— Como assim?
Minha voz sai trêmula, e o peso daquelas palavras de Raed parece esmagar o ar ao meu redor.
— Isabela, você não é o tipo de garota que meu pai sonha para o meu irmão. Quando ele souber que Zein está interessado em uma humilde assistente, ele irá contra esse relacionamento. E Zein não vai aguentar a pressão. A corda sempre arrebenta do lado mais fraco: o seu.
Sinto um calor subir pelo meu rosto, uma mistura de indignação e desconforto.
— Você está enganado. Zein...
— Zein é um fraco — Raed me interrompe, a voz cortante como uma lâmina. — Depende de meu pai para tudo. Ele não faz nada sem a orientação dele. Eu até me surpreendi quando ele falou de você.
Tento segurar o que restou da minha compostura. Meu coração martela no peito enquanto me levanto abruptamente do sofá.
— Bem, obrigada por vossa preocupação.
Raed se levanta também, um movimento calculado, mas firme.
— Por favor, não me leve a mal. Mas, quando ele me contou tudo, senti a necessidade de avisá-la.
Eu o encaro com uma mistura de incredulidade e raiva.
— Você teve o trabalho de viajar só para me dizer isso?
Ele assente, sua expressão indecifrável, quase fria.
— Sim, meu irmão está agindo errado com você.
Caminho até a janela, tentando respirar. Minhas mãos tremem levemente, denunciando minha turbulência interna.
— Você também não me acha suficientemente boa para a sua família, não é? — Minha voz sai baixa, mas carregada de mágoa. Falo de costas para ele, encarando o vazio.
Raed hesita por um instante antes de responder:
— Eu não disse isso. Apenas me achei na obrigação de avisá-la. Desde que você começou a trabalhar com meu pai, eu a tenho observado. Sei que é uma mulher íntegra e batalhadora. Mas isso, infelizmente, não será suficiente para sustentar essa relação. Meu pai tem outros planos para meu irmão.
Me viro para ele, as lágrimas já brilhando nos meus olhos. Meu peito está apertado, e a humilhação, a impotência, tudo isso me sufoca.
— Eu entendo, mas creio que suas palavras sejam tardias demais.
Raed me observa atentamente, e sinto que ele analisa cada detalhe da minha expressão.
— Por que diz isso?
Limpo as lágrimas que começam a escorrer pelo meu rosto.
— Eu estou grávida de seu irmão. Ele está vindo para cá. Nós vamos falar a respeito disso. Inclusive, ele saiu de lá agora.
O semblante de Raed endurece, sua mandíbula se contrai levemente.
— Entendo.
Suspiro, aliviando um pouco a pressão no peito.
— Você não acha que fiz de propósito, acha?
Ele balança a cabeça devagar, como se refletisse sobre algo que não quis dizer em voz alta.
— Minha missão acabou. Agora, é com vocês.
— E você? Vai se omitir ou nos ajudará com seu pai?
Raed me encara por um longo momento, como se estivesse avaliando cada palavra que está prestes a dizer. Finalmente, ele suspira, e uma expressão de desagrado cruza seu rosto.
— Prefiro não responder a essa pergunta.
A batida na porta interrompe nossos pensamentos. A serva entra, seus olhos buscando os meus no grande quarto.
— Vossa excelência, o príncipe Raed.
Sinto minhas pernas fraquejarem. Respiro fundo e caminho para o centro do quarto, mas desisto de me manter de pé e me sento na beira da cama. Quando Raed entra, sinto o ar pesar ainda mais.
— Salaam Aleikum.
— Alaikum As-Salaam.
Raed coloca uma cadeira à frente da cama e se senta com a postura de alguém acostumado a comandar.
— Você deve estar se perguntando o que eu estou fazendo em seu quarto, e mais: o que você ainda está fazendo no palácio?
Solto o ar com angústia, sentindo um nó se formar na garganta.
— Sim, me sinto uma prisioneira aqui. Eu gostaria de ir embora.
— Isso é impossível, visto que carrega um filho do meu irmão.
As palavras dele cortam como uma lâmina. Estremeço e tento me recompor.
— Não usarei o meu filho para arrancar qualquer coisa de vocês. Sou independente, posso trabalhar.
Raed solta uma risada amarga, sem humor algum.
— Trabalhar? Que tipo de vida você daria a essa criança? Você acha que meu pai aceitará isso? E, sendo meio-árabe, deveria saber que o filho que carrega não lhe pertence, mas à família do pai.
