Parte 1...
Aurora Deluca - Nove anos de idade
Eu me assustei e abri os olhos depressa, olhando de um lado para outro na escuridão do meu quarto. Só a luz do banheiro iluminava um pouco com a porta aberta.
Sentei. Ouvi um barulho e depois entendi que era um choro. Meu coração deu uma batida forte. Eu sabia de quem era o choro.
Era minha mãe. De novo.
E isso só significava uma coisa. Meu pai estava em casa. E aos nove anos, eu já não me sentia feliz quando ele chegava.
Eu amo meu pai, mas ele não é uma pessoa fácil. Ou boa. Tenho medo dele, sempre tive. Ele não gosta de mim e eu sinto isso. Eu sei que tenho só nove anos, mas minha mãe sempre me diz que sou muito esperta e inteligente.
E por isso eu sei que ele não gosta de mim. Não sei porque, não me lembro de ter feito algo errado. Sou uma menina obediente, estudo e gosto de ajudar mamãe.
Me assustei de novo quando ouvi um som alto, parecendo uma queda. Pulei da cama, as mãos cruzadas em meu peito e andei devagar ate a porta do quarto e abri devagarinho pra evitar fazer barulho.
Ouvi de novo o choro e fiquei nervosa. Andei na ponta dos pés e desci a escada. Parei e ouvi as vozes. Vinham do escritório. Andei até lá e empurrei a porta que estava entreaberta, olhando para dentro.
E foi aí que eu vi algo que me marcou. Minha mãe estava caída no chão, em um canto, presa entre as estantes, com o rosto muito vermelho e a mão para cima, tentando se defender de meu pai, que estava com uma régua de madeira na mão, de modo ameaçador.
Eu corri e fiquei na frente dela, com os braços abertos, para impedir que ele batesse nela e comecei a falar nervosa.
— Pai, pai... Por favor... Não b**e na minha mãe... Por favor...
Eu estava apavorada, mas precisava defender minha mãe. A cara de meu pai era de muita raiva e sei que ele é capaz de machucar muito ela e isso me dói demais.
Meu pai me deu um empurrão e eu caí de lado, batendo a cabeça na estante e comecei a chorar. Quando me virei, ele estava de novo indo pra cima dela, com a mão erguida para bater nela com a régua de madeira.
Fiquei de pé rápido e me coloquei de novo em sua frente e ele me puxou o braço.
— Saia da frente, sua peste!
— Não, pai... Por favor... - me agarrei a ele — Se o senhor bater nela, vai machucar muito e... - nem terminei de falar e levei outro empurrão.
— Não faz assim com ela! - minha mãe gritou — Minha filha, por favor, volte para seu quarto... Está tudo bem, eu estou bem...
— Não está, não - fiquei abalada pela cara de choro de minha mãe — Por que o senhor faz isso com ela?
— Não se meta, garota chata! Se você não sair agora, vai apanhar também.
— Filha, vai para o quarto meu amor.
— Não... - neguei com a cabeça — Mãe...
— Sai! - meu pai gritou de novo — Você é um fardo na minha vida, igual sua mãe - apontou para ela — Essa imprestável... Só faz tudo errado... Vocês me irritam...
Eu não sei o que me deu, mas na hora, a única coisa que me veio na cabeça, foi falar do meu tio, que é a única pessoa que eu sei que meu pai respeita. E tem medo.
— Eu vou contar tudo pra meu tio Pietro e ele vai brigar com o senhor.
Eu nem sei porque eu disse, mas foi o desespero de ver minha mãe machucada. Eu só queria que ele parasse de bater nela. Não foi uma boa ideia. Ele parou de bater em minha mãe e começou em mim.
Não foi a primeira vez, mas eu nunca imaginei que fosse ser da forma como foi. A expressão dele mudou e pra pior. Ele já estava com raiva, eu não sei porque, mas comigo foi pior. Fiquei apavorada com a cara que ele fez.
Apesar de minhas pernas tremerem muito, eu não podia sair correndo dali e deixar minha mãe. Ele ia descontar nela. Mas ele decidiu que eu merecia ser punida.
— Sua diaba! - ele quase cuspiu — Você nunca mais vai falar comigo dessa forma - gesticulava agitado — Desgraçada... Você nunca mais vai ter essa ousadia comigo de novo, nunca mais vai me faltar com o respeito...
Eu arregalei os olhos quando ele ergueu a régua de madeira pra logo em seguida, descer com força em cima de mim.
— Ai! - gritei em desespero ao sentir o primeiro golpe — Pai...
Eu ouvi os gritos de minha mãe, também desesperada com o que meu pai fazia, mas ele não parou. Foram várias vezes. Em meus braços, minhas pernas. Até em minha cabeça. Meus gritos se juntaram aos de minha mãe.
Eu não sei quantas vezes ele me bateu, perdi as contas. Caí no chão e ele veio pra cima de mim, como se fosse um bicho. Eu nunca tinha visto meu pai dessa forma. Era outra pessoa.
