O barulho matinal acaba por acordar Kalinda, na hora certa de ir à escola. Ela se levantou do sofá com o estofado um pouco precário e foi em busca de se arrumar.
Não demorou muito, nem ao menos tomou o café-da-manhã. Vestiu apenas uma calça jeans com um azul fraquíssimo ー também gasta ー, e a blusa da farda, nas cores verde, amarelo e azul, e com o nome dela gravada na parte inferior de trás.
ー Gostosa pra caralho! ー Disse confiante olhando o próprio reflexo no espelho. Logo em seguida começou a rir.
A escola foi a mesma coisa monótona, chata e cansativa de todos os dias. Mas, necessária.
As aulas de sociologia e história foram as únicas matérias em que ela tivera um mínimo de interesse, nas restantes, ela apenas ficou pensando no trabalho e torcendo para que hoje não fosse dia de entrega, só sobrava para ela, carregar as inúmeras caixas de ingredientes que vinham de reinos vizinhos.
ー Srta. Black, poderia compartilhar com o restante da turma o que tanto toma a sua atenção durante as minhas aulas? ー Indaga a professora de repente, fazendo os alunos olharem para Kalinda, ela encolheu-se na cadeira envergonhada.
O visual da professora estritamente profissional e sua postura imponente amedrontam qualquer um. Seus cabelos loiros um pouco grisalho e pouquíssimas rugas em sua face, dava a ela uma aparência jovial.
ー Me diga! ー Disse ela, mais alto, fazendo alguns alunos se assustarem em suas carteiras. ー Black, o que é tão importante 'pra' você, ao ponto de não se concentrar na aula de literatura.
ー M-me desculpe, Sra. Collins, não foi a minha intenção desrespeitá-la. ー Falou ela de cabeça baixa ainda envergonhada e intimidada.
ー Tudo bem. Que isso não se repita, está me entendendo? ー Diz a professora firme.
ー Certo. ー Murmurou deixando escapar um longo suspiro.
Poderia ser aterrorizante estudar em uma escola onde a maioria não faz a mínima ideia do que é jejuar durante três dias diretos por semana, por não ter condições de comprar comida, e ainda sim, sair na rua com um sorriso genuíno no rosto e ir à luta. Essa era a pior parte de estudar com pessoas com mais condições do que ela.
ー Muito bem pessoal. ー Ela dizia alto, se virando e indo até a lousa. ー O grande escritor e romancista, Romarts Giulli, ficou famoso por qual obra literária?
ー A volta dos que não foram. ー Disse Kalinda sem pensar, chamando a atenção de todos mais uma vez.
ー Está certa. Talvez, se você se esforçasse só um pouquinho… poderia até passar nas olimpíadas de literatura. ー Disse a professora com desdém para a aluna.
O resto das aulas foram regadas por inúmeras encaradas indiscretas e murmúrios maldosos. Kalinda como sempre foi diretamente para o serviço.
ー Está atrasada. ー Disse o gerente rispidamente.
Era simplista mas ainda sim, aconchegante. As paredes em tons de rosa pastel, com mesas e cadeiras de madeiras envernizadas, um balcão de mármore e as várias opções de guloseimas.
O rapaz era moreno com cabelo médio, caindo um pouco sobre os olhos, que são castanhos escuros, sua estatura era um pouco maior que a da jovem, ele vestia roupas pretas e um avental da mesma cor, com a logotipo da confeitaria.
ー Apenas um minuto. ー Rebateu a jovem rapidamente.
ー Não importa, um atraso, é um atraso. ー Ele disse ainda ríspido.
A vontade de m****r o seu superior ir se fuder era enorme, mas, infelizmente ela precisava muito daquele maldito e miserável emprego, teria de aguentar até conseguir melhores condições.
ー Gael, meu anjo, cara a boquinha, cala? ー Ela disse sem paciência.
ー Já que está com tanta disposição para me irritar, porque não vai descarregar as caixas de farinha e açúcar? ー Ele disse sorrindo de ladinho com escárnio.
Ela foi exasperante para os fundos e pisando com força. Deixou a mochila em cima de um dos inúmeros sacos de farinha.
Pouco a pouco, ela foi levando os sacos até a dispensa, enquanto o Gael ficava atendendo os poucos clientes que iam e vinham. E foi assim o dia inteiro, no trabalho braçal.
Mais uma vez, a jovem Kalinda, estava indo rumo a sua casa, dando uma pausa na rotina cansativa de sempre.
Pontual como sempre, Lorenzo chegou ao palácio real, e o seu aluno já o aguardava. O professor estava deslumbrante, sempre com um visual viril.
ー Pode entrar. ー Disse Arthur depois de ouvir batidas na porta.
ー Pronto para uma longa maratona de Romarts Giulli? ー Perguntou ele de um modo brincalhão se sentando na beirada da cama. Arthur já havia se deslocado até ficar próximo a ele.
ー 'Estamos prontos capitão, ooooh. ー Cantarolou o príncipe tentando deixar a voz mais grave, ocasionando uma gargalhada do mais velho.