Meu coração se aperta, e sinto uma vergonha que não deveria carregar, mas não abaixo a cabeça.
— Vocês não podem fazer isso com uma mãe. Eu vou carregá-lo durante nove meses, vou participar de todo o seu crescimento. Não vou entregá-lo a vocês.
Raed me olha, e há uma frieza desconcertante no sorriso que surge em seus lábios.
— Você acha que, se meu irmão estivesse vivo, teria um destino diferente? Meu pai o faria trazê-la para cá com a promessa de casamento. E então, ele teria você nas mãos. Quando seu filho nascesse, ele o tomaria de você.
O choque percorre meu corpo, e as lágrimas começam a cair sem que eu consiga detê-las.
— Você está mentindo.
Raed arqueia uma sobrancelha, como se a acusação fosse quase ofensiva.
— Você acha mesmo que eu mentiria sobre isso?
Seu tom é gelado, implacável.
— Sinto, mas você não tem escolha.
Meu peito arde de raiva e desespero.
— Sente? Você não sente nada! Se sentisse, me deixaria ir.
Raed se levanta com um suspiro pesado, como se estivesse cansado de lutar.
— Entregue-me seu passaporte.
Pálida, sinto as lágrimas inundarem meu rosto novamente.
— Meu...
— Dê-me seu passaporte! — Sua voz é cortante.
Minha raiva toma o lugar do medo.
— Eu não vou te entregar documento nenhum!
Raed se vira e chama as servas, sua autoridade inquestionável. Elas entram e começam a revistar o quarto.
O peso do desespero é esmagador. Tento lutar contra as lágrimas, mas elas me vencem.
Quando uma delas encontra meu passaporte e o entrega a ele, sinto meu mundo desmoronar.
Raed me encara com um olhar severo, mas algo no fundo de seus olhos parece abalado.
— Se eu fosse você, se acalmaria. Isso fará mal à criança... e você se sentirá culpada por mais essa morte.
As palavras dele queimam como ácido. Um grito abafado escapa de mim, e eu corro até ele, socando seu peito como uma criança desesperada.
— Shiiiii. — Ele me envolve em um abraço inesperado, firme, mas hesitante, como se a força que emanava dele fosse capaz de conter o turbilhão dentro de mim.
Sinto o tremor em seu corpo, um estremecimento quase imperceptível, mas tão próximo que não passa despercebido. Seu perfume amadeirado invade meus sentidos, uma mistura que deveria me acalmar, mas só confunde ainda mais minha mente.
Por um instante, quase cedi àquela sensação. Aquele amparo era tudo o que eu desejava, o que eu precisava. Mas então a realidade se impõe como um golpe. Este homem, com sua presença sufocante e voz firme, é meu inimigo. Ele é o homem que quer tirar meu filho.
Meu filho!
A força do pensamento me desperta. Empurro Raed com toda a raiva e determinação que consigo reunir. Dou dois passos largos e apressados até o banheiro, trancando a porta atrás de mim. Pode parecer infantil, mas é o único lugar onde posso me permitir desabar, longe dos olhos dele.
Sento-me no vaso sanitário, com o rosto entre as mãos. Meu corpo sacode com soluços que não consigo conter. Estou sendo esmagada por uma avalanche de sentimentos: dor, raiva, medo, impotência.
— Allah, que tipo de mãe eu serei assim? — murmuro para mim mesma, minha voz perdida no vazio do pequeno espaço.
Quando as lágrimas finalmente cessam, respiro fundo e vou até a pia. Lavo o rosto, deixando a água fria levar embora o calor das emoções intensas. Passo a mão pelos cabelos castanhos avermelhados, herança de minha mãe, penteando-os como uma tentativa de recuperar alguma compostura.
Olho para o reflexo no espelho. O rosto pálido, marcado por sardas, parece o de uma estranha. Meus olhos verdes estão vermelhos e inchados.
— Você precisa ser forte, Isabela. — Tento me convencer, mas a voz soa fraca, distante.
Após o que parece uma eternidade, saio do banheiro, reunindo o que resta de minha coragem. Mas Raed ainda está lá, em pé, como uma sombra constante que não me deixa em paz.
— Allah! — exclamo, incapaz de esconder minha surpresa.
Ele me encara com um olhar que me faz calar. Não há dureza, nem a frieza de antes. Apenas algo pesado, carregado de pensamentos que não consigo decifrar.
— Você já ama seu filho, não ama? — Sua voz é baixa, mas cada palavra parece pesar uma tonelada.
