Cansada de você

Parte 5... 

Aurora

— Aurora, o que você tem?

— Não sei, Gisele - suspirei e apoiei as mãos na bancada, olhando meu reflexo — Eu me sinto desanimada.

— Mas você acabou de chegar de Palermo. A viagem não foi boa?

— Foi sim, foi ótima - saí e ela veio atrás de mim — É só que... Sei lá... Eu fiquei feliz em ver a Diana com o Giancarlo e como ela está bem com o marido. Isso foi bem legal.

— Então, não entendi querida.

Entrei no closet para escolher uma roupa.

— Ai, Gisele... Eu não sei, talvez eu esteja só exagerando ou então é cansaço mesmo.

Não é bem um cansaço normal. É que já faz um tempinho que minha vida meio que deu uma estagnada em alguns pontos. E também, eu já deveria ter saído dessa casa há muito tempo, mas não o fiz para não deixar minha mãe sozinha com esse homem cruel que por um azar, é meu pai. Triste verdade.

— Aconteceu alguma coisa por lá que te deixou aborrecida?

Olhei para ela com um pequeno sorriso.

— De certa forma... Mas é algo que eu já sabia que iria acontecer, não é mesmo? Então nem posso reclamar, só aceitar.

Dei de ombros. Eu venho há anos pensando que certos comportamentos ditos normais na sociedade, não são assim tão bons como querem fazer parecer.

Tipo o casamento.

Depois de crescer vendo minha mãe ter um amor doentio e uma dependência emocional absurda por meu pai, um homem ruim, cruel, que a humilha e abusa de todas as formas, eu cheguei à decisão de que não vale a pena perder tempo com um relacionamento, ainda mais me casar.

Consegui chegar à minha adolescência e idade adulta, com o coração limpo, sem peso nenhum, sem me prender por um cara qualquer, que iria apenas querer dominar minha vida através da paixão.

Entendi que paixão e amor são coisas nocivas. Não sei como minha mãe consegue perdoar meu pai, a cada vez que ele grita, que b**e, que a proíbe de fazer algo.

Eu não consigo perdoar e sinceramente, acho que nem mesmo tenho amor de verdade por ele. É muito estranho pra mim, viver nessa casa. E sei que ele também não sente amor por mim.

Nenhum pai que se preze e que realmente sinta amor por seus filhos, poderia agir da forma como ele age comigo. Eu sinto que há um ódio guardado dentro dele, que só não coloca pra fora, porque seria ruim para a imagem que mantém e talvez, ele tivesse até me matado em alguma das muitas surras que ele me deu.

Desde que eu o ameacei quando pequena, ele nunca mais me perdoou e cada nova surra era mais agressiva do que a anterior. E assim eu sempre tinha uma viagem, um local para ir, uma doença, um castigo. Qualquer coisa que me afastasse das pessoas, para que não desconfiassem que ele me agredia.

— Eu pensei que você gostava dessas viagens a Palermo, querida - ela pegou uma escova e começou a pentear meu cabelo.

— E eu gosto muito... - suspirei — Mas estou repensando se devo continuar indo como sempre vou. Talvez eu deva diminuir minhas viagens para lá.

— Isso tem um bom motivo, não tem?

E como tem. Um motivo alto, de cabelos pretos e um sorriso lindo. Mas que eu preciso decidir o que fazer com relação a isso. Aliás, desde que eu tive uma briga muito pesada com meu pai, eu comecei a pensar mais nesse motivo.

E o nome do motivo é Domenico.

Eu conheci o Domenico dois dias antes do casamento de Diana com Carlo Barone. Eu fui a madrinha de honra dela e ele foi o padrinho, mas eu não o conhecia pessoalmente. E quando cheguei em Palermo para o casamento, pra mim, foi uma sensação muito diferente ao primeiro momento em que o vi.

E para ele foi igual. Nós não conseguimos nos separar durante os dois dias em que tivemos que aprender a dança e experimentar a roupa. A conversa fluiu fácil e rápido entre nós e não houve nada que atrapalhasse esses bons momentos. Tão bons que estamos juntos até hoje.

Eu já tinha a ideia de que não valia a pena me prender para esperar por um amor, por alguém que fosse meu príncipe encantado, até porque, eu já tinha a prova viva em casa, de que príncipes encantados não existem.

No entanto, eu ainda era virgem quando fiquei com Domenico e nunca mais fiquei outro homem. Mas sei que ele fica com outras mulheres.

Esse foi o nosso acordo. Eu não vi problema nisso naquela hora. Domenico ficou surpreso por eu ser virgem, mas deixei claro que ele não ia precisar se casar comigo para preservar minha honra, apesar dele ser um mafioso e é isso o que se espera. Comigo não. Eu não queria casar.

Depois do susto dele e de eu garantir que ele poderia ficar tranquilo, nossa relação ficou muito legal. Sem pressão, sem cobranças, sem ciúmes ou nada disso. Eram apenas duas pessoas que queriam a mesma coisa.

Uma relação madura, sexo bom... Não, sexo maravilhoso, perfeito, boa conversa e liberdade de ir e vir. Ele em Palermo e eu aqui na Calábria. Tudo certo, tudo bem.

Mas não agora. Isso mudou há seis meses, quando tive uma briga muito feia com meu pai.

— Você não pode tocar em mim! - eu falei alto, quando meu pai puxou meu braço.

Como quase todas as vezes, a briga começou porque ele estava de novo humilhando minha mãe. Dessa vez porque ela tinha engordado um pouco e isso por conta da depressão, mas ele não ligava, só queria ser ruim e escroto com ela.

— Eu posso matar você se eu quiser, sua vagabunda - seus olhos estavam até vermelhos de raiva — Estou cansado de ver sua cara cínica dentro dessa casa todos os dias - ele gesticulava forte — Não tem vergonha na cara? Eu não gosto de você, eu não suporto sua presença - ele apontou para minha mãe — Essa imprestável nem foi capaz de me dar um filho homem!

— Não tem problema que não goste de mim - ergui o rosto em desafio — Eu também não gosto de você... Velho ridículo!

Ele avançou pra cima de mim com o cinto na mão, tentando me acertar, mas eu me defendi.

— Já disse que não me toque! - minha mãe passou na minha frente e pediu que ele parasse, mas o que ganhou foi um tapa no rosto, o que me tirou o resto de calma que tinha.

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