TRÊS

Samyra acorda logo cedo e começa a requentar a comida do dia anterior. Seu pai levanta logo após e ela torceu em seu íntimo para que sua mãe não escutasse a conversa que iria se iniciar.

_Mais sopa?_Samyra pergunta mostrando o prato pela metade ao pai. Ele nega.

_Alguma coisa está acontecendo, Samyra?_A voz do homem faz a menina estremecer._Parece nervosa, inquieta. O que se passa?

_É que..._Samyra senta-se à mesa com seu pai e o olha firme._Irei arrumar um emprego hoje.

_Vai trabalhar em quê? Sabe que mal tem trabalho disponível em Neshville._Roberto dá uma colherada na sua sopa de repolho._Diga-me, onde irá arrumar emprego?

_Como doadora._A morena fala de uma vez e seu pai engasga._Pai? Vou buscar uma água.

A menina tem seu braço segurado impedindo-a de buscar a água. Seu pai a olha firme e dava pra ver nervosismo em seu olhar.

_Eu não vou deixar você ser uma bolsa de sangue para eles._Murmurou entre os dentes._Eu não vou, Samyra!

_A questão aqui não é o senhor querer, meu pai._Ela se solta do aperto e alivia a sua expressão._O senhor não está mais em condições de doar e a mamãe precisa de mais remédios e comida digna. Entenda de uma vez, eu preciso arrumar emprego.

Roberto esmurra a mesa fazendo a sopa esborrar do prato. Ele sabia que o que sua filha estava falando era verdade, mas era difícil aceitar que sua filha, sua menininha iria servir de comida para os sanguessugas.

_Filha..._Derrotado, o homem deixa algumas lágrimas caírem._Eu tentei dar a você e a sua mãe o melhor que eu pude. E olha o que aconteceu... Sua mãe está doente e provavelmente depressiva e você tendo que se submeter a ser...

Antes do seu pai continuar, Samyra toca na sua mão e lhe dá um sorriso.

_Você é o melhor pai do mundo. Fez de tudo por nossa família e agora está na hora de te recompensar por tudo que você me fez._Rapidamente ela o abraça._Não se preocupe. Sua filha cresceu.

Roberto enxugou suas lágrimas e abraçou forte a sua filha. Escutou dela que isso seria segredo por um tempo, pelo menos até Loretta se recuperar. Ela não a perdoaria se descobrisse isso então melhor seria omitir até quando der. Roberto saiu para uma doação pela manhã e estaria de volta antes do almoço. Às 9:00hrs Vera iria esperar Samyra para irem se inscrever para o "emprego".

A morena tratou de acordar sua mãe e banha-la na cama mesmo usando pano úmido e o resto de um sabonete líquido. Era o que tinha. Colocou a sopa no prato e levou até sua mãe.

_Sopa de repolho novamente?_Loretta resmunga._Eu não quero. Prefiro a morte.

_Mãe, não seja cabeça dura._Samyra repreende a mãe._Melhor a senhora comer pois vai terminar morrer de fome. E eu não quero ficar sozinha... Preciso da senhora.

_Você precisa é fazer algo contra esses vampiros._Loretta cospe as palavras._Lembro-me de uma época em que tudo era motivo de protesto, pessoas lutavam a favor dos seus direitos... Por que você não reúne seus amiguinhos e batem de frente contra esses vampiros?

Samyra, exausta, repousa o prato da sopa numa mesinha ao lado e passa as mãos nas têmporas. Ela estava cansada de tantas reclamações...

_Mãe!_Samyra explode._Eu faço tudo pela senhora..._As lágrimas já caíam._A senhora não imagina quantas vezes eu tive que deixar de comprar uma sandália pra mim pra poder usar esse mesmo dinheiro pros seus remédios. A senhora não tem noção do quanto é cansativo acordar as 5hrs da manhã pra fazer a comida do meu pai, e depois te banhar, e depois fazer comida..._A jovem já soluçava._E a senhora não reage! Você não entende que precisamos da senhora? Que lutamos tanto para sua melhora e a senhora não move um dedo pra nos ajudar?

A menina respirava forte. Seu peito subia e descia pela emoção das palavras. Loretta a olhava supresa pela aquela reação.

_Não vai dizer nada?

_Me deixa sozinha._Após dizer isso, Loretta vira-se e cobre-se.

Samyra pega o prato e sai pisando duro. Não acreditava que depois dessas palavras a sua mãe não lhe diria nada. Comeu a sopa, banhou-se e lavou os pratos. Certificou-se de que sua mãe já dormia e saiu de casa escondendo a chave onde sempre deixava. Encontrou Vera na frente da casa esperando-a.

Vera morava apenas com o pai pois sua mãe faleceu desde o seu nascimento. Era loira, olhos escuros, baixinha e tinha 18 anos. Uma amiga incomparável para Samyra.

_Vamos?_A loira pergunta um pouco animada.

_Vamos!

Seguiram à pé até a Central de Ajuda. Lá seria o local indicado no panfleto onde realizariam as inscrições e avaliações. Chegaram na frente do prédio e suspiraram. Era nítido que as duas estavam com medo, mas voltar atrás não era uma opção. Vera precisava de dinheiro para ajudar seu pai que trabalhava em um supermercado. O movimento depois da chegada dos vampiros caiu muito e o dinheiro já não dava pra muita coisa. Samyra também não ficava pra trás. Tinha seus problemas e bem piores que os de Vera.

Entraram no local e avistaram uma pequena fila de mais ou menos 10 pessoas. Não imaginaram que teria tantas pessoas assim. Vera segura na mão de Samyra e juntas seguem para o fim da fila.

_Será que iremos conseguir?_Samyra pergunta mordendo o lábio inferior pela tensão.

Vera olha para cada pessoa na fila e depois volta a olhar para sua amiga que estava atrás dela.

_Pelo que vejo somos as mais novas da fila. Se o nosso sangue for bom, temos chances reais de sermos escolhidas._A loira dá um sorriso contido._É só confiar, Samy.

A fila parecia andar extremamente devagar e Samy já estava com fome. Manteve a calma e tratou de não pensar em comida. Mas era quase que impossível...

Já passava das 10:30hrs e nada de chegar a vez delas. Ainda faltavam duas pessoas na frente de Vera. Samyra bufa frustada e se encosta na parede.

_Estava guardando isso, mas já vi que precisas mais do que eu._Vera estende uma barra de cereal para Samyra.

_Estava morrendo de fome mesmo._A morena dá um bote na barrinha e come com vontade._Isso está divino.

Vera sorri da gula da amiga e vê que as pessoas que estavam à sua frente desistiram.

_É a minha vez._A loira treme um pouco._Torce por mim e boa sorte.

Samyra viu sua amiga entrando pela porta de atendimento e sua fome passou na hora. Descartou o resto da barrinha no lixo e olhou pelo espelho se seus dentes estavam sujos. Não queria parecer uma mendiga suja. Apesar de estar quase vivendo nas mesmas condições que eles.

*Central

de

ajuda: É um prédio localizado quase no centro de Neshville onde é feito a seleção dos doadores e os exames dos mesmos. Também é o local onde cuida de documentos importantes e distribuição de alimento para algumas casas extremamente pobres por ordem da prefeitura da cidade.

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