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•Vinte e quatro anos atrás••— Tem certeza que estamos fazendo o correto? – A mulher olhou para o marido bem apreensiva. — Acho que podemos lidar com isso. É só um bebê. – Aponta.— Como lidaremos com isso? Ela é uma criança e acabou de gerar outra criança. – O homem disse ríspido, deixando transparecer a fúria em seus olhos cinzentos. — O pai ao menos teve a decência de ficar e assumir, foi embora na primeira oportunidade que teve.— Vicente, se ela descobrir, jamais nos perdoará pelo que fizemos. – Argumentou chorosa pouco antes do portão do grande orfanato que vivia sempre aberto. — Acha que essa é a melhor alternativa?— Ela tem apenas dezesseis anos. Nos desrespeitou, se entregou para aquele homem e foi abandonada. – Apesar da fúria na voz, a mágoa estava estampada no olhar do homem. Ele sempre confiou na filha e se dedicou ao máximo para dar o melhor, e se sentia traído com essa gravidez não planejada. — Ela vai terminar os estudos, vai ser alguém na vida. Como sempre planejamos e vamos viver em paz. Sairemos daqui, seremos felizes!— Isso é desumano! – Disse chorando.— Isso é necessário! – Rebateu convicto.— Nem sempre o necessário é o que se deve fazer. – Continuou. — Ela vai sofrer.— Ela vai superar.O homem lá no fundo se sentia mal pela iniciativa que tomou, mas seu coração duro não fez com que qualquer tipo de arrependimento aparecesse. Por isso, se aproximou da porta pouco antes do amanhecer e deixou a pequena caixa. O bebê dentro dormia tranquilamente e as lágrimas que escaparam de seus olhos cinzas, limpou rapidamente.— Eu prometo que você vai ter uma vida melhor aqui. – Sussurrou se aproximando da porta grande. — Eles vão cuidar de você e vai ficar tudo bem. – As palavras eram mais para si do que para a criança, afinal, ela não entendia nada ainda.O homem bateu na porta e se afastou, correu até a esposa, a puxando para longe dali. Só foram embora quando viram a porta abrir e alguém pegar a criança. A mulher procurou ao redor para ver se conseguia saber quem tinha deixado aquela pobre criança ali, mas foi em vão. Nenhuma identificação, apenas um nome em um papel.Se convencer de que fizera o certo ficou cada vez mais difícil para o homem. Mesmo que enviasse anualmente uma verba boa para o orfanato, sempre no dia do aniversário da neta que foi o anterior a seu abandono, mesmo com isso, começou a definhar ano após ano. Ficando cada vez mais doente e menos comunicativo, se perdendo em seu próprio mundo de acusações e arrependimentos. Pensou estar beneficiando a todos, mas essa escolha afetou não só a eles, mas a todos envolvidos nesse nascimento.••Vinte e dois anos depois••Nervoso ainda com o que leu no papel estirado na mesa em sua frente, o homem passa a mão em seus cabelos castanhos, retirando seus óculos em seguida. O ar sai de sua boca, ainda chocado e sem entender o que aquelas palavras significavam, ou melhor, querendo que aquelas palavras tivessem com algum erro. Que o que estava confirmando ali, fosse mentira, apenas um pesadelo e que fazia questão de acordar.Seus pensamentos foram interrompidos quando um galho da árvore bateu raivosamente contra a janela. O dia está frio e com uma potencial tempestade forte se formando. Engoliu seco mais uma vez, decidindo levantar e tomar um copo de sua bebida mais forte. Como ela pode fazer isso com ele? Depois de tudo que fez por ela, seu pagamento foi em uma traição que dilacerou o coração.— Acorda, acorda, acorda. – Sussurrou sentindo as lágrimas escapando de seus olhos.Nunca foi um homem que demonstrava muito, mas quando se tornou pai, seu mundo se alegrou e tudo passou a fazer sentido. Só que agora um balde de água fria foi jogado em sua cabeça, destruindo um pouco de sua felicidade.Ainda parado no meio do escritório, ouviu o bater alto de uma porta, que logo assimilou ser a de entrada. Isso o levou a sair a passos largos do cômodo, percebendo que a pessoa que saiu é acompanhada por um choro de bebê.Ao abrir a porta, pode perceber a cabeça da loira inclinada para dentro do carro. Parecia não se importar com a chuva caindo enquanto prendia o bebê em sua cadeira.