Prólogo
Trabalhar para a realeza já é, por si só, uma tarefa árdua. Agora, trabalhar para uma realeza árabe? Multiplique isso por dez. Desde o início, tive que assumir uma postura séria, controlar sorrisos e me adaptar às rígidas regras de conduta. Meu chefe é um Sheik, e estou neste emprego há apenas seis meses.
Na cultura ocidental, a palavra "sheik" remete a status social, riqueza, fama e poder. Mas essa visão é apenas a ponta do iceberg. Ser Sheik é ocupar uma posição de respeito e destaque, algo muito mais profundo.
O título é reservado aos chefes de famílias árabes, clãs ou tribos, geralmente seguidores fervorosos de Maomé. Em sua essência, o título de Sheik é passado de pai para filho em sociedades patriarcais. No caso de Youssef, ele é líder de uma aldeia árabe. Forte, generoso, devoto em ajudar os pobres – mas, também, incrivelmente machista. Isso explica meu atual guarda-roupa: roupas sóbrias, tons escuros, coberturas completas.
Tenho 22 anos e fui contratada como intérprete pessoal do Sheik. Meu domínio do árabe vem das minhas raízes; sou meio-árabe. Meus avós paternos eram dos Emirados Árabes, e minha família nunca permitiu que a língua se perdesse, mesmo quando meu pai se casou com minha mãe, uma inglesa.
Cresci cercada pelo idioma e pela cultura, mas a tragédia mudou o curso da minha vida. Meus pais morreram em um acidente de carro quando eu tinha 15 anos, e fui morar com minha tia materna, uma mulher excêntrica e apaixonada por rock, Rolling Stones, Nirvana e Guns N' Roses. Ela me transformou rapidamente, me libertando das tradições com risos, festas e uma mente aberta.
Passei seis anos sob sua influência até conquistar minha independência, mudando-me para um apartamento simples na periferia de Londres. Minha vida parecia seguir tranquilamente até o momento em que conheci Zein, o filho do Sheik Youssef.
Ele era um homem alto, moreno, de olhos negros hipnotizantes – a personificação da perdição. Nos encontramos pela primeira vez em uma festa na embaixada dos Emirados Árabes, um evento repleto de luxo e ostentação. Apesar da grandiosidade ao meu redor, eu me sentia deslocada, pequena em meio a tanta opulência.
Foi então que nossos olhares se cruzaram. O choque entre nós foi tão intenso que senti um frio percorrer minha espinha. Parecia que seus olhos me tocavam, decifravam minha alma. Eu deveria ter lembrado os conselhos da minha mãe: homens como meu pai valorizam o mistério e detestam facilidade. Mas, naquela noite, eu já havia bebido o suficiente para deixar a razão de lado.
Zein se aproximou de mim, e a química foi imediata. Descobri que ele tinha a minha idade, estava concluindo seus estudos e enfrentava a pressão do pai para assumir parte dos negócios da família. Ele também mencionou seu irmão mais velho, Raed, um homem de 30 anos, sério e reservado, cuja recusa em casar era uma constante frustração para o pai.
Nos dias que se seguiram, Zein me conquistou com sua leveza e charme. Senti que estava vivendo um conto de fadas. Cada encontro era mágico, e sua companhia, viciante. Quando faltava uma semana para ele voltar aos Emirados, preparei um jantar em meu apartamento. Dançamos ao som de "Home", de Michael Bublé, e foi nesse momento que cometi o erro de ceder ao desejo.
Minha primeira vez foi uma mistura de expectativa e dor, algo belo, mas sem a plenitude que eu esperava. Zein partiu no dia seguinte sem se despedir. Descobri sua partida de forma impessoal, em uma conversa de trabalho. Meu coração despedaçou-se ao saber que ele havia partido sem sequer me procurar.
Algum tempo depois, ele me ligou, prometendo que, ao concluir a faculdade, ficaria comigo. Por mais que isso aliviasse minha mágoa, a ausência dele se prolongava. Os meses passaram, e Zein não voltou. Foi então que minha vida virou de cabeça para baixo: descobri que estava grávida.
O que antes era um conto de fadas tornou-se um pesadelo. E essa é a história que quero que vocês conheçam...
Isabela Saladino
— O que eu estou fazendo aqui, ainda? — murmurando pela milésima vez, a pergunta ecoa em minha mente, como um mantra que não me abandona.
Vim para o enterro. Isso já faz três dias. Três longos dias que parecem não ter fim. A cada minuto, minha angústia cresce como um nó apertado em minha garganta. O que eles pretendem comigo?