Sinto meu coração acelerar, mas a resposta é imediata, sem hesitação:
— Sim. Claro que amo.
Raed passa a mão pelos cabelos, num gesto que revela seu desconforto. Seu semblante está carregado, como se ele carregasse o peso do mundo sobre os ombros. Algo nessa energia me inquieta.
Finalmente, ele me encara de novo, os olhos sérios e determinados.
— Eu tenho uma solução.
Meu coração dá um salto de esperança com a palavra "solução", mas logo a realidade me atinge como um balde de água fria. Raed nunca faz nada sem um motivo oculto.— Você me ajudará a fugir? — pergunto, minha voz carregada de uma esperança tola, quase infantil.Raed ri, e o som me desconcerta. Seu rosto se suaviza por um instante, e ele parece ainda mais charmoso. No entanto, há algo na maneira como ele ri que me faz sentir pequena, tola. Sinto uma pressão crescente na cabeça, enquanto tento adivinhar qual será sua resposta.— Não. Claro que não!Minha esperança se despedaça, e aperto os lábios para conter a frustração.— Se não vai me ajudar a sair daqui, o que você tem a propor? — pergunto, tentando manter a voz firme.Ele me encara por um momento, os olhos sérios, como se estivesse pesando cada palavra antes de proferi-la.— Você se casará comigo e, assim, poderá ser a mãe legítima de seu filho.Fico estupefata.— Mas eu sou a mãe! — exclamo, incapaz de esconder minha incredulidade.
— Você está se sentindo bem agora? — A voz de Raed é grave, mas há uma suavidade inesperada nela enquanto ele passa a mão pela minha testa, afastando a fina camada de suor frio.Meu coração se aperta quando encontro o olhar intenso dele. Aqueles olhos, sempre tão impenetráveis, agora parecem carregar algo que não consigo decifrar. Engulo em seco, desconcertada.Ele retira a mão com calma, e eu me sento contra os travesseiros, tentando recuperar algum controle sobre mim mesma.— Sim, foi só um mal-estar. — Minha voz sai mais fraca do que eu gostaria. — O Sheik não está estranhando sua atitude de vir toda hora ao meu quarto?Um leve sorriso curva os lábios de Raed, mas não alcança seus olhos.— Você não está no palácio dele, mas no meu.Piscar é a única reação que consigo esboçar.— No seu?— Sim.— Por... por que no seu? — minha voz treme de surpresa.— Porque achei melhor assim. — A resposta é seca, firme, sem espaço para perguntas. — O clima está muito ruim lá, e você precisa de paz,
A luz do quarto me desperta aos poucos, forçando meus olhos a se abrirem. O cheiro suave do perfume de Raed paira no ar, denso e perturbador, como se ele tivesse deixado sua marca ali. Isso é suficiente para me tirar de qualquer estado de letargia.Levanto-me e o procuro com o olhar. Ele está na sacada, de costas para mim, encarando o horizonte. Seu terno cinza chumbo, impecavelmente ajustado, parece uma extensão de sua personalidade controladora.Limpo a garganta, quebrando o silêncio. Ele se vira lentamente, e minha atenção é atraída para seus cabelos penteados para trás com perfeição. A camisa cinza clara combina com o terno e a gravata preta que carrega tons sutis de cinza. Tudo nele é um exemplo de ordem e controle, uma contradição ao caos dentro de mim.— Sabah alkhayr. — Minha voz soa mais firme do que me sinto.— Sabah alkhayr.Ele dá um passo em minha direção, e sinto meu corpo se preparar para o impacto de sua presença. Não consigo evitar o instinto de quase me encolher, mas
A verdade é inescapável: desde o momento em que coloquei os olhos em Isabela, soube que a queria para mim. No entanto, achei que fosse algo passageiro, um desejo fugaz que desapareceria tão rápido quanto surgiu. Acreditei que, se a tivesse, tudo se resolveria, mas também sabia que não poderia tratá-la como mais uma de minhas conquistas. Isabela não era uma mulher qualquer; ela era do tipo que se casa, uma mulher íntegra, profissional e incrivelmente séria.Sempre admirei como ela trabalhava com dedicação e afincava sua atenção em cada detalhe. Tratava-me com respeito e com a distância profissional necessária. Na época, eu estava com Camily. Embora nosso relacionamento fosse mais uma conveniência do que um compromisso real, terminar com ela gerou um grande desconforto para meu pai.Agora, enquanto estou deitado na cama, meus pensamentos estão presos em Isabela. Cada lembrança me domina, revivendo tudo com intensidade.Quando Zein me ligou para dizer que estava saindo com ela, fiquei at
