— Você está se sentindo bem agora? — A voz de Raed é grave, mas há uma suavidade inesperada nela enquanto ele passa a mão pela minha testa, afastando a fina camada de suor frio.
Meu coração se aperta quando encontro o olhar intenso dele. Aqueles olhos, sempre tão impenetráveis, agora parecem carregar algo que não consigo decifrar. Engulo em seco, desconcertada.
Ele retira a mão com calma, e eu me sento contra os travesseiros, tentando recuperar algum controle sobre mim mesma.
— Sim, foi só um mal-estar. — Minha voz sai mais fraca do que eu gostaria. — O Sheik não está estranhando sua atitude de vir toda hora ao meu quarto?
Um leve sorriso curva os lábios de Raed, mas não alcança seus olhos.
— Você não está no palácio dele, mas no meu.
Piscar é a única reação que consigo esboçar.
— No seu?
— Sim.
— Por... por que no seu? — minha voz treme de surpresa.
— Porque achei melhor assim. — A resposta é seca, firme, sem espaço para perguntas. — O clima está muito ruim lá, e você precisa de paz, de tranquilidade.
— Você sabe onde eu encontraria tudo isso. Meu lugar não é aqui.
Seu rosto se fecha, como uma porta pesada que se tranca.
— Por que insiste? Já conversamos sobre isso. Não quero ser rude com você, mas há coisas que não podem mais ser discutidas.
Meu peito se enche de frustração e raiva.
— Ridículo essa atitude de vocês. Manipulam as pessoas como se fossem peças num tabuleiro de xadrez.
Ele solta um suspiro, passando a mão pelos cabelos.
— Não fui eu que fiz as leis! Nossa tradição é milenar, e você ainda quer brigar contra isso?
— Você poderia dizer que eu perdi a criança.
Raed me olha com exasperação, seus olhos brilhando de algo que parece entre raiva e decepção.
— Não há como fugir disso. Você precisa assumir as consequências. E está pensando só em si mesma, não no seu filho. Aqui ele terá tudo. E eu vou tratá-lo como se fosse meu filho.
Baixo o rosto, envergonhada, as palavras dele ecoando na minha mente. Lágrimas começam a deslizar pelo meu rosto, silenciosas, como uma chuva fina.
Estou sendo egoísta? Pensando apenas em mim mesma?
— Que destino cruel, você amarrada a mim. — A voz de Raed corta o silêncio, carregada de ironia.
Ergo o rosto e o encaro, confusa.
— Não é nada pessoal...
Ele solta uma risada amarga, que soa como um golpe.
— Não? Está nos seus olhos o quanto quer se ver livre de mim. — A secura em sua voz me atinge como um tapa.
Suas palavras me deixam constrangida, inibida, e eu desvio o olhar.
— Bem, vou voltar ao trabalho, deixá-la livre da minha presença. — Ele se levanta com a mesma firmeza com que fala e sai do quarto, fechando a porta atrás de si.
Fico ali, sozinha, esmagada pelo peso de minhas próprias emoções.
Allah! Que péssima mãe sou.
Ele está certo. Não posso pensar só em mim; preciso pensar no meu filho. Que tipo de vida eu poderia dar a ele?
Minha tia... Ela sempre foi generosa comigo, mas seu estilo de vida é caótico. Música alta, visitas constantes, um namorado novo a cada semana.
E morar sozinha? Como vou sustentar meu filho agora? Trabalhar significaria deixá-lo em uma creche, privado de minha presença nos primeiros anos.
Raed, no fundo, está certo. Meu filho é o mais importante.
Apesar de toda a rigidez, ele está sendo generoso. Está disposto a assumir tudo isso, a enfrentar sua família. E eu? Estou aqui, pensando em liberdade, enquanto ele oferece algo que poucos homens fariam.
Limpo as lágrimas e tento organizar meus pensamentos. Talvez seja hora de aceitar que minha vida nunca mais será a mesma. Talvez eu precise ser forte, por mim... e pelo meu filho.
Para onde quer que eu olhe, a opulência me envolve como um manto pesado e sufocante. Cada detalhe do lugar exala riqueza e poder, combinando perfeitamente com o homem que o governa. Faz uma semana desde que desmaiei, e nesse tempo não vi Raed. Talvez eu tenha ferido seu orgulho árabe.
