Você não faria o mesmo, oras? Pra quê ter essas tralhas ocupando seu armário se a única coisa que você quer é ocupar sua estante com sapatos e livros de... Opa... ouvi um barulho. Não, Zack, dessa vez aqui você não entra. A janela está trancadinha com cadeado. Que por acaso... Clac! ...acaba de cair! MConto 8 - Seduzindo...
— Ai, como é difícil ser mulher! Te peguei, né? Você achou que eu ia dizer que era difícil ser caçadora. Bom, não deixa de ser, mas no momento é isso que está pegando. Pra que fui colocar meus saltinhos clop clop? Pareço estar marcando ponto a cada passo desesperado que dou. Desculpa, tem uma explicação sobre isso, verdade. Vocês vão me achar idiota, mas enfim, não parei muito para pensar. Quando aceitei o emprego eu não acreditava muito no objetivo do trabalho, sabe: caçar vampiros. Passar no TCU em primeiro lugar sem estudar era até mais plausível.&
Vou acabar desidratada desse jeito. Isso é que dá dormir de janela aberta. Bom, não que eu tenha culpa; Zack simplesmente abre a janela toda a noite, por mais que eu a feche, tranque, passe cadeado e ainda cole o batente com cuspe. Estou fungando e com garganta inflamada. Meu nariz está vermelho feito o do Bozo e a tontura é constante. Gripe maldita! Como se não bastasse todo esse mal estar ainda fico parecendo um zumbi. E tenho horror a zumbi. Tipo... eles comem cérebro. ECA. Claro, beber sangue também é nojento, mas pelo menos quem suga costuma ser uma gracinha. — Boa noite, safadinha! Pronta para passar mais um dia tentando matar o vampiro pelo qual você é perdidamente apa
Primeira pedrinha quicando na janela. — Jessi? Ignorei, lógico, não dá pra ficar dando atenção o tempo todo. Na verdade, se o Conselho descobrir todo esse grude dele comigo vou me dar muito mal. Segunda pedrinha na janela. — Jessiiii... Não que eu não goste. Bem, não exatamente. O problema é que sei que ele me considera incompetente para matá-lo e se diverte às minhas custas e, por mais que passe a... não-vida me sacaneando, não consigo deixar de gostar disso. Ou de me sentir um pouco ofendida.
Não que eu precise de Zack para me meter em problemas. Eles me perseguem, como se sentissem no cheiro do meu sangue algo atrativo como mel pra urso. E o problema que comecei a enfrentar agora é do tamanho de um. Isso nunca me aconteceu antes, mas é o tipo de coisa que acha que nunca vai acontecer com você, sabe, como quando você sai na chuva por uns vinte minutinhos achando que não vai ficar gripada. Ou quando masca chiclete deitado achando que não vai engolir. Ou quando você resolve ir sacar dinheiro no banco sozinha, à noite, porque viu um vestidinho chiquérrimo numa vitrine qualquer e o pagamento com desconto é só em dinheiro e, no caminho, é assaltada.&