Meu coração dá um salto de esperança com a palavra "solução", mas logo a realidade me atinge como um balde de água fria. Raed nunca faz nada sem um motivo oculto.
— Você me ajudará a fugir? — pergunto, minha voz carregada de uma esperança tola, quase infantil.
Raed ri, e o som me desconcerta. Seu rosto se suaviza por um instante, e ele parece ainda mais charmoso. No entanto, há algo na maneira como ele ri que me faz sentir pequena, tola. Sinto uma pressão crescente na cabeça, enquanto tento adivinhar qual será sua resposta.
— Não. Claro que não!
Minha esperança se despedaça, e aperto os lábios para conter a frustração.
— Se não vai me ajudar a sair daqui, o que você tem a propor? — pergunto, tentando manter a voz firme.
Ele me encara por um momento, os olhos sérios, como se estivesse pesando cada palavra antes de proferi-la.
— Você se casará comigo e, assim, poderá ser a mãe legítima de seu filho.
Fico estupefata.
— Mas eu sou a mãe! — exclamo, incapaz de esconder minha incredulidade. E então as palavras dele me atingem por completo. — Você disse casar?
— Sim — ele responde, a voz dura, sem nenhuma suavidade.
Respiro fundo, tentando processar tudo isso. Passo a mão pelos olhos, numa tentativa inútil de clarear a mente.
— Mas você mesmo disse que seu pai era contra meu relacionamento com seu irmão. Por que ele aceitaria que você me desposasse?
Raed me encara com firmeza.
— Porque eu não sou como meu irmão. Quando decido algo, vou até o fim. Eu sou a ovelha negra desta família.
Engulo em seco, tentando entender.
— Por que você se casaria comigo, mesmo indispondo-se com sua família?
— Porque vou reconhecer a paternidade da criança — ele declara, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. — Foi esse o acordo que fiz com meu pai. Ele está para se aposentar e não tem forças para criar mais uma criança como filho. Essa criança ficaria nas mãos de babás, e ele não quer isso. Meu pai me pressionará a me casar para dar uma mãe ao menino. Então, por que não a mãe verdadeira?
— Então tudo isso é por causa da criança? — pergunto, sentindo uma dor surda crescer em meu peito.
Raed apenas assente, com a seriedade gravada em cada traço de seu rosto.
— Exatamente.
Minha garganta seca, mas insisto:
— E seus sentimentos? Como você pode amar alguém?
Raed solta um suspiro exasperado.
— Allah! Você acha que eu acredito nisso?
Suas palavras cortam, mas eu continuo, desafiando-o:
— E você? Não pensa como seu pai? Em como é inaceitável se casar com uma mulher como eu?
Seus olhos me analisam com cuidado, e, por um instante, vejo algo neles que não consigo decifrar.
— Eu não estou pensando em você. Não estou pensando em mim. Estou pensando nessa criança. Eu cresci com babás. Sei como é isso. Meu irmão teve mais sorte que eu.
Há uma dor profunda em seus olhos, algo que ele parece se esforçar para esconder.
— Eu não entendo — admito, minha voz mais suave.
Ele suspira novamente, e dessa vez há algo mais humano em seu semblante.
— Sou filho do primeiro casamento de meu pai. Minha mãe morreu quando eu tinha dois anos. Zein é meu meio-irmão.
Sinto uma onda de surpresa me invadir, enquanto as peças começam a se encaixar.
— Praticamente não tive mãe. Meu pai se casou um ano depois da morte dela, mas minha madrasta nunca me tratou como um filho. Agora você entende?
Assinto lentamente. Minhas emoções estão em conflito. Sei que deveria agradecer, afinal, ele está me oferecendo a única chance de ficar com meu filho. Mas tudo em mim grita por liberdade. Não quero essa prisão, não importa o quão dourada ela seja.
— Entendo.
Raed parece se contrair ligeiramente, como se estivesse frustrado com minha falta de entusiasmo.
— Você não precisa me responder agora. Tem nove meses para tomar sua decisão.
— Então você não falará sobre sua proposta para o seu pai?
— Não, não por enquanto. Ele está arrasado. Este não é um bom momento. Quando você tiver uma resposta, então eu falo com ele.
Suspiro, ainda sentindo o peso esmagador da situação.
— E agora que você já me despojou do meu documento? Posso andar pelo palácio livremente?
Raed, que já estava a caminho da porta, para e se vira para mim.
— Meu pai está amargo, e minha madrasta está abalada. Afinal, ela perdeu o único filho. — Seus olhos se enchem de algo próximo à dor, e eu quase consigo sentir o peso que ele carrega. — Fique no seu quarto por enquanto. Eu a aviso quando você puder sair.
— Está certo — murmuro, desviando meu olhar do dele, que de repente parece muito intenso.
Raed permanece parado por mais alguns instantes, seu olhar percorrendo meu rosto como se estivesse buscando algo. Finalmente, ele acena levemente e sai, levando consigo toda a tensão do ambiente.
Quando a porta se fecha, solto o ar que não sabia estar prendendo.