Com Lorenzo o príncipe podia se dar o luxo de ser verdadeiro, de ser ele mesmo, sem todo aquele mimimi de "Cadeirante frágil, que devem ter pena". Ele odiava toda aquela merda de pena.
ー Então, o Romants, foi um grande romancista no século anterior, influenciou grandes formas de agir e pensar sobre a expressão artística. Quais foram as grandes ações que o fez ser tão reconhecido?
ー Não faço a menor ideia. ー Confessou o príncipe rindo de nervoso.
ー Ah, não Arhur, a gente estudou sobre isso na semana passada. ー Disse o professor fazendo birra.
ー Culpa sua, estudar na beira da piscina, sério? ー Indagou ele arqueando as sobrancelhas.
ー Eu sei que sou atraente, mas não é 'pra' tanto. ー Diz ele pondo a mão no queixo como se estivesse pensando.
"É 'pra' tanto sim! Você é aquele tipo de homem que deixa qualquer um doido, não só pelo corpo perfeito, mas sim por tudo de bom que há dentro de você". ー Pensou o príncipe.
ー Ridículo! ー Acusou o mais novo rindo, lançando um travesseiro na cara do Lorenzo.
ー Tá, pode ser, porém, um ridículo gostoso. ー Rebateu o ruivo rindo convencido.
ー A modéstia passou longe. ー Murmurou o príncipe deixando de rir aos poucos.
ー É porque não teve espaço 'pra' tantas qualidades. ー Rebateu convencido
ー E pelo visto, além de ser curtido, ainda por cima não tem foco… ー Murmurou o príncipe ironizando.
Após muito brincar. Os dois homens começaram a estudar, e se estendeu durante o restante da tarde. E como sempre, a cada instante que os dois iam falando, estava ali, ou uma provocação, ou um flerte amigável, quase inocente. Arthur viu mais uma vez o homem pelo que se sentia atraído ir embora pelo longo caminho de pedras com arbustos retangulares nas laterais, e um lindo pôr do sol ao fundo.
ー Vai ser um caos completo! ー Exclamou o príncipe Charles indignado e irritado pela suposta influência que o duque de Héstia tem sobre a sua mãe, a rainha.
ー Charles William de Keanu Gervinya George Furlan segundo, você me respeite! Eu sou sua mãe, acima de tudo sua rainha, essa decisão foi aprovada por todo o concelho, não vai ser um pirralho como você, que vai me dizer o que ou não fazer. Estamos entendidos? ー Disse a rainha irada por tamanha audácia e desrespeito do príncipe por sua pessoa.
Um clima tenso se instalou em todo o cômodo, as pessoas presentes ficaram com cara de paisagem por não quererem se intrometer em uma discussão da família real.
ー Não quis ser desrespeitoso. Só acho que essa ideia de doar uma vaga da Golden Crown, é uma loucura. Só vai criar revolta nas candidatas que não passaram ou que não estão dentro dos quesitos para ir à primeira prova. ー Charles explicou com mais calma, tentando expor sua opinião sem causar mais escândalos.
A rainha até poderia concordar com ele, porém, após o incidente das fotos e vídeos íntimos vazados da princesa Cassandra, apenas um evento de tamanha magnitude poderia desviar a atenção dos súditos.
ー Você sabe muito bem do porquê de estarmos fazendo isto, príncipe Charles. ー Alertou um homem de cabelos brancos e cara enrugada, deveria ter uns cinquenta anos.
ー Sim, eu sei, Sr. Duskovith, avise a minha prima que tenha mais cuidado com suas proezas sexuais. ー Pediu o príncipe calmamente, saindo da sala, deixando apenas sua mãe e o conselho.
Do outro lado do reino, estava Kalinda e seus pais, debatendo sobre os prós e contras, sobre ela tentar se inscrever no concurso.
ー Não acho prudente. ー Disse o pai.
ー Ralph, você não tem lugar de fala desta conversar, então por favor, fique de boca fechada. ー Rebateu a mãe irritada.
ー Gente, não precisam brigar, eu tento, pronto. Não vou passar nem da primeira prova mesmo. ー Avisou Kalinda dando de ombros.
Por conta das inscrições para o concurso, o conselho decidiu anunciar um feriado de última hora, possibilitando a inscrição de várias jovens, inclusive a de Kalinda, que se ocupavam com, trabalho, escola, ou qualquer outra coisa.O pátio enorme da instituição estava lotado, um grande tumulto tomou conta dos corredores. Kalinda observava tudo com muito medo, temia ser pisoteada, caso algo acontecesse, ou pior, ser morta por alguém, e não poderem identificar o responsável.A sua mãe havia se desprendido de si, assim que entrou, com a desculpa de ir se informar. E ela ficou ali, debaixo de uma árvore, sentada em um banco de mármore falso, com as pernas cruzadas e um livro em mãos, por mais que ela quisesse que fosse um belo livro de fantasia romântica, a realidad
Os dias passaram de forma rápida, mas, ainda sim, muito cansativos. A mãe de Kalinda a obrigou a ficar na imensa fila de espera, tinha jovens de todas as formas, tamanhos e etnias diferentes, cada uma mais bela que a outra. Todas elas tinham sonhos com a realeza, diferente de Kalinda que apenas usaria o diploma para entrar em uma universidade respeitada.Ainda que, pobres igualmente, ou até mesmo pior que Kalinda, todas estavam com suas melhores roupas, e maquiagens que até mesmo as princesas não usavam. Enquanto a morena usava apenas um vestido florido de um tecido vagabundo, nem de longe poderia ser comparado aos das demais candidatas, também usava tênis surrados e gastos, com o cabelo preso em um rabo de cavalo baixo.
