Parte 6...
Aurora
Quando vi o que ele fez, minha mãe gritar e abaixar o rosto machucado, esqueci que ele era meu pai de vez.
— É bom que você me mate - eu quase rosnei, apontando o dedo — Porque se me deixar de pé, eu vou sair por aí, contando a cada pessoa que eu encontrar, o homem covarde, mentiroso e abusador que você é! - bati o pé no chão.
De imediato a cara dele mudou. Piorou, na verdade. Seus olhos se apertaram e ele comprimiu os lábios, erguendo o punho fechado.
— Sua vagabunda abusada - sua voz saiu rouca — Todos esses anos eu tive que aguentar você em minha casa, fingir que gosto de você e para quê? Você não serve pra nada, é igual a sua mãe... Uma qualquer, que se deita com qualquer um e por isso aquele idiota do Domenico Barone se deita com você, mas nunca te assume - jogou o cinto no chão — Você não presta nem para arranjar um casamento rentável, como fez Diana - se afastou de mim — Ela sim, deu orgulho ao pai dela, não é uma puta como você.
Aquilo doeu, não vou negar, mas já estava acostumada com sua grosseria. Engoli pesado, meu coração apertado. Todos esses anos e ele nunca conseguiu ser gentil comigo, a não ser quando queria fingir para os outros, em especial para o chefão dele, meu tio Pietro, que é quem comanda a máfia aqui na Calábria.
— Tome vergonha na sua cara cínica e arranje um casamento - ele chutou a cadeira — E saia logo daqui antes que eu perca a cabeça de vez - apertou os lábios me encarando com puro desprezo — Domenico só quer te comer, ele sabe que você não vale nada, por isso nunca assumiu e nem vai assumir nada - me olhou de baixo pra cima — Tudo o que ele quer é se enfiar entre suas pernas e se aliviar, como qualquer puta, só que você faz isso de graça.
Foi um choque pra mim. Apesar de estar acostumada ao modo dele me tratar, essas palavras foram cruéis comigo. Nunca entendi como ele podia me odiar apenas pelo fato de eu ter nascido mulher e de nunca mais ter tido um filho.
Senti até minha garganta doer. Nem me dei ao trabalho de responder. Apenas assenti com a cabeça. As palavras foram frias e cortantes e ele fez de propósito para me humilhar. É especialista nisso.
E de nada adiantaria responder algo, já que de certa forma, ele tinha toda razão. Domenico nunca iria me assumir como uma namorada e menos ainda me pedir em casamento. Até porque, isso não estava nos nossos planos quando começamos a ficar juntos.
— Aurora, você está muito dispersa hoje. Quer conversar? Sabe que pode confiar em mim.
— Eu sei, Gisele - dei um pequeno sorriso — Mas eu agradeço. Só estou pensativa.
— Me parece que está pensando em coisas ruins, pela sua cara.
— É... Um pouco - torci a boca — Mas não de todo ruim. Até que está sendo de ajuda pra mim. Me ajuda a tomar uma atitude, embora eu esteja me segurando.
— Do que está falando, querida? - alisou meu braço.
— Mudar algumas coisas, sabe... Inclusive de casa - ela arregalou os olhos — Eu estou vendo a possibilidade de morar sozinha.
— Mas... E sua mãe? Como ela vai ficar?
— Minha mãe? - eu dei de ombros — Ela vai ficar como sempre... Ao lado de meu pai, o homem que ela ama.
— Oh, querida... - ela apertou meu braço e fez uma cara de pena — Você está chateada, não é? Teve outra briga com seu pai?
— Não - ajeitei o cabelo atrás da orelha e abaixei a cabeça — Dessa vez o velho não tem nada a ver.
— Então... É ele? - ela ergueu as sobrancelhas.
Eu sorri sem graça e fiz que sim com a cabeça, depois enchi o peito de ar e deixei sair devagar.
— Nem sei se é ele mesmo ou se fui eu que mudou. - fiz um gesto com a mão — Mudei tanto que nem acho que vale a pena continuar do jeito que estou. Acho que passei tempo demais com essa brincadeira.
— Não é uma brincadeira, querida.
Gisele sabe que não. Porém, não é também uma relação como as outras. Comum.
O que Domenico e eu temos é muito bom, é um acordo que serve a nós dois. A gente se dá tão bem que é até estranho. Temos tantas coisas em comum e o que não, também não cria um atrito entre nós. Encontramos um ponto comum.
Na cama Domenico é incrível. Eu gosto de dor. Infelizmente, me acostumei com isso após anos de maus tratos por parte de meu pai. Não que eu tenha algum complexo ou coisa assim, como um trauma, nada disso, mas acho que me acostumei tanto com a dor, que na cama, de vez em quando fazemos coisas que poderiam deixar as outras pessoas de cabelo em pé.
Fora da cama Domenico é bem dosado. Ele pode ser gentil e bruto de acordo com a necessidade. Comigo é carinhoso, educado, divertido e não tem problema em mostrar isso. Só que ele não dá um passo a mais além do que temos.