Sentada na cama, revivo cada palavra da conversa. É difícil assimilar o que ele disse sobre Zein.
Ele teria coragem de me deixar? De me enganar, trazendo-me para cá apenas para ficar com nosso filho?
Enxugo as lágrimas que teimam em cair.
Sim, ele faria isso. Isso explica sua partida repentina, sem aviso. Ele já estava lutando consigo mesmo.
— Idiota. Sou uma idiota completa — murmuro para mim mesma.
Fecho os olhos e tento me recompor.
— Águas passadas — digo, tentando convencer meu coração. Preciso olhar para frente. Preciso me manter forte.
Uma serva entra no quarto com um balde e uma vassoura, seus olhos curiosos pousam em mim. Ela parece jovem, talvez uns quinze anos. Seu olhar é cheio de perguntas que ela não ousa fazer.
— Que tipo de hóspede é essa? — imagino que ela pense.
Eu ofereço um sorriso fraco, incapaz de sustentar aquele olhar por muito tempo. Caminho até a sacada, tentando escapar daquele pequeno mundo que me sufoca.
Mas a tontura me atinge de repente. Minha vista turva, e tudo parece girar. Tento me apoiar em algo, mas meus joelhos cedem, e o mundo escurece.
A última coisa que ouço é a serva gritando:
— Allah!
Quando abro os olhos, tudo está desfocado. Viro a cabeça lentamente e vejo Raed ao meu lado, sentado, o rosto marcado por uma preocupação que eu não esperava.
— Você está se sentindo bem agora? — A voz de Raed é grave, mas há uma suavidade inesperada nela enquanto ele passa a mão pela minha testa, afastando a fina camada de suor frio.Meu coração se aperta quando encontro o olhar intenso dele. Aqueles olhos, sempre tão impenetráveis, agora parecem carregar algo que não consigo decifrar. Engulo em seco, desconcertada.Ele retira a mão com calma, e eu me sento contra os travesseiros, tentando recuperar algum controle sobre mim mesma.— Sim, foi só um mal-estar. — Minha voz sai mais fraca do que eu gostaria. — O Sheik não está estranhando sua atitude de vir toda hora ao meu quarto?Um leve sorriso curva os lábios de Raed, mas não alcança seus olhos.— Você não está no palácio dele, mas no meu.Piscar é a única reação que consigo esboçar.— No seu?— Sim.— Por... por que no seu? — minha voz treme de surpresa.— Porque achei melhor assim. — A resposta é seca, firme, sem espaço para perguntas. — O clima está muito ruim lá, e você precisa de paz,
A luz do quarto me desperta aos poucos, forçando meus olhos a se abrirem. O cheiro suave do perfume de Raed paira no ar, denso e perturbador, como se ele tivesse deixado sua marca ali. Isso é suficiente para me tirar de qualquer estado de letargia.Levanto-me e o procuro com o olhar. Ele está na sacada, de costas para mim, encarando o horizonte. Seu terno cinza chumbo, impecavelmente ajustado, parece uma extensão de sua personalidade controladora.Limpo a garganta, quebrando o silêncio. Ele se vira lentamente, e minha atenção é atraída para seus cabelos penteados para trás com perfeição. A camisa cinza clara combina com o terno e a gravata preta que carrega tons sutis de cinza. Tudo nele é um exemplo de ordem e controle, uma contradição ao caos dentro de mim.— Sabah alkhayr. — Minha voz soa mais firme do que me sinto.— Sabah alkhayr.Ele dá um passo em minha direção, e sinto meu corpo se preparar para o impacto de sua presença. Não consigo evitar o instinto de quase me encolher, mas
A verdade é inescapável: desde o momento em que coloquei os olhos em Isabela, soube que a queria para mim. No entanto, achei que fosse algo passageiro, um desejo fugaz que desapareceria tão rápido quanto surgiu. Acreditei que, se a tivesse, tudo se resolveria, mas também sabia que não poderia tratá-la como mais uma de minhas conquistas. Isabela não era uma mulher qualquer; ela era do tipo que se casa, uma mulher íntegra, profissional e incrivelmente séria.Sempre admirei como ela trabalhava com dedicação e afincava sua atenção em cada detalhe. Tratava-me com respeito e com a distância profissional necessária. Na época, eu estava com Camily. Embora nosso relacionamento fosse mais uma conveniência do que um compromisso real, terminar com ela gerou um grande desconforto para meu pai.Agora, enquanto estou deitado na cama, meus pensamentos estão presos em Isabela. Cada lembrança me domina, revivendo tudo com intensidade.Quando Zein me ligou para dizer que estava saindo com ela, fiquei at