O dia tão esperado tinha chegado, todas as candidatas do reino estavam alvoroçadas. O que o príncipe Charles mais temia aconteceu, as ruas estavam lotadas, nem mesmo as vielas clandestinas estavam livres.ー O que o conselho decidiu fazer em relação ao tumulto? ー Indagou o príncipe Arthur encarando o rosto sério do irmão.Charles vestia roupas formais na cor azul escuro quase pretas. O paletó estava justo em sua cintura, as lapelas eram grossas e brilhantes, a gravata era preta com minúsculos pontinhos brancos, e a calça na mesma tonalidade do paletó. Usava sapatos sociais devidamente engraçados. O seu topete molhado alinhado perfeitamente as laterais baixas.Arthur não sairia
As questões eram desafiadoras e poderiam fazer até mesmo grandes diplomatas terem uma dorzinha de cabeça para respondê-las corretamente. Kalinda poderia não ter acreditado de início, mas ali no meio daquela disputa acirrada ela percebe o quão bom foi ter estudado o máximo que pôde sobre táticas diplomáticas. Não que ela precisasse, já que as questões eram feitas apenas para jovens plebeias com um mínimo de conhecimento geral.Na primeira questão tinha uma situação hipotética, onde cabe somente à princesa impedir uma guerra contra países vizinhos. Sem rei, ou qualquer outra pessoa a quem ela poderia recorrer, tinha dez linhas onde ela deveria escrever sua tática. Segundo os ensinamentos que todo Genovyano deveria receber.Ao dar uma pausa para analisar suas adv
Arthur bebia de seu vinho tranquilamente, e sem medo de alguém pegá-lo no expediente de serviço. Quando ele decidiu cuidar pessoalmente das questões pendentes do concurso, não imaginou que seria tão entediante. Era cada resposta mais infantil e vulgar que a cada gole do vinho, seu cérebro implorava por mais para poder aguentar aquela tortura.Várias pilhas de papéis estavam sobre a imensa mesa de mármore legítimo. As vinte e oito cadeiras estavam vazias, estando ocupada somente a da ponta.ー Vossa alteza, ー Comprimentou um homem de aparência jovial invadindo a sala de reuniões. Só pela voz o príncipe já teve o desprazer de reconhecer o dono. ー Vejo que a rainha parou de te privar das delícias da coroa. ー completou com pura insistência, se sentando do out
O fim daquela rotina cansativa era sempre a melhor parte do dia. Em poucos minutos os nomes das candidatas que conseguiram passar estariam sendo anunciados em todos os veículos de informações, principalmente na rádio.ー Está ansiosa, filha? ー Luana senta no sofá ao lado da filha, estava com um vestido velho de ficar em casa mesmo. Seu sorriso gentil escondia uma ganância fora do normal, e Kalinda sabia disso.ー Não. As chances de eu passar são mínimas. ー Respondeu ela com um fio de voz, abraçou as pernas e apoiou o queixo sobre os joelhos.ー Não diga asneiras! ー Repreendeu com um tabefe, a jovem olhou com uma expressão confusa e desatenta. As notificações chegavam aos montes. Gael já não aguentava mais o celular de Kally tocando a cada segundo. Desde que acordou, a morena não olhava suas notificações. Não podia mesmo se quisesse, seu chefe não a deixaria. O horário proporciona mais calmaria, isto é, se a mera presença um do outro não os irrita sem.ー Mas que merda. ー Disse o gerente batendo os punhos no balcão. Não tinha cliente, apenas ele e a garota, e aquela zuada infernal.ー Eu posso colocar no silencioso… ー Propôs ela. Era cedo demais para criar mais uma briga com ele, era mais sensato conversar.ー Certo, mas nada de ficar lendo tabloides de fofoca. ー Alertou o moreno. Seus fios grossos estavam caindo sobre seusCapítulo 09 - Vermelho da Paixão.
O breu da noite já avisava que era hora de ir dormir. Kally estava mexendo em seu Instagram, era estranho para ela ter esse tanto de seguidores que vinha ganhando desde que foi anunciado o seu nome em todos os veículos de notícias. O seu direct estava tumultuado, várias mensagens de pessoas que nunca viu na vida, não conseguiria respondê-los mesmo se quisesse, eram muitos.Um barulho de coisa caindo prendeu sua atenção, deixou o celular de lado e foi até a janela do corredor entre sala e cozinha, olhando o lado de fora da casa, viu seu pai se levantando de um arbusto ao qual havia caído, e saiu correndo em direção ao seu carro caindo aos pedaços.ー Pai? ー Murmurou fazendo uma careta confusa. "Onde o senhor vai?" pensou a morena.Último capítulo