Quando está no trabalho tem uma postura. Quando está comigo tem outra. Criamos um tipo de relação que cabia bem para nós dois. De vez em quando ele vem até aqui e outras vezes eu vou até lá. Nos falamos muito por telefone e às vezes fazemos chamadas de vídeo, para matar a saudade e também para um sexo ao vivo. Ou quase, já que estamos separados por alguns quilômetros de distância.
Mas isso mantém nossa relação acesa. Ele não tem ciúmes de mim e eu não tenho dele. Foi um bom acordo, até que isso se perdeu e a culpa foi minha. Eu mesma não cumpri com o que prometi. Comecei a me sentir diferente, só nunca dei bola pra isso.
Até aquela maldita briga com meu pai, onde ele jogou toda a verdade na minha cara. E eu parei para pensar e observar em volta. Aí as coisas foram mudando. Eu estraguei um acordo perfeito e isso está me consumindo.
— É, você está certa, Gisele - lhe dei um abraço — Não é uma brincadeira. Você já tinha me avisado antes não é?
— Ah, minha querida.
A cara dela de pena já me disse a verdade. Eu estava ferrada.
Parte 7...Aurora— Não vai dizer que me avisou antes, vai?— Não, eu não quero que fique triste.— Nem sei se é tristeza mesmo, Gisele... Acho que é Melancolia, sabe... Indecisão.— Sobre?— Sobre minha vida, sobre o que preciso fazer... - encolhi os ombros — Eu não quero deixar minha mãe, mas depois de tanto tempo, nem sei se vale mais a pena continuar aqui.— Como assim, querida?— Venho pensando em me afastar... De tudo e de todos.— Mas... E sua mãe, como vai ficar?Cocei a nuca fazendo uma careta. — Gisele, depois de tanto tempo, você acha que tem jeito para minha mãe?— É... Mas e ele?— Quem, meu pai? - franzi a testa.— Não - balançou a cabeça — Ele... Ele!Ah! Sei quem é ele. Domenico. Sempre Domenico para tirar minha paz. E minha raiva é que não deveria ser assim. Eu me preparei para que não fosse, então é até ridículo que justo eu, agora estou com a cabeça cheia.Tudo funcionava bem entre nós dois, mas eu acabei vacilando. Eu sempre tive apenas Domenico, por minha vontade
Parte 8...AuroraPra me deixar ainda mais ansiosa sobre meu futuro, não demorou nem meia hora e Domenico me ligou. Meu coração já bateu forte só de olhar a foto dele na tela.Não sei como, mas Domenico consegue ser o homem mais charmoso e lindo que eu conheço. Não consigo encontrar outro para comparar e isso também é ruim. Se pelo menos eu pudesse ter outro que fosse igual ou superior a ele, eu poderia me afastar sem problema.Não atendi a chamada, deixei que caísse na caixa postal.— Vai sair, filha?Minha mãe estava sentada na sala, mexendo com seu novo hobbie. Bordado russo. Era o que vinha distraindo a mente dela no último mês.— Vou sim, mãe.— E posso saber onde você vai?— Vou dar uma volta. Preciso comprar algumas coisas para meu ateliê.Era melhor mentir e dizer a ela que era isso, do que contar a verdade. Que estou terminando de organizar as coisas para minha mudança. Eu não quero que ela comece a ter pensamentos depressivos, porque sabe que vai ter que aguentar meu pai soz
Parte 9...Aurora— Onde você estava, sua vadia?Eu mal cheguei em casa e meu pai já me recebe dessa forma.— Oi, papai, querido - dei um sorriso bem cínico — Fui dar uma volta, fazer umas compras.— E porque diabos você não atende ao celular, quando aquele Barone liga? Ele deve estar querendo marcar uma nova transa com você - ele disse de modo bem desagradável — É só para isso que você serve mesmo. Se for depender de você para um bom casamento com algum membro das famílias associadas, já vi que vamos morrer de fome.— Realmente, não deve contar comigo para isso - fui passando e ele me puxou pelo braço.— Sua criatura cínica, imprestável - sua cara se transformou de raiva — Eu disse à sua mãe que deveria ter tirado você, quando soube que era uma menina. Não me serve de nada.— Pois é! E ainda bem que ela não pôde mais ter filhos com alguém tão ruim como você.Eu nem esperava. O tapa veio rápido e me acertou em cheio na bochecha.— Imunda! Se não sair dessa casa, eu mesmo vou arranjar