Allah! Este pesadelo não dá trégua. Sinto a culpa corroer minhas forças, uma sombra densa que me envolve. Se eu tivesse esperado... Se tivesse contado a ele sobre a gravidez antes... talvez ele não tivesse vindo para a Inglaterra. Talvez o acidente nunca tivesse acontecido.
A atmosfera do palácio só piora minha dor. O silêncio frio das paredes parece refletir o julgamento que sinto a cada olhar desviado, a cada palavra que não é dita. O Sheik sequer consegue olhar para mim, e embora isso devesse importar, é o menor dos meus problemas agora.
Sou uma mulher desempregada, uma estranha numa terra que deveria ser parcialmente minha. Minha origem meio-árabe sempre foi algo de que me orgulhei, mas agora... agora sou vista como uma intrusa, uma vergonha. Sei como a nossa cultura enxerga deslizes como o meu. Eles não veem minha dor, só enxergam o escândalo. Aos olhos deles, sou uma mulher vulgar, talvez até uma golpista.
Lembro-me do enterro, aquele dia abafado e pesado. O Sheik estava como uma estátua de granito, seu semblante duro, intransponível. Ao lado dele, Raed permanecia imóvel, calado, usando um terno impecável e óculos de sol que brilhavam como se feitos de ouro. Ele não dizia nada, mas sua postura carregava uma autoridade esmagadora.
Eu fiquei separada, colocada de lado, como se meu luto fosse ilegítimo. Parentes do Zein me encaravam com olhos de aço, acusando-me silenciosamente. Caça-dotes. Culpada pela morte dele. Eu conseguia ouvir o julgamento, mesmo que ninguém ousasse verbalizá-lo.
Mas será que eles não veem? Será que não percebem que eu já carrego uma culpa que poderia afundar qualquer alma?
Minha mente não para. Imagino o pior. O Sheik me manterá aqui, nesse lugar onde cada corredor respira controle e tradição. Assim que meu filho nascer, eles o tomarão de mim. As tradições árabes são claras: filhos pertencem à família do pai, especialmente na viuvez ou separação.
Preciso fugir. Sumir. Meu coração lateja ao pensar em minha tia, a única que pode me ajudar. Mas como? Estou presa aqui, com apenas meu passaporte como lembrança de liberdade, e sair sem ser vista parece impossível.
Caminho até a janela e observo o movimento lá fora. Empregadas vão e vêm, varrendo o chão, limpando mesas. O ritmo da rotina delas contrasta com o caos que é minha vida agora. Então, lembro-me de Raed. Daquela conversa que mudou tudo.
Eu estava no escritório, traduzindo um artigo para o Sheik, quando ele entrou. Sua presença dominou o espaço. O terno bem ajustado parecia moldado para destacar seus ombros largos e o físico musculoso. Seu rosto, de uma severidade marcante, parecia esculpido por mãos divinas.
Minha boca ficou seca. Meu coração, traidor, bateu como um tambor acelerado. O olhar que ele lançou em minha direção foi direto, firme, tão intenso que me fez desviar os olhos por instinto. Ele não precisava dizer nada para intimidar; sua mera presença carregava um poder que parecia preencher todo o cômodo.
— Sabāha l-ḫair, Isabela — cumprimentou com um leve aceno de cabeça, sua voz grave e perfeitamente controlada.
— Sabāha l-ḫair — respondi, tentando me manter firme, mas levantando-me de imediato, como se sua autoridade invisível me comandasse. O que ele estava fazendo ali? — Você quer falar com seu pai? Ele não está. Pensei que soubesse, hoje ele...
— Sim, eu sei.
— Sabe? — Minha confusão era evidente, mas ele não parecia se incomodar.
— Vim para conversar com você.
— Comigo? — A pergunta escapou como um sussurro nervoso, enquanto eu engolia em seco.
— Meu irmão me falou sobre vocês.
Passei a mão pelos cabelos, num gesto automático, sentindo um nó de ansiedade se formar em meu estômago.
— Falou?
Ele assentiu, seus olhos permanecendo fixos nos meus.
— Vem. Não quero falar com você aqui.
Ele se virou, já esperando que eu o seguisse. Eu assenti, como se movida por um reflexo, e o acompanhei até uma sala de reuniões ao lado. O ambiente era sóbrio, elegante, com um sofá de couro negro que ele apontou para que eu me sentasse.
— Sente-se.
Sua voz não admitia hesitação. Fiz o que ele pediu, enquanto ele se acomodava à minha frente. A sala parecia menor com ele ali, sua presença engolindo o espaço.
— Você parece ser uma garota inteligente.