As servas continuam mantendo uma distância respeitosa. Falam apenas o estritamente necessário. Exceto por Tamires, a jovem que parece não conhecer limites e adora tagarelar. Foi por ela que soube que Raed pergunta sobre mim diariamente para Hamira, sempre antes de sair para o trabalho.
Mesmo assim, tento ignorar suas fofocas. Minha situação aqui é delicada. Estou hospedada na casa de um homem solteiro, e embora o palácio seja vasto como um reino, isso não é bem visto na nossa cultura.
Aperto os lábios ao pensar no Sheik. Trabalhei para ele por tanto tempo, e agora ele me odeia. Talvez veja minha situação como uma traição, culpando-me pelo que aconteceu.
Agora, à meia-noite, caminho pelo jardim, onde as rosas vermelhas desabrocham com um perfume agridoce. Elas simbolizam o amor — um sentimento que sempre sonhei para mim. Mas, em vez disso, sou forçada a me conformar com algo arranjado, um destino sombrio do qual ainda não sei o que esperar.
Sento-me em um banco e olho para a lua prateada, suspirando profundamente. Imagino-a vista do meu apartamento. Meu apartamento! Preciso conversar com Raed sobre isso. Preciso resolver minha vida deixada para trás. Embora, claro, ele provavelmente já tenha decidido tudo, resolvendo com sua generosidade fria.
— Saudades de casa? — A voz de Raed corta o silêncio como um trovão suave.
Meu coração dispara, traidor. Sempre é assim quando ele está por perto. Levanto-me do banco e me viro, tentando esconder meu nervosismo.
— Eu estava pensando no meu apartamento. Preciso acertar tudo lá.
Ele se aproxima devagar, cada passo seu encurtando a distância entre nós. Quando para, agradeço silenciosamente.
— Já está tudo resolvido. Isso foi providenciado.
Fico imóvel, piscando surpresa.
— Já? Mas... e meus móveis? Meus objetos pessoais?
Ele mostra os dentes em um sorriso que parece mais uma demonstração de poder.
— Móveis? Você não precisará mais deles. Roupas? Terá novas. Quanto às fotos e objetos menores, mandei que empacotassem. Estarão aqui em alguns dias.
Suas palavras, carregadas de autoridade, deixam claro que estou completamente em suas mãos. Uma onda de pânico me atinge. Ele realmente controla tudo.
— É, vocês pensaram em tudo mesmo... Como senhores feudais que mandam e desmandam. E nós, mulheres, somos apenas peças submissas.
Raed ofega, passando a mão pelos cabelos num gesto impaciente.
— Allah! Você deveria me agradecer, isso sim.
— Agradecer? Você acha normal eu estar presa em um país estrangeiro e ser forçada a casar com alguém que mal conheço?
Seus olhos se estreitam, e ele me estuda por um instante. O nervosismo dele é evidente.
— Não me conhece direito? Uma oportunidade para me conhecer.... — Ele diz com um leve sorriso nos lábios enquanto examina meu vestido branco.
Minha pele esquenta, e um nervosismo estranho me percorre. Antes que eu possa reagir, ele diminui ainda mais o espaço entre nós. Sua proximidade é inesperada e desarma completamente minha racionalidade.
De repente, ele me puxa pela cintura com uma firmeza que me deixa sem ar. Ofego, meu coração batendo em um ritmo frenético. Levanto meu rosto assustado, e seus olhos castanhos, ardendo de intensidade, encontram os meus.
Uma corrente elétrica percorre minha espinha quando sinto meu corpo colado ao dele. Suas pernas fortes tocam as minhas, e sua presença me domina completamente.
Raed aproxima seu rosto do meu, e seus lábios roçam os meus com uma lentidão torturante. Minha respiração falha, e todas as forças me abandonam. Ele mordisca meus lábios com suavidade, provocando sensações que não quero admitir.
Enquanto uma parte de mim se perde nesse momento, outra se revolta. Minha mente grita que isso está errado. Allah! Zein morreu há menos de um mês. Estou grávida dele, e agora, nos braços de seu irmão, sinto... algo. Algo perturbadoramente bom.