Eu me encolhi no chão, cobrindo a cabeça pra me proteger, mas cada pancada me fazia sentir uma dor enorme em todo o corpo. A dor foi ficando tão grande, que ficou insuportável.
Apertei os olhos e parei de chorar e gritar, fiquei muda, travada. Era demais pra mim. eu só queria que ele parasse de me bater.
De repente foi como se eu estivesse fora de meu corpo. Os gritos de minha mãe foram ficando longe, as coisas que meu pai me dizia enquanto me batia, foram sumindo. Tudo foi ficando escuro e depois, foi só silêncio.
*****
Aos poucos fui ouvindo um som que foi aumentando. Parecia vozes. Pisquei os olhos e a primeira coisa que eu vi, foi um monitor colorido ao meu lado. Depois olhei pra cima e o teto era branco. As paredes eram brancas. Era tudo branco. Entendi que eu estava em um hospital.
Romance mafioso. Completo. Continue lendo. Comente. Obrigada!
Parte 2...Aurora— Minha filha querida.Me virei e vi minha mãe, ao lado de um homem todo de branco. Acho que era um médico. Ele se aproximou de mim e pegou uma lanterninha fina, abrindo meus olhos e quase me deixando cega com aquela luz.— Como ela está, doutor? - minha mãe ficou ao meu lado.— As pupilas estão bem e os exames não mostram nada mais grave - ele suspirou parecendo aborrecido — Mas a senhora sabe que a polícia vai questionar o ocorrido. Sua filha está muito machucada.A cara que minha mãe fez foi de nervosismo. Eu a conheço. — Sim, eu sei - ela tentou dar um pequeno sorriso e olhou pra mim — É que minha Aurora é muito danada e não fica quieta - segurou meu braço — Foi mais um susto grande que ela nos deu, não foi, meu amor?Eu entendi que ela queria que eu mentisse. Apertou meu braço de leve, só com um toque. Eu concordei com a cabeça e ainda assim, o médico me olhou de um jeito desconfiado.— Nós temos alguns cães na casa - ela contou, meio sem jeito — E Aurora estav
Parte 3...Aurora— Me promete que você não vai contar o que houve pra ninguém, filha - ela me pedia com uma certa tristeza na voz — De forma alguma seu tio Pietro pode saber disso... Ele vai... Mandar seu pai embora - ela sentou na cama ao meu lado — E... Ele vai nos matar, você entende, não é querida? Seu pai vai nos matar se isso sair de casa... - ela engoliu pesado.O que eu poderia dizer? Meu coração está apertado e dói mais do que os machucados em meu corpo. Minha mãe está com medo, eu vejo e sinto isso. Eu também estou. Eu só tenho nove anos, o que posso fazer?Eu posso ser nova, mas eu sei que isso é errado e que minha mãe não deveria pedir isso pra mim. Mas ela pediu.— Está bem, mamãe... - respondi com tristeza e já chorando. A abracei — Eu não vou contar pra ninguém, eu prometo.— Nem mesmo para a Diana, me promete? Ela pode contar ao pai.Diana é a minha melhor amiga. Ela é filha mais nova de meu tio Pietro e a gente sempre se deu muito bem. Nascemos quase no mesmo dia e n
Parte 4...Aurora - hoje em diaBocejei e me espreguicei. Eu já tinha acordado há uns quinze minutos, mas a preguiça me pegou de jeito. O voo até que foi tranquilo, tirando o cara ao meu lado, que ficou puxando conversa, até que eu coloquei os fones de ouvido e ele finalmente entendeu que eu não queria conversar.Não há voos diretos e frequentes saindo da Calábria para Palermo. Tive que fazer uma conexão em Roma e isso demora mais umas três horas, então no total, fico cerca de cinco horas, pra ir e voltar. Mas vale a pena a ida.Eu poderia ter voltado de avião particular, que Carlo me ofereceu, como outras vezes, mas achei melhor não. Apesar dele ser um homem muito legal comigo e de termos uma certa amizade, sei que meu pai iria me encher a paciência se eu ficasse usando esse favor, todas as vezes em que eu fosse até Palermo para visitar Diana, que agora tem um lindo garotinho de nove meses.O pequeno é um pouco dos dois. Os olhos e o nariz são iguais aos do pai, Carlo. Já o cabelo, a
Parte 5... Aurora— Aurora, o que você tem?— Não sei, Gisele - suspirei e apoiei as mãos na bancada, olhando meu reflexo — Eu me sinto desanimada.— Mas você acabou de chegar de Palermo. A viagem não foi boa?— Foi sim, foi ótima - saí e ela veio atrás de mim — É só que... Sei lá... Eu fiquei feliz em ver a Diana com o Giancarlo e como ela está bem com o marido. Isso foi bem legal.— Então, não entendi querida.Entrei no closet para escolher uma roupa.— Ai, Gisele... Eu não sei, talvez eu esteja só exagerando ou então é cansaço mesmo.Não é bem um cansaço normal. É que já faz um tempinho que minha vida meio que deu uma estagnada em alguns pontos. E também, eu já deveria ter saído dessa casa há muito tempo, mas não o fiz para não deixar minha mãe sozinha com esse homem cruel que por um azar, é meu pai. Triste verdade.— Aconteceu alguma coisa por lá que te deixou aborrecida?Olhei para ela com um pequeno sorriso. — De certa forma... Mas é algo que eu já sabia que iria acontecer, nã