O elogio soou estranho, desconfortável, e minhas mãos nervosas alisaram minha saia sem perceber.
— Bem, eu me acho. — Um sorriso tímido ameaçou escapar, mas não chegou a se formar.
— Então irá atentar às minhas palavras. Meu irmão não é homem para você.
Minha respiração se tornou pesada, como se o ar estivesse preso em minha garganta.
— Não sei onde vossa excelência quer chegar.
— Meu irmão está se iludindo em achar que poderá enfrentar meu pai.
Seus olhos queimavam com algo que eu não sabia identificar. Uma mistura de julgamento e preocupação, como se ele tentasse me decifrar. E ali, naquele momento, senti que algo muito maior estava prestes a acontecer.
— Como assim?Minha voz sai trêmula, e o peso daquelas palavras de Raed parece esmagar o ar ao meu redor.— Isabela, você não é o tipo de garota que meu pai sonha para o meu irmão. Quando ele souber que Zein está interessado em uma humilde assistente, ele irá contra esse relacionamento. E Zein não vai aguentar a pressão. A corda sempre arrebenta do lado mais fraco: o seu.Sinto um calor subir pelo meu rosto, uma mistura de indignação e desconforto.— Você está enganado. Zein...— Zein é um fraco — Raed me interrompe, a voz cortante como uma lâmina. — Depende de meu pai para tudo. Ele não faz nada sem a orientação dele. Eu até me surpreendi quando ele falou de você.Tento segurar o que restou da minha compostura. Meu coração martela no peito enquanto me levanto abruptamente do sofá.— Bem, obrigada por vossa preocupação.Raed se levanta também, um movimento calculado, mas firme.— Por favor, não me leve a mal. Mas, quando ele me contou tudo, senti a necessidade de avisá-la.Eu o encaro
Meu coração dá um salto de esperança com a palavra "solução", mas logo a realidade me atinge como um balde de água fria. Raed nunca faz nada sem um motivo oculto.— Você me ajudará a fugir? — pergunto, minha voz carregada de uma esperança tola, quase infantil.Raed ri, e o som me desconcerta. Seu rosto se suaviza por um instante, e ele parece ainda mais charmoso. No entanto, há algo na maneira como ele ri que me faz sentir pequena, tola. Sinto uma pressão crescente na cabeça, enquanto tento adivinhar qual será sua resposta.— Não. Claro que não!Minha esperança se despedaça, e aperto os lábios para conter a frustração.— Se não vai me ajudar a sair daqui, o que você tem a propor? — pergunto, tentando manter a voz firme.Ele me encara por um momento, os olhos sérios, como se estivesse pesando cada palavra antes de proferi-la.— Você se casará comigo e, assim, poderá ser a mãe legítima de seu filho.Fico estupefata.— Mas eu sou a mãe! — exclamo, incapaz de esconder minha incredulidade.
— Você está se sentindo bem agora? — A voz de Raed é grave, mas há uma suavidade inesperada nela enquanto ele passa a mão pela minha testa, afastando a fina camada de suor frio.Meu coração se aperta quando encontro o olhar intenso dele. Aqueles olhos, sempre tão impenetráveis, agora parecem carregar algo que não consigo decifrar. Engulo em seco, desconcertada.Ele retira a mão com calma, e eu me sento contra os travesseiros, tentando recuperar algum controle sobre mim mesma.— Sim, foi só um mal-estar. — Minha voz sai mais fraca do que eu gostaria. — O Sheik não está estranhando sua atitude de vir toda hora ao meu quarto?Um leve sorriso curva os lábios de Raed, mas não alcança seus olhos.— Você não está no palácio dele, mas no meu.Piscar é a única reação que consigo esboçar.— No seu?— Sim.— Por... por que no seu? — minha voz treme de surpresa.— Porque achei melhor assim. — A resposta é seca, firme, sem espaço para perguntas. — O clima está muito ruim lá, e você precisa de paz,
A luz do quarto me desperta aos poucos, forçando meus olhos a se abrirem. O cheiro suave do perfume de Raed paira no ar, denso e perturbador, como se ele tivesse deixado sua marca ali. Isso é suficiente para me tirar de qualquer estado de letargia.Levanto-me e o procuro com o olhar. Ele está na sacada, de costas para mim, encarando o horizonte. Seu terno cinza chumbo, impecavelmente ajustado, parece uma extensão de sua personalidade controladora.Limpo a garganta, quebrando o silêncio. Ele se vira lentamente, e minha atenção é atraída para seus cabelos penteados para trás com perfeição. A camisa cinza clara combina com o terno e a gravata preta que carrega tons sutis de cinza. Tudo nele é um exemplo de ordem e controle, uma contradição ao caos dentro de mim.— Sabah alkhayr. — Minha voz soa mais firme do que me sinto.— Sabah alkhayr.Ele dá um passo em minha direção, e sinto meu corpo se preparar para o impacto de sua presença. Não consigo evitar o instinto de quase me encolher, mas