— O que pensa que está fazendo? — Sua voz saiu alta e ao ouvir, a loira recebeu uma carga de tristeza atravessar seu corpo. Ele havia descoberto e ela queria ir embora o mais rápido possível. O exame de DNA deveria chegar para ela, mas infelizmente não obedeceram suas instruções e ele acabou recebendo em seu lugar.— Estou saindo da sua vida. Como sempre quis. – Disse batendo a porta do carro e encarando o homem ainda na varanda da mansão. — Com o meu filho!— Não quero saber o que aquele papel diz, ele é meu filho e você não vai me fazer aceitar o contrário. – Disse com firmeza enquanto começava a andar em direção a mulher.Por alguns segundos a mulher pensou, mas sua cabeça ainda estava meio confusa. Os pensamentos conflitantes acompanhavam ela com frequência desde essa última gravidez, estava tudo mais difícil de entender e o toque estridente do celular fez com que voltasse a si. Correu para dar a volta ao carro e conseguir entrar, querendo ir o mais rápido possível.Percebendo o que a mulher pretendia, o homem correu com rapidez e conseguiu abrir a porta de trás. Ela estava louca e sua insanidade não iria tirar seu filho, mesmo que o exame de DNA dissesse o contrário. Assim que abriu a porta, a mulher conseguiu avançar com o carro, fazendo com que o homem se jogasse para dentro.— Selene, pare o carro agora. – Gritou enquanto se jogava para frente, para conseguir que o carro parasse.— Eu não posso. – A mulher respondeu ainda mantendo seus olhos vidrados no portão enorme que se aproximava. — Você não vai me perdoar. Eu sou um monstro... – Acelerava mais à medida que falava. — Eu te trai, Isaac, preciso consertar isso. Precisamos ir embora!— Por Deus, não! – Disse em desespero. — Você vai nos matar, pare o carro. – Gritou e finalmente conseguiu empurrar a perna dela no freio.Isso acarretou em uma chacoalhada para frente, mas nada que fosse tão grave. Ainda bem que o bebê estava preso e não se machucou.— Eu te perdoo. Vamos entrar e ... – O bebê começou a chorar completamente irritado. — Vamos fazer o melhor para o nosso filho, não faz isso. – Tentou tranquilizá-la, mas não obteve resultado, já que o celular da mulher voltou a tocar e algo despertou nela.Percebendo que não conseguiria dialogar e chegar a um consenso, se apressou quando ela saiu decidida a abrir o portão. Aproveitando a deixa, conseguiu tirar o bebê do carro, saindo depressa e tentando proteger o pequeno das gotas de chuva.— Ele vai ficar. Você não vai tirar meu filho. – Continuou o homem, encarando a mulher. — Você não tem esse direito.— Ele não é seu filho. – Gritou enfurecida. — Eu vou tirar tudo de você e vai ser obrigado a dar ele para mim. — Os olhos vermelhos da mulher denunciavam sua volta ao mundo dos entorpecentes.— Selene, por favor. – Pediu ele calmamente. — Podemos resolver isso juntos. Vamos entrar, não cometa nenhuma loucura que possa se arrepender depois. – Apesar da fúria anterior, seu tom saiu calmo e quase gentil, tentando confortar e fazer a mulher mudar de ideia. — Não faz isso, é perigoso. Podemos conversar e resolver isso da melhor maneira.