Hoje eu pego ele. Afinal, Zack vivia tirando uma com a minha cara; eu não podia deixar isso barato, podia? O mestre caçador de vampiros nunca mais ia poder me atormentar com isso.
Já tinha tudo preparado: água benta, algemas, estaca e a janela estava aberta.
Só mais alguns minutos agora; já passara das seis da tarde e a noite já se firmava bela e serena do lado de fora. Era só questão de...
— Jessi! Boa noite!
Aquele rosto lindo acabara de aparecer na minha janela. Devo admitir que essa era a parte mais difícil do meu trabalho.
— Hum, olá, Zack...
— O que vamos fazer hoje?
— Zack – cortei-o, prendendo a minha respiração – Vamos deixar uma coisa bem clara aqui, está bem? Sou sua caçadora. Você é minha caça. Meu dever é capturar você e claro, acabar com tua raça.
— Hum, certo. Entendo. Quer que eu facilite as coisas?
— O q... como é?
— Vou deixar você me capturar. Mas se eu conseguir escapar... eu tenho o direito de te dar uma mordida.
Não me condene por ficar arrepiada.
Quase fiquei com vontade de que ele escapasse; digo, que eu acabasse com aquela palhaçada.
— Qual vai ser sua armadilha, Coringa?
— Coringa coisa nenhuma! – reclamei, torcendo o nariz – EU sou a mocinha da história! Pode me chamar de Batman!
— Bem, mas considere que Batman se veste de preto, é chegado em morcegos e só sai à noite.
— Então eu sou a Buffy. Agora cale-se e sente-se nessa cadeira.
— Tudo bem!
Ele é tão previsível.
Quer dizer, como sobreviveu todas essas centenas de anos obedecendo a qualquer ordem?
Depois que ele sentou-se, cruzou os braços e as pernas, dando-me aquele sorriso de lado que costuma me derrubar sempre.
— E então?
— Hum... ponha as mãos para trás.
— Peraí... você não quer que eu facilite as coisas para você, quer?
— Apenas ponha as drogas das mãos para trás – cerrei os dentes.
— Nossa, que mulher estressada. Está de TPM de novo, Jessi?
— Quer testar?
— De jeito nenhum – ele pôs as mãos para trás num impulso.
Eu corri e o algemei.
Nem acredito! Eu consegui! Capturei meu primeiro vampiro! E é o cara mais gato do mundo!
— E agora? – ele sorriu.
Eu pisquei duas vezes.
— E agora o quê?
— Ora, e agora o que vai fazer comigo? É só isso?
Eu cocei a cabeça. Quer dizer, eu tinha tudo planejado; a água benta, a estaca, até o alho que dá coceira nele. Mas agora tinha esquecido tudo que ia fazer!
Quer dizer, eu não esperava mesmo conseguir.
— Você não tem nada planejado, não é? – ele riu ao fitar minha cara atônita.
— Eu... eu tinha. Digo, eu tenho!
— E...?
Eu puxei o spray de água benta.
— Vai derreter meu lindo rostinho? Meu fã clube vai te matar.
É, meus hormônios também.
— Bem, eu ainda tenho minha estaca.
— Vai fundo – depois ele deu uma risadinha – Uff, que trocadilho horrível.
Eu peguei a arma e fiquei olhando para ela.
— Jessi, vou te dar três segundos – ele ergueu uma sobrancelha quando passei mais de um minuto olhando para a estaca – Eu não vou ficar aqui sentado esperando o sol nascer. Um...
Virei a arma na minha mão. Bem que eles podiam fazer essa coisinha automática. Quer dizer, só apontar e disparar. Se Zack fosse um lobisomem era só usar uma bala de prata, não é? Muito mais fácil.
— Dois...
Sem contar que essa estaca ia fazer uma sujeirada danada, não é? E eu acabei de limpar o tapete.
— Três!
E eu não precisaria também de um martelo? Tipo assim, só enfiar assim numa boa, sem ajuda?
— Jessi?
