Foi ficando comum

Parte 4...

Aurora - hoje em dia

Bocejei e me espreguicei. Eu já tinha acordado há uns quinze minutos, mas a preguiça me pegou de jeito. O voo até que foi tranquilo, tirando o cara ao meu lado, que ficou puxando conversa, até que eu coloquei os fones de ouvido e ele finalmente entendeu que eu não queria conversar.

Não há voos diretos e frequentes saindo da Calábria para Palermo. Tive que fazer uma conexão em Roma e isso demora mais umas três horas, então no total, fico cerca de cinco horas, pra ir e voltar. Mas vale a pena a ida.

Eu poderia ter voltado de avião particular, que Carlo me ofereceu, como outras vezes, mas achei melhor não. Apesar dele ser um homem muito legal comigo e de termos uma certa amizade, sei que meu pai iria me encher a paciência se eu ficasse usando esse favor, todas as vezes em que eu fosse até Palermo para visitar Diana, que agora tem um lindo garotinho de nove meses.

O pequeno é um pouco dos dois. Os olhos e o nariz são iguais aos do pai, Carlo. Já o cabelo, a boquinha vermelha e as bochechas rosadas, são de Diana.

É um garoto lindo e muito esperto, bastante agitado. Giancarlo. É a paixão de minha amiga de infância, que se casou há quase dois anos, em um acordo entre as famílias Barone e Tomazzo.

Aqui quem comanda a máfia é meu tio Pietro. Em Palermo é Don Barone.

Desde que Diana soube que um dia ela se casaria com Carlo Barone, nós tentamos aproveitar a vida do jeito que dava. Continuamos muito amigas, mas eu jamais tive coragem de contar toda a verdade para ela, porque não queria quebrar minha promessa para minha mãe.

— Aurora... Você já levantou? - ouvi as batidinhas de leve na porta.

— Pode entrar, Gisele - sentei na cama, esfregando os olhos — Que horas são? - bocejei de novo.

— Menina, já passa das nove da manhã - ela foi até a janela e abriu as cortinas — O dia já começou e você ainda está aqui.

— Estou um pouco cansada da viagem ainda - levantei e lhe dei um abraço apertado e um beijo na cabeça de cabelos brancos — Sentiu minha falta esses dias?

— É claro que sim. Eu sempre sinto - ela me abraça de volta e sorri.

Gisele foi um achado em minha vida. Eu amo muito minha mãe, mas Gisele entrou em minha vida em um momento muito difícil. Exatamente um ano depois da surra com a régua de madeira que me colocou no hospital.

Aquela não foi a primeira, mas foi a que abriu as portas para tantas outras que vieram depois. Comigo e com minha mãe.

Aos quinze anos, eu tive que admitir. Eu odeio meu pai. Não consigo sentir nada de bom com relação a ele. Quase todos os dias ele batia em minha mãe ou em mim. Às vezes, em nós duas ao mesmo tempo. Foi assim que eu cresci.

Parece que depois que eu ameacei contar ao tio Pietro, ele nunca mais me perdoou por isso e tudo era motivo para ser rude comigo. Ou até perverso, como quando ele entrou em meu quarto uma tarde e quebrou todas as minhas bonecas, até a que tia Luísa tinha comprado pra mim.

— Troque de roupa. Já deixei preparado o seu café da manhã, do jeito que você gosta.

— Obrigada, Gisele, você é ótima.

Entrei no banheiro para minhas demandas da manhã. Eu gosto de me cuidar e tenho vários cremes para o dia e noite. Estou com vinte e dois anos, mas muita gente pensa que eu tenho uns dezessete.

Só que isso não é da forma como as pessoas pensam. É muito mais complicado.

As surras ficaram cada vez mais agressivas, mas meu pai mudou seu jeito de agir também. Ele já conseguia me machucar sem deixar marcas ou se acontecesse isso, eram coisas que não levantavam suspeitas.

Vermelhos pelas pernas e braços podiam ser justificados com as aulas de ginástica e pilates que eu fazia. Só duas vezes mais eu tive que ir ao hospital por conta dos machucados, porém isso também foi abafado e depois esquecido pelas pessoas. Eu era humilhada e usada como saco de pancadas de meu pai.

Geralmente ele começava com minha mãe, que insistia, surra após surra, que isso iria parar e que ele não era uma pessoa ruim, apenas estava passando por maus momentos. E outras tantas vezes, ela assumia que a culpa era dela, por ter feito algo que o aborreceu.

Então, por causa disso, eu comecei a me interessar por maquiagem e aprendi a encobrir os machucados para ninguém perceber. Nem sempre eu conseguia, mas foi ficando algo comum para os outros, que acreditavam que meu pai era um homem de família.

— Onde ele está? - perguntei lavando o rosto para me despertar de vez.

— Saiu de casa para resolver algo de uma entrega - Gisele me passou a toalha de rosto.

— E minha mãe? - peguei minha escova de dentes.

— Ela está na estufa, mexendo com as plantas.

Cuidar de suas plantas era a única coisa que fazia minha mãe relaxar e não pensar na vida de merda que ela tinha, ao lado de um homem horroroso, que nunca a respeitou.

Dependência emocional é uma merda. Acaba com o amor - próprio da pessoa. Isso é terrível e me dá muito medo. Não quero cair nessa cilada.

Desde que eu me despertei para quem era meu pai e como o casamento fazia mal à minha mãe, eu me fechei para não cair no mesmo erro que ela. Deus me proteja e me guarde de me apaixonar por um homem.

E se ele for um mafioso, pior ainda. Blindei meu coração desde novinha para não arriscar me envolver e cometer um deslize. Eu sempre me admirei por ouvir minha mãe dizer que ama meu pai, que ele é o homem de sua vida e que ela tem que ser submissa para ser feliz.

Tudo bem ser submissa, se for entre quatro paredes, em uma cama espaçosa, com um homem gostoso ao lado. Mas fora do quarto, de jeito nenhum. Virar um capacho para um homem e dar a ele o poder de me quebrar, só porque eu o amo. Que coisa ridícula! Deus me livre!

Autora Ninha Cardoso - Comente. Agradeço sua leitura. Vou começar a reponder no app.

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