A luz do quarto me desperta aos poucos, forçando meus olhos a se abrirem. O cheiro suave do perfume de Raed paira no ar, denso e perturbador, como se ele tivesse deixado sua marca ali. Isso é suficiente para me tirar de qualquer estado de letargia.Levanto-me e o procuro com o olhar. Ele está na sacada, de costas para mim, encarando o horizonte. Seu terno cinza chumbo, impecavelmente ajustado, parece uma extensão de sua personalidade controladora.Limpo a garganta, quebrando o silêncio. Ele se vira lentamente, e minha atenção é atraída para seus cabelos penteados para trás com perfeição. A camisa cinza clara combina com o terno e a gravata preta que carrega tons sutis de cinza. Tudo nele é um exemplo de ordem e controle, uma contradição ao caos dentro de mim.— Sabah alkhayr. — Minha voz soa mais firme do que me sinto.— Sabah alkhayr.Ele dá um passo em minha direção, e sinto meu corpo se preparar para o impacto de sua presença. Não consigo evitar o instinto de quase me encolher, mas
A verdade é inescapável: desde o momento em que coloquei os olhos em Isabela, soube que a queria para mim. No entanto, achei que fosse algo passageiro, um desejo fugaz que desapareceria tão rápido quanto surgiu. Acreditei que, se a tivesse, tudo se resolveria, mas também sabia que não poderia tratá-la como mais uma de minhas conquistas. Isabela não era uma mulher qualquer; ela era do tipo que se casa, uma mulher íntegra, profissional e incrivelmente séria.Sempre admirei como ela trabalhava com dedicação e afincava sua atenção em cada detalhe. Tratava-me com respeito e com a distância profissional necessária. Na época, eu estava com Camily. Embora nosso relacionamento fosse mais uma conveniência do que um compromisso real, terminar com ela gerou um grande desconforto para meu pai.Agora, enquanto estou deitado na cama, meus pensamentos estão presos em Isabela. Cada lembrança me domina, revivendo tudo com intensidade.Quando Zein me ligou para dizer que estava saindo com ela, fiquei at
Raed viajou há uma semana, e o palácio parece mais silencioso do que nunca. Os empregados, antes cheios de cochichos, agora estão contidos, até mesmo Tamiris, que sempre foi mais falante, tornou-se cerimoniosa em sua presença. Ainda assim, foi ela quem me contou que Raed estava saindo com uma garota de família respeitada há algum tempo, e que o relacionamento estava caminhando para um noivado.A revelação me deixou perturbada. É muito claro que seu trauma de infância está o levando a assumir meu filho. Mas será que essa decisão superará o amor que ele sente por essa garota? Será que ele está sacrificando algo real por causa de um senso de dever? Essas perguntas ecoam na minha mente sem resposta.Agora, estou escondida atrás de uma pilastra na sala, observando enquanto Camily, a mulher em questão, está lá. Seus olhos negros estão fixos em Tamiris. Meu coração bate descompassado enquanto tento entender tudo.— Raed não está, ele está viajando.— Droga!— Ele está viajando a trabalho.—
No silêncio da noite, vou até a biblioteca e começo a revirar as gavetas, prateleiras. Tudo, procurando meu passaporte. Encontro um maço de notas altas de libras dentro de uma caixa preta. Estremeço. Nunca peguei um centavo de ninguém, mas preciso pensar no meu filho.Respiro fundo e o retiro da caixa. Faço a contagem. A quantia não é pequena. Dá para pagar minha passagem, dá para alugar uma casa modesta, e ainda fazer a compra do mês.Isso é pelos móveis que ele desfez e pelo tempo que trabalhei com o Sheik. Já as roupas, ele me deu. Novas. No dia seguinte, depois que conversamos sobre sua viagem, elas chegaram aos montes: Blusas, saias, Kaftans, vestidos. As servas ficaram meio dia guardando tudo, arrumando no closet. Limpo minha lágrima infeliz por eu ter me metido nessa confusão.Continuo minha inspeção, mas nada do passaporte. Na mesa vejo seu notebook. A curiosidade agita meu coração. Eu o abro. Espero a iniciação e dou de cara com a imagem de fundo de tela: Raed abraçado a gar
—Conversamos? Como conversar com alguém enrijecido no seu conceito de mundo? Que não quer dialogar, apenas mandar e dominar?Raed aperta as mãos.—Por que resolveu fugir? Pensei que estava tudo resolvido entre nós.—Sua namoradinha veio aqui.Raed me estuda e então suaviza sua expressão.—Entendo. Mas, pelo que eu saiba, ela só falou com Hamira.Eu entendi tudo, no mínimo a governanta ligou para ele. —Por isso correu para cá? Preocupado com que ela pudesse fazer?—Não importa o que eu estou fazendo aqui.— Não quero que se sacrifique por mim.—Eu e Camily não temos mais nada.—Pois não parece. Ela ficou chorando, disse que você terminou com ela sem explicações.Raed ofega.—Para te proteger. Por isso eu não disse nada para ela. Fora que a condição do nosso casamento é um tanto diferente.—Raed, deixe-me ir.—Não!Eu me angustio.—Você ainda gosta daquela garota. Como nosso casamento pode sobreviver se iniciando errado?—Você está enganada. Eu me dei conta que não sinto nada por ela.