— O quê? – respondi, ainda olhando para a arma.
— Eu já contei até três. Acabou seu tempo.
— E daí? O que você pode fazer? Você está preso, Zack!
Ele arrebentou as correntes sem piscar e mostrou os pulsos pra mim, sem sequer um arranhão.
Droga. A super-força. Esqueci.
— Você tem mais alguma ideia?
— Sei lá, te matar de tédio – retruquei aborrecida.
— Você planejou tanto e não me mostrou nada...
Dei de ombros. Verdade, mas o que podia fazer? Ele acaba com meus sentidos.
— Então eu venci?
Olhei para ele sentindo-me meio surpresa. Quer dizer, eu não tinha planejado que ele escapasse, não é?
Será que meu subconsciente sabotou minhas próprias ações para que Zack vencesse e... me mordesse?
Não, acho que sou só incompetente mesmo.
Ele aproximou-se com as mãos no bolso e olhar suspeito. Quando chegou bem próximo apontei a estaca para seu rosto.
— Nem chegue perto! Eu tenho uma arma e sei como usá-la!
— Não, não sabe – ele levou um dedo até a estaca e desceu-a até o peito – viu, é aqui que a faz funcionar.
Eu estremeci. Que droga de caçadora, não é?
Ele deu um tapa na minha mão e a miserável da estaca voou longe.
Traidora. Se ainda fosse automática.
Ele afastou os cabelos do meu pescoço e senti-me gelar.
Tarde demais. Zack era infinitamente mais esperto e mais forte do que eu, o que eu poderia fazer?
Sabia que devia ter deixado um testamento. Agora quem cuidaria do Draculinho? E o Pterówski? Meu pônei selvagem que pula o muro toda noite vai ficar órfão?
Ele suspirou em cima de minha pele e eu entreguei os pontos. Será que ia virar vampira? Ela não ia me dar o sangue dele para beber, não é?
De repente, inclinou-se sobre mim e mordeu minha orelha. Eu dei um pulo, mas Zack simplesmente sorriu e correu para a porta.
— Pronto! Venci! Agora ande ou vamos estar atrasados para a aula!
Eu estava boquiaberta.
Foi isso? Ele mordeu minha orelha e acabou?
Peguei a estaca novamente e pus meu spray na cintura, enquanto o seguia para o corredor.
Da próxima vez vou pôr a nossa aposta por escrito e, quando eu perder novamente, ele vai ter que cumprir uma aposta decente.
No mínimo um par de dentes no pescoço.
Afinal eu quero perder com classe, né?
É, eu sei. Eu não deveria estar fazendo isso. Mas vamos falar sério. Zack só ganhou até agora. Não posso deixar isso barato; afinal ele está sempre me sacaneando e eu tenho que dar a volta por cima. O que meus pais, caçadores de vampiros profissionais, iriam dizer? Hum, provavelmente me dar uma surra por eu estar na porta do quarto de um vampiro agora. É isso aí, estou parada na porta do quarto de Zack. Planejei uma vingancinha. Afinal, sou filha de Deus. O prédio de Zack é isolado e eu morro de medo, mas eu tinha que salvar minha conta bancária. Eu estou afundando em dívidas e o Conselho não vai me dar mais nenhum centavo enqu
Isso não ia terminar assim. Afinal, sou um vampiro de mais de 800 anos de idade e ela tem uns míseros 29, não é? Aliás, muito bem conservada, devo admitir. Mas claro que não vou dizer isso a ela. Seis horas. Jessi deve estar me esperando e claro... apavorada. Provavelmente pensando no que eu vou fazer para me desforrar. Afinal ela vendeu trocentas daquela foto miserável que tirou de mim enquanto eu estava dormindo no quarto e fiquei sabendo que foi até parar em um blog maluco, um tal de Recanto da Chefa. Ah, safadinha... espere pra ver. Quando entrei na sala de aula, as meninas malucas do meu fã-clube soltaram risinhos. Argh, se eu pudesse ia no quarto de cada uma e roubava uma por uma das fotos, mas eu tenho ma