A verdade é inescapável: desde o momento em que coloquei os olhos em Isabela, soube que a queria para mim. No entanto, achei que fosse algo passageiro, um desejo fugaz que desapareceria tão rápido quanto surgiu. Acreditei que, se a tivesse, tudo se resolveria, mas também sabia que não poderia tratá-la como mais uma de minhas conquistas. Isabela não era uma mulher qualquer; ela era do tipo que se casa, uma mulher íntegra, profissional e incrivelmente séria.Sempre admirei como ela trabalhava com dedicação e afincava sua atenção em cada detalhe. Tratava-me com respeito e com a distância profissional necessária. Na época, eu estava com Camily. Embora nosso relacionamento fosse mais uma conveniência do que um compromisso real, terminar com ela gerou um grande desconforto para meu pai.Agora, enquanto estou deitado na cama, meus pensamentos estão presos em Isabela. Cada lembrança me domina, revivendo tudo com intensidade.Quando Zein me ligou para dizer que estava saindo com ela, fiquei at
Raed viajou há uma semana, e o palácio parece mais silencioso do que nunca. Os empregados, antes cheios de cochichos, agora estão contidos, até mesmo Tamiris, que sempre foi mais falante, tornou-se cerimoniosa em sua presença. Ainda assim, foi ela quem me contou que Raed estava saindo com uma garota de família respeitada há algum tempo, e que o relacionamento estava caminhando para um noivado.A revelação me deixou perturbada. É muito claro que seu trauma de infância está o levando a assumir meu filho. Mas será que essa decisão superará o amor que ele sente por essa garota? Será que ele está sacrificando algo real por causa de um senso de dever? Essas perguntas ecoam na minha mente sem resposta.Agora, estou escondida atrás de uma pilastra na sala, observando enquanto Camily, a mulher em questão, está lá. Seus olhos negros estão fixos em Tamiris. Meu coração bate descompassado enquanto tento entender tudo.— Raed não está, ele está viajando.— Droga!— Ele está viajando a trabalho.—
No silêncio da noite, vou até a biblioteca e começo a revirar as gavetas, prateleiras. Tudo, procurando meu passaporte. Encontro um maço de notas altas de libras dentro de uma caixa preta. Estremeço. Nunca peguei um centavo de ninguém, mas preciso pensar no meu filho.Respiro fundo e o retiro da caixa. Faço a contagem. A quantia não é pequena. Dá para pagar minha passagem, dá para alugar uma casa modesta, e ainda fazer a compra do mês.Isso é pelos móveis que ele desfez e pelo tempo que trabalhei com o Sheik. Já as roupas, ele me deu. Novas. No dia seguinte, depois que conversamos sobre sua viagem, elas chegaram aos montes: Blusas, saias, Kaftans, vestidos. As servas ficaram meio dia guardando tudo, arrumando no closet. Limpo minha lágrima infeliz por eu ter me metido nessa confusão.Continuo minha inspeção, mas nada do passaporte. Na mesa vejo seu notebook. A curiosidade agita meu coração. Eu o abro. Espero a iniciação e dou de cara com a imagem de fundo de tela: Raed abraçado a gar
—Conversamos? Como conversar com alguém enrijecido no seu conceito de mundo? Que não quer dialogar, apenas mandar e dominar?Raed aperta as mãos.—Por que resolveu fugir? Pensei que estava tudo resolvido entre nós.—Sua namoradinha veio aqui.Raed me estuda e então suaviza sua expressão.—Entendo. Mas, pelo que eu saiba, ela só falou com Hamira.Eu entendi tudo, no mínimo a governanta ligou para ele. —Por isso correu para cá? Preocupado com que ela pudesse fazer?—Não importa o que eu estou fazendo aqui.— Não quero que se sacrifique por mim.—Eu e Camily não temos mais nada.—Pois não parece. Ela ficou chorando, disse que você terminou com ela sem explicações.Raed ofega.—Para te proteger. Por isso eu não disse nada para ela. Fora que a condição do nosso casamento é um tanto diferente.—Raed, deixe-me ir.—Não!Eu me angustio.—Você ainda gosta daquela garota. Como nosso casamento pode sobreviver se iniciando errado?—Você está enganada. Eu me dei conta que não sinto nada por ela.