Houve um breve silêncio do outro lado antes de uma voz feminina dizer com hesitação:— É... Camily... precisamos conversar.Merda!—Acabou Camily.—Raed, como acabou? Até pouco tempo falávamos de nos casarmos. É isso que não entendo.Fungo.—Não entende? Seu pai estava me pressionando, isso sim. Você sabe disso, eu apenas estava aceitando o fato que nosso namoro estava delongando muito e sei que isso é contra nossos costumes.—Então é isso, você não me ama mais?Allah! Eu nunca disse a Camily que a amava. Creio que pelo fato de eu estar com ela, fez com que ela enxergasse assim.—A verdade? Estávamos nos conhecendo, eu nunca expressei esse sentimento. Você sabe disso, nunca te iludi. Mas meus sentimentos não evoluíram a ponto de eu querer me casar, você sabe disso. —Você conheceu alguém, é isso?Praguejo entre dentes. Preciso falar com ela. Meu casamento será falado na mídia. Não posso mais adiar isso.—Vamos fazer o seguinte. Marcar um encontro. Não quero ir a sua casa. Podemos nos
Eu ofego.— Pai, eu vou me casar com ela.Silêncio.Do outro lado da linha, ouço um xingamento abafado antes que meu pai interrompa a ligação sem sequer se despedir. Ele não precisava dizer nada; o peso da sua desaprovação já estava claro como o dia. Respiro fundo, tentando dissipar o aperto no peito, e ergo os olhos para Burak, que está me aguardando com sua expressão calma e inquisitiva.Ao meu redor, o burburinho do restaurante parece distante, como se houvesse uma barreira invisível me isolando do resto do mundo. As vozes misturam-se em um som indistinto, mas nada disso importa. Tudo o que consigo pensar é no peso da história que estou prestes a compartilhar, uma história que até agora guardei apenas para mim.Olho para Burak e, reunindo coragem, começo:— Tudo começou há quatro meses...Minha mente me transporta para aquele dia. O primeiro dia de trabalho de Isabela. Um almoço beneficente organizado pelo meu pai, repleto de figuras importantes. E lá estava ela, ao lado dele, dese
Ela me lançou um olhar arisco, controlado, como se suas palavras estivessem guardadas atrás de um escudo. Não respondeu nada. Apenas acenou de leve, desviou o olhar na direção do meu pai e, com um pedido de licença educado, afastou-se. Fiquei parado por um momento, observando enquanto ela se juntava a ele. Meu pai a aguardava com a postura de sempre — rígida, superior.A segunda vez que a vi foi em uma reunião sobre biotecnologia, onde eu e meu pai participamos juntos. Isabela estava lá, novamente como intérprete. Lembro-me de cada detalhe daquele dia, principalmente do quanto me distrai ao observá-la.Enquanto ela traduzia termos técnicos com sua voz calma e precisa, não consegui evitar. Meus olhos insistiam em deslizar até sua boca, admirando a forma como ela articulava cada palavra. Seus gestos, ainda que sutis, revelavam dedicação e esforço. Quando ela arqueava as sobrancelhas em dúvida e lançava um olhar em minha direção para buscar confirmação, sentia algo indescritível crescer