Sofia bateu na minha porta batucando na madeira, como sempre. Sempre tem que soar uma música do estilo psicose quando ela toca? — Boooa noite, chefaa!! Vamos lá pra sessão de filme? Dei um suspiro. Chefa. Que apelido idiota elas me deram. Detesto prometer coisas para otakus[1]. Eles não esquecem; parece que tem um arquivo no cérebro que guarda tudo, desde as promessas idiotas até todos os episódios de todos os animes que lançam no Japão. Eu prometi assistir um filme japonês com elas desde que roubaram um chocolate da cantina pra mim. Na hora eu estava ocupada correndo atrás do Zack com uma serra elétrica.&
Já estava quase adormecida quando ouvi um certo tumulto do lado de fora. Sentei-me de imediato na cama, já murmurando ‘ai-meu-Deus-ela-vai-me-pegar’ e vi que Zack não estava mais na janela. Fiquei mais assustada ainda, até perceber que o que vinha do lado de fora não eram mordidas nem sangue esguichando. Era uma discussão. — Então você existem mesmo? Minha nossa, eu jurava que eram histórias da carochinha... — Carochinha? – respondeu um loiro alto, lindo e forte, com cabelos longos até os ombros – Quantos anos você tem, vampiro? 1000? 2000 anos? Que linguagem mais antiga! Ah! Quero só ver agora que eu tranquei a janela! Não, sério. Esse disfarce de estudante está me matando. Prova! Prova amanhã! Nem sei como se faz isso mais. Agora concurso, manda brasa! Não lembro mais nada dessas matérias e sumi com todas as apostilas usadas depois que me formei. Quem pode me condenar? Você não faria o mesmo, oras? Pra quê ter essas tralhas ocupando seu armário se a única coisa que você quer é ocupar sua estante com sapatos e livros de... Opa... ouvi um barulho. Não, Zack, dessa vez aqui você não entra. A janela está trancadinha com cadeado. Que por acaso... Clac! ...acaba de cair! MConto 8 - Seduzindo...
— Ai, como é difícil ser mulher! Te peguei, né? Você achou que eu ia dizer que era difícil ser caçadora. Bom, não deixa de ser, mas no momento é isso que está pegando. Pra que fui colocar meus saltinhos clop clop? Pareço estar marcando ponto a cada passo desesperado que dou. Desculpa, tem uma explicação sobre isso, verdade. Vocês vão me achar idiota, mas enfim, não parei muito para pensar. Quando aceitei o emprego eu não acreditava muito no objetivo do trabalho, sabe: caçar vampiros. Passar no TCU em primeiro lugar sem estudar era até mais plausível.&
Vou acabar desidratada desse jeito. Isso é que dá dormir de janela aberta. Bom, não que eu tenha culpa; Zack simplesmente abre a janela toda a noite, por mais que eu a feche, tranque, passe cadeado e ainda cole o batente com cuspe. Estou fungando e com garganta inflamada. Meu nariz está vermelho feito o do Bozo e a tontura é constante. Gripe maldita! Como se não bastasse todo esse mal estar ainda fico parecendo um zumbi. E tenho horror a zumbi. Tipo... eles comem cérebro. ECA. Claro, beber sangue também é nojento, mas pelo menos quem suga costuma ser uma gracinha. — Boa noite, safadinha! Pronta para passar mais um dia tentando matar o vampiro pelo qual você é perdidamente apa
Primeira pedrinha quicando na janela. — Jessi? Ignorei, lógico, não dá pra ficar dando atenção o tempo todo. Na verdade, se o Conselho descobrir todo esse grude dele comigo vou me dar muito mal. Segunda pedrinha na janela. — Jessiiii... Não que eu não goste. Bem, não exatamente. O problema é que sei que ele me considera incompetente para matá-lo e se diverte às minhas custas e, por mais que passe a... não-vida me sacaneando, não consigo deixar de gostar disso. Ou de me sentir um pouco ofendida.