Parte 6...AuroraQuando vi o que ele fez, minha mãe gritar e abaixar o rosto machucado, esqueci que ele era meu pai de vez.— É bom que você me mate - eu quase rosnei, apontando o dedo — Porque se me deixar de pé, eu vou sair por aí, contando a cada pessoa que eu encontrar, o homem covarde, mentiroso e abusador que você é! - bati o pé no chão.De imediato a cara dele mudou. Piorou, na verdade. Seus olhos se apertaram e ele comprimiu os lábios, erguendo o punho fechado.— Sua vagabunda abusada - sua voz saiu rouca — Todos esses anos eu tive que aguentar você em minha casa, fingir que gosto de você e para quê? Você não serve pra nada, é igual a sua mãe... Uma qualquer, que se deita com qualquer um e por isso aquele idiota do Domenico Barone se deita com você, mas nunca te assume - jogou o cinto no chão — Você não presta nem para arranjar um casamento rentável, como fez Diana - se afastou de mim — Ela sim, deu orgulho ao pai dela, não é uma puta como você.Aquilo doeu, não vou negar, ma
Parte 7...Aurora— Não vai dizer que me avisou antes, vai?— Não, eu não quero que fique triste.— Nem sei se é tristeza mesmo, Gisele... Acho que é Melancolia, sabe... Indecisão.— Sobre?— Sobre minha vida, sobre o que preciso fazer... - encolhi os ombros — Eu não quero deixar minha mãe, mas depois de tanto tempo, nem sei se vale mais a pena continuar aqui.— Como assim, querida?— Venho pensando em me afastar... De tudo e de todos.— Mas... E sua mãe, como vai ficar?Cocei a nuca fazendo uma careta. — Gisele, depois de tanto tempo, você acha que tem jeito para minha mãe?— É... Mas e ele?— Quem, meu pai? - franzi a testa.— Não - balançou a cabeça — Ele... Ele!Ah! Sei quem é ele. Domenico. Sempre Domenico para tirar minha paz. E minha raiva é que não deveria ser assim. Eu me preparei para que não fosse, então é até ridículo que justo eu, agora estou com a cabeça cheia.Tudo funcionava bem entre nós dois, mas eu acabei vacilando. Eu sempre tive apenas Domenico, por minha vontade
Parte 8...AuroraPra me deixar ainda mais ansiosa sobre meu futuro, não demorou nem meia hora e Domenico me ligou. Meu coração já bateu forte só de olhar a foto dele na tela.Não sei como, mas Domenico consegue ser o homem mais charmoso e lindo que eu conheço. Não consigo encontrar outro para comparar e isso também é ruim. Se pelo menos eu pudesse ter outro que fosse igual ou superior a ele, eu poderia me afastar sem problema.Não atendi a chamada, deixei que caísse na caixa postal.— Vai sair, filha?Minha mãe estava sentada na sala, mexendo com seu novo hobbie. Bordado russo. Era o que vinha distraindo a mente dela no último mês.— Vou sim, mãe.— E posso saber onde você vai?— Vou dar uma volta. Preciso comprar algumas coisas para meu ateliê.Era melhor mentir e dizer a ela que era isso, do que contar a verdade. Que estou terminando de organizar as coisas para minha mudança. Eu não quero que ela comece a ter pensamentos depressivos, porque sabe que vai ter que aguentar meu pai soz
Parte 9...Aurora— Onde você estava, sua vadia?Eu mal cheguei em casa e meu pai já me recebe dessa forma.— Oi, papai, querido - dei um sorriso bem cínico — Fui dar uma volta, fazer umas compras.— E porque diabos você não atende ao celular, quando aquele Barone liga? Ele deve estar querendo marcar uma nova transa com você - ele disse de modo bem desagradável — É só para isso que você serve mesmo. Se for depender de você para um bom casamento com algum membro das famílias associadas, já vi que vamos morrer de fome.— Realmente, não deve contar comigo para isso - fui passando e ele me puxou pelo braço.— Sua criatura cínica, imprestável - sua cara se transformou de raiva — Eu disse à sua mãe que deveria ter tirado você, quando soube que era uma menina. Não me serve de nada.— Pois é! E ainda bem que ela não pôde mais ter filhos com alguém tão ruim como você.Eu nem esperava. O tapa veio rápido e me acertou em cheio na bochecha.— Imunda! Se não sair dessa casa, eu mesmo vou arranjar