Raed viajou há uma semana, e o palácio parece mais silencioso do que nunca. Os empregados, antes cheios de cochichos, agora estão contidos, até mesmo Tamiris, que sempre foi mais falante, tornou-se cerimoniosa em sua presença. Ainda assim, foi ela quem me contou que Raed estava saindo com uma garota de família respeitada há algum tempo, e que o relacionamento estava caminhando para um noivado.A revelação me deixou perturbada. É muito claro que seu trauma de infância está o levando a assumir meu filho. Mas será que essa decisão superará o amor que ele sente por essa garota? Será que ele está sacrificando algo real por causa de um senso de dever? Essas perguntas ecoam na minha mente sem resposta.Agora, estou escondida atrás de uma pilastra na sala, observando enquanto Camily, a mulher em questão, está lá. Seus olhos negros estão fixos em Tamiris. Meu coração bate descompassado enquanto tento entender tudo.— Raed não está, ele está viajando.— Droga!— Ele está viajando a trabalho.—
No silêncio da noite, vou até a biblioteca e começo a revirar as gavetas, prateleiras. Tudo, procurando meu passaporte. Encontro um maço de notas altas de libras dentro de uma caixa preta. Estremeço. Nunca peguei um centavo de ninguém, mas preciso pensar no meu filho.Respiro fundo e o retiro da caixa. Faço a contagem. A quantia não é pequena. Dá para pagar minha passagem, dá para alugar uma casa modesta, e ainda fazer a compra do mês.Isso é pelos móveis que ele desfez e pelo tempo que trabalhei com o Sheik. Já as roupas, ele me deu. Novas. No dia seguinte, depois que conversamos sobre sua viagem, elas chegaram aos montes: Blusas, saias, Kaftans, vestidos. As servas ficaram meio dia guardando tudo, arrumando no closet. Limpo minha lágrima infeliz por eu ter me metido nessa confusão.Continuo minha inspeção, mas nada do passaporte. Na mesa vejo seu notebook. A curiosidade agita meu coração. Eu o abro. Espero a iniciação e dou de cara com a imagem de fundo de tela: Raed abraçado a gar
—Conversamos? Como conversar com alguém enrijecido no seu conceito de mundo? Que não quer dialogar, apenas mandar e dominar?Raed aperta as mãos.—Por que resolveu fugir? Pensei que estava tudo resolvido entre nós.—Sua namoradinha veio aqui.Raed me estuda e então suaviza sua expressão.—Entendo. Mas, pelo que eu saiba, ela só falou com Hamira.Eu entendi tudo, no mínimo a governanta ligou para ele. —Por isso correu para cá? Preocupado com que ela pudesse fazer?—Não importa o que eu estou fazendo aqui.— Não quero que se sacrifique por mim.—Eu e Camily não temos mais nada.—Pois não parece. Ela ficou chorando, disse que você terminou com ela sem explicações.Raed ofega.—Para te proteger. Por isso eu não disse nada para ela. Fora que a condição do nosso casamento é um tanto diferente.—Raed, deixe-me ir.—Não!Eu me angustio.—Você ainda gosta daquela garota. Como nosso casamento pode sobreviver se iniciando errado?—Você está enganada. Eu me dei conta que não sinto nada por ela.
Houve um breve silêncio do outro lado antes de uma voz feminina dizer com hesitação:— É... Camily... precisamos conversar.Merda!—Acabou Camily.—Raed, como acabou? Até pouco tempo falávamos de nos casarmos. É isso que não entendo.Fungo.—Não entende? Seu pai estava me pressionando, isso sim. Você sabe disso, eu apenas estava aceitando o fato que nosso namoro estava delongando muito e sei que isso é contra nossos costumes.—Então é isso, você não me ama mais?Allah! Eu nunca disse a Camily que a amava. Creio que pelo fato de eu estar com ela, fez com que ela enxergasse assim.—A verdade? Estávamos nos conhecendo, eu nunca expressei esse sentimento. Você sabe disso, nunca te iludi. Mas meus sentimentos não evoluíram a ponto de eu querer me casar, você sabe disso. —Você conheceu alguém, é isso?Praguejo entre dentes. Preciso falar com ela. Meu casamento será falado na mídia. Não posso mais adiar isso.—Vamos fazer o seguinte. Marcar um encontro. Não quero ir a sua casa. Podemos nos
Eu ofego.— Pai, eu vou me casar com ela.Silêncio.Do outro lado da linha, ouço um xingamento abafado antes que meu pai interrompa a ligação sem sequer se despedir. Ele não precisava dizer nada; o peso da sua desaprovação já estava claro como o dia. Respiro fundo, tentando dissipar o aperto no peito, e ergo os olhos para Burak, que está me aguardando com sua expressão calma e inquisitiva.Ao meu redor, o burburinho do restaurante parece distante, como se houvesse uma barreira invisível me isolando do resto do mundo. As vozes misturam-se em um som indistinto, mas nada disso importa. Tudo o que consigo pensar é no peso da história que estou prestes a compartilhar, uma história que até agora guardei apenas para mim.Olho para Burak e, reunindo coragem, começo:— Tudo começou há quatro meses...Minha mente me transporta para aquele dia. O primeiro dia de trabalho de Isabela. Um almoço beneficente organizado pelo meu pai, repleto de figuras importantes. E lá estava ela, ao lado dele, dese