— Isso ainda não acabou. – Foi tudo que ela disse antes de entrar no carro e ir embora, acelerando como se estivesse em fuga.Essa também foi a última coisa que ele ouviu ela dizer naquele dia chuvoso. Os policiais chegaram em sua casa horas depois, relatando o acidente de sua companheira que estava acompanhada de um homem. Mesmo sendo socorridos, não conseguiram fazer muito por eles, pela gravidade da batida. Não havia mais o que fazer, ela tinha escolhido ir, mesmo quando ele implorou para ficar.Seu relacionamento com a mulher se iniciou de uma forma acidental quase cinco anos atrás, uma noite que resultou em uma gravidez. Mesmo tentando manter o relacionamento por um tempo e tentando ajudar a mulher, eles nunca chegaram a ter aquilo que muitos almejam em um relacionamento, o amor.O homem não conseguiu se perdoar, por isso, resolveu criar um muro ao redor de si, protegendo seu coração e também todos aqueles que amava.O segredo que foi revelado naquela noite, acabou sendo enterrado ali também. O elo entre pai e filho que se formou aquele dia, jamais poderia ser quebrado. Ele fez um juramento a si e ao bebê enquanto voltavam à mansão, que faria de tudo para manter aquele pequeno ser a salvo. Que se fosse preciso, daria sua vida para proteger aqueles a quem lhe foi confiada a paternidade. Ninguém poderia fazer mal a eles e que os protegeria independente de qualquer coisa, mesmo que isso o colocasse em perigo.-Atualmente.O plano era simples, pelo menos em minha cabeça. Iríamos entrar na Mansão, estudar todo o lugar, achar possíveis pontos para um futuro roubo - sim, eu sei que é errado, mas segundo eles é necessário. - e sair como entramos. Parecia um plano perfeito e sem falhas, todos estariam dormindo, ninguém iria se machucar, ninguém seria visto. Bom, pelo menos foi o que pensamos que aconteceria. Ou melhor, eu pensei que seria assim, mas meus amigos não me deixaram a par de todo o plano. Infelizmente, nem tudo na vida acontece como planejamos e é aí que começa minha história. A partir do momento que pensei que tudo daria errado em minha vida...— Ferrou, acho que nos descobriram. — Chace entra correndo no quarto e puxa a porta para fechar. Sem fazer barulho, claro. Todos arregalam os olhos, tensos com a notícia. Eu realmente não deveria ter topado isso.— Como assim? Fizemos tudo direitinho. — Pergunto baixo e ele se aproxima de mim. Me fazendo recuar um pouco por invadir meu espaço
Encaro o homem à minha frente com meu ódio explícito e me irrita mais ainda o fato dele estar fingindo que não estou aqui, enquanto analisa alguns papéis calmamente. E eu? Uma mera pessoa insignificante em sua frente.Lá estava eu, escondida no lugar que decidimos ser o esconderijo perfeito, caso fôssemos seguidos. Uma caverna com a entrada coberta por folhas, bem camuflada por sinal. Esperei um bom e entediante tempo, antes de finalmente sair e tentar chegar em casa. Para o meu azar a floresta estava tomada pelos malditos seguranças, que conseguiram me capturar e trazer para esse homem, que possivelmente vai me entregar para a polícia. Eu fiquei lá o dia praticamente todo, à toa. Que ódio.Estou com fome, suja de lama, molhada e machucada. Um combo maravilhoso. O que me faz ter certeza de que se eu sair dessa, nunca mais volto a invadir casas alheias. Continuarei em casa e eles que lutem. Acho que vou embora, tomar um novo rumo na vida, totalmente convicta de que sou lerda demais par
Olhares, muitos olhares. Foi o que me foi direcionado quando cheguei ao meu quadrante em um carro um tanto luxuoso, mesmo eu tendo pedido para vir no mais simples possível. Parece que não era tão simples assim. Chegar também com um segurança grande e com terno todo preto, foi a cereja do bolo para os olhares curiosos.Nossa comunidade é pacífica e bem organizada, assim como os quadrantes, que foi o nome dado para dividir as lotações, que são de A a E. Segundo alguns moradores, é mais chique esse termo usado.— Espera aqui que eu já volto.— O senhor Jhonson mandou que ...— Eu sei, eu sei, Grandão. Esse vai ser nosso segredinho, ok? — Abro um sorriso, mas recebo uma carranca de volta, mostrando que ele não vai desobedecer o chefe — Se em dez minutos eu não sair. Você pode entrar igual fazem nos filmes. Só quero me despedir dos meus amigos e pegar algumas coisas, com privacidade.— Dez minutos.— Você é top, Grandão. — Abro a porta e entro. Suspirando fundo após recostar. — CASS!!! —