Raed viajou há uma semana, e o palácio parece mais silencioso do que nunca. Os empregados, antes cheios de cochichos, agora estão contidos, até mesmo Tamiris, que sempre foi mais falante, tornou-se cerimoniosa em sua presença. Ainda assim, foi ela quem me contou que Raed estava saindo com uma garota de família respeitada há algum tempo, e que o relacionamento estava caminhando para um noivado.A revelação me deixou perturbada. É muito claro que seu trauma de infância está o levando a assumir meu filho. Mas será que essa decisão superará o amor que ele sente por essa garota? Será que ele está sacrificando algo real por causa de um senso de dever? Essas perguntas ecoam na minha mente sem resposta.Agora, estou escondida atrás de uma pilastra na sala, observando enquanto Camily, a mulher em questão, está lá. Seus olhos negros estão fixos em Tamiris. Meu coração bate descompassado enquanto tento entender tudo.— Raed não está, ele está viajando.— Droga!— Ele está viajando a trabalho.—
No silêncio da noite, vou até a biblioteca e começo a revirar as gavetas, prateleiras. Tudo, procurando meu passaporte. Encontro um maço de notas altas de libras dentro de uma caixa preta. Estremeço. Nunca peguei um centavo de ninguém, mas preciso pensar no meu filho.Respiro fundo e o retiro da caixa. Faço a contagem. A quantia não é pequena. Dá para pagar minha passagem, dá para alugar uma casa modesta, e ainda fazer a compra do mês.Isso é pelos móveis que ele desfez e pelo tempo que trabalhei com o Sheik. Já as roupas, ele me deu. Novas. No dia seguinte, depois que conversamos sobre sua viagem, elas chegaram aos montes: Blusas, saias, Kaftans, vestidos. As servas ficaram meio dia guardando tudo, arrumando no closet. Limpo minha lágrima infeliz por eu ter me metido nessa confusão.Continuo minha inspeção, mas nada do passaporte. Na mesa vejo seu notebook. A curiosidade agita meu coração. Eu o abro. Espero a iniciação e dou de cara com a imagem de fundo de tela: Raed abraçado a gar
—Conversamos? Como conversar com alguém enrijecido no seu conceito de mundo? Que não quer dialogar, apenas mandar e dominar?Raed aperta as mãos.—Por que resolveu fugir? Pensei que estava tudo resolvido entre nós.—Sua namoradinha veio aqui.Raed me estuda e então suaviza sua expressão.—Entendo. Mas, pelo que eu saiba, ela só falou com Hamira.Eu entendi tudo, no mínimo a governanta ligou para ele. —Por isso correu para cá? Preocupado com que ela pudesse fazer?—Não importa o que eu estou fazendo aqui.— Não quero que se sacrifique por mim.—Eu e Camily não temos mais nada.—Pois não parece. Ela ficou chorando, disse que você terminou com ela sem explicações.Raed ofega.—Para te proteger. Por isso eu não disse nada para ela. Fora que a condição do nosso casamento é um tanto diferente.—Raed, deixe-me ir.—Não!Eu me angustio.—Você ainda gosta daquela garota. Como nosso casamento pode sobreviver se iniciando errado?—Você está enganada. Eu me dei conta que não sinto nada por ela.
Houve um breve silêncio do outro lado antes de uma voz feminina dizer com hesitação:— É... Camily... precisamos conversar.Merda!—Acabou Camily.—Raed, como acabou? Até pouco tempo falávamos de nos casarmos. É isso que não entendo.Fungo.—Não entende? Seu pai estava me pressionando, isso sim. Você sabe disso, eu apenas estava aceitando o fato que nosso namoro estava delongando muito e sei que isso é contra nossos costumes.—Então é isso, você não me ama mais?Allah! Eu nunca disse a Camily que a amava. Creio que pelo fato de eu estar com ela, fez com que ela enxergasse assim.—A verdade? Estávamos nos conhecendo, eu nunca expressei esse sentimento. Você sabe disso, nunca te iludi. Mas meus sentimentos não evoluíram a ponto de eu querer me casar, você sabe disso. —Você conheceu alguém, é isso?Praguejo entre dentes. Preciso falar com ela. Meu casamento será falado na mídia. Não posso mais adiar isso.—Vamos fazer o seguinte. Marcar um encontro. Não quero ir a sua casa. Podemos nos