Parte 10...Aurora— O que você tem, Aurora? - ele segurou meu rosto — Parece que está lenta, não está aqui comigo de verdade.Merda. Eu não queria que ele percebesse o que se passa dentro de mim. Ainda não. Segurei seu rosto e lhe dei um beijo rápido, lambendo seus lábios.— Não é nada... - forcei um sorriso — É que estou com um começo de enxaqueca, por causa da minha TPM - joguei essa — Meu período já está na porta e fico assim. Coisa de mulher.Eu nunca tive problema para falar com ele sobre assuntos normais, como menstruação. Inclusive ele já comprou absorventes para mim, mais de uma vez, quando eu estava em Palermo.Ele não tem frescuras com relação a esse tipo de coisa como vejo outros homens, como o namorado de uma amiga, que nem quer ouvir que ela está menstruada.Aliás, nos já transamos enquanto eu estava menstruada. Não que eu curtisse isso, mas ele teve esse desejo e me mostrou que não tinha nenhum problema com sangue. Somos abertos sobre coisas que são normais da vida.Sex
Parte 11...AuroraDepois Domenico subiu e me beijou. Eu senti meu gosto em sua boca e isso me deu vontade de chorar, mas me segurei. Ele acariciava meu corpo devagar e cada ponto que me tocava, me fazia sentir a mulher mais feliz do mundo, mesmo eu sabendo que isso tinha um tempo para acabar.Estiquei a mão e encontrei seu membro, tocando seu comprimento até sua base e comecei a fazer movimentos. Ele gemeu contra minha boca e depois se posicionou melhor entre minhas pernas e se afundou em minha carne.Foi como se eu estivesse no céu de tão bom. Ele entrava e saía de mim sem pressa, como eu disse que queria. Nosso sexo calmo, baunilha. Com penetrações longas, demoradas. Ele deslizava dentro e fora de meu corpo com um ritmo constante.Nós dois gememos quase que por igual, nosso som enchendo o quarto. Olhei para as cortinas que balançavam com o vento entrando e o momento foi mágico pra mim. Eu guardaria mais esse comigo.Domenico saiu de cima de mim e me virou de lado, voltando a me pen
Parte 12...Domenico— Podemos comprar amanhã quando eu for te levar de volta para casa.— Não, Domenico - ela ergueu a mão — É melhor que eu tome logo, pra evitar problemas. Essas pílulas levam de vinte e quatro até setenta e duas horas, então se for mais cedo, é bem melhor - foi para o banheiro.Fui atrás dela.— Sai daqui, Domenico. Eu vou tomar um banho pra gente sair logo.— Eu sei, também quero tomar um banho.— Então espere ou vá no outro banheiro.— Aurora, não precisa ficar nervosa. Você já fez isso uma vez e nada aconteceu,lembra?— É diferente - me respondeu.— Diferente por que? - abri o box — É a mesma situação - ela me pareceu mais preocupada do que o normal.— Ai, por nada - agitou a mão — Vá tomar banho. Eu vou depois.— Se você quer agilizar, então entre comigo e tomamos banho juntos.Ela ia reclamar, mas eu não lhe dei chance e a puxei para dentro, fechando o box e abrindo o chuveiro.— Meu cabelo, Domenico! - saiu de lado.— Desculpe - peguei sua mão — Vem, vamos to
Parte 1...Aurora Deluca - Nove anos de idadeEu me assustei e abri os olhos depressa, olhando de um lado para outro na escuridão do meu quarto. Só a luz do banheiro iluminava um pouco com a porta aberta. Sentei. Ouvi um barulho e depois entendi que era um choro. Meu coração deu uma batida forte. Eu sabia de quem era o choro.Era minha mãe. De novo.E isso só significava uma coisa. Meu pai estava em casa. E aos nove anos, eu já não me sentia feliz quando ele chegava.Eu amo meu pai, mas ele não é uma pessoa fácil. Ou boa. Tenho medo dele, sempre tive. Ele não gosta de mim e eu sinto isso. Eu sei que tenho só nove anos, mas minha mãe sempre me diz que sou muito esperta e inteligente.E por isso eu sei que ele não gosta de mim. Não sei porque, não me lembro de ter feito algo errado. Sou uma menina obediente, estudo e gosto de ajudar mamãe.Me assustei de novo quando ouvi um som alto, parecendo uma queda. Pulei da cama, as mãos cruzadas em meu peito e andei devagar ate a porta do quarto
Parte 2...Aurora— Minha filha querida.Me virei e vi minha mãe, ao lado de um homem todo de branco. Acho que era um médico. Ele se aproximou de mim e pegou uma lanterninha fina, abrindo meus olhos e quase me deixando cega com aquela luz.— Como ela está, doutor? - minha mãe ficou ao meu lado.— As pupilas estão bem e os exames não mostram nada mais grave - ele suspirou parecendo aborrecido — Mas a senhora sabe que a polícia vai questionar o ocorrido. Sua filha está muito machucada.A cara que minha mãe fez foi de nervosismo. Eu a conheço. — Sim, eu sei - ela tentou dar um pequeno sorriso e olhou pra mim — É que minha Aurora é muito danada e não fica quieta - segurou meu braço — Foi mais um susto grande que ela nos deu, não foi, meu amor?Eu entendi que ela queria que eu mentisse. Apertou meu braço de leve, só com um toque. Eu concordei com a cabeça e ainda assim, o médico me olhou de um jeito desconfiado.— Nós temos alguns cães na casa - ela contou, meio sem jeito — E Aurora estav