Subo a escada enquanto equilibro a bandeja de café da manhã em minhas mãos. O horário que eles determinaram para as crianças acordarem é uma tristeza aos meus olhos. Sete horas da manhã, que tortura. Sílvia chegará mais tarde hoje, pois vai ao centro da cidade comprar o material escolar das crianças. Por isso, deixei que eles dormissem até as oito, visto que segundo a mensagem que ela enviou para o segurança, eu deveria fazer várias coisas. O pai deles ainda não deu o ar da graça, porém pelo que Grandão disse, ele sempre malha até as oito ou nove e depois vai cumprir seus afazeres, seja o dia todo em seu escritório ou indo em empresas que tem sociedade. Segundo os jornais e revistas apontam, ele herdou uma fortuna milionária de seus avós, que criaram ele desde cedo, quando perdeu sua mãe — suponho eu que perdeu ela, pois ninguém fala sobre ela há muitos anos—. O pai foi um caso de uma noite de sua mãe e nunca chegou a conhecer. Com a fortuna em mãos, ele passou a investir em alguns e
Abro um olho e depois o outro, lentamente. O dono da voz está diante de mim, com os braços cruzados e com um conjunto moletom preto que eu novamente queria morar dentro. Por que essa coisa ruim fica tão sexy nessas roupas? Devia ser proibido uma pessoa completamente ignorante ser bonita. Seu cabelo está levemente molhado pelo suor, esse homem curte se exercitar, eu queria ter essa disposição.— Um minuto de paz arruinado com sucesso. — Bufo irritada e cruzo os braços. Ativando minha criança interior que parece irritar muito ele — E outra coisa, eu não menti sobre nada do que eu disse a eles. Então, não acho que tem o direito de argumentar sobre isso. — Arqueio a sobrancelha direita, assumindo uma expressão insolente. — Você me conhece há pouco menos de um dia e já tem opinião formada sobre mim? — Já ouviu falar de ranço à primeira vista? Então, foi isso. — Ele arqueia a sobrancelha, imitando minha expressão — Sabe quando olha para alguém e pensa: Certeza que é esse daí é babaca. Foi
Três dias se passaram desde a minha chegada. Sai do quarto somente quando fiquei com Pietro, geralmente perto das refeições ou quando ele queria brincar, isso claro, quando ele não tinha compromisso. Essas crianças têm a agenda tão cheia, que fico cansada por eles.No momento estou sentada na árvore que me ajudou na fuga outro dia e feliz por caso o Lobisomem decida me importunar, estarei no alto e é só fingir que não estou ouvindo. Descobri que ele está mais em casa esses dias pois quer ficar de olho em mim, já que ainda não sou confiável. Então ele não tem trabalhado tanto como geralmente faz.Escuto uma movimentação abaixo, mas não me dou o trabalho de olhar. Fecho os olhos e relaxo, já imaginando que possa ser ele.— Até quando serei punido por uma risada inocente? — Escuto a voz de grandão.Se tem uma coisa que faço e não gosto muito, é guardar rancor, mas já estou super querendo voltar a falar com ele. Só que estava com vergonha de chegar e simplesmente falar, vai que ele me ign
Ontem quando voltei ao carro, o clima estava tão tenso, que por pouco não nos sufocou. Eu conseguia sentir o ódio do meu futuro chefe por mim e até me senti mal, pois mesmo que eu ache algumas coisas, eu estou a menos de uma semana aqui e não tenho moral alguma para falar. Afinal, eu fui pega invadindo a casa dele. Não é como se eu fosse a pessoa mais certa do mundo, para dar palpite onde não sou chamada. Infelizmente ele dessa vez também está certo em alguns pontos, menos na parte que é super ignorante.Eu deixei os biscoitos que havia comprado para ele no banco e logo sai do carro, entrando rápido e indo direto para o quarto. Ainda estava de tarde, mas eu apenas tomei um banho e fui dormir, feliz por não ter sido incomodada durante esse processo.Ao acordar hoje, não por livre e espontânea vontade, mas por Grandão ter decidido que as sete horas seria a hora perfeita para me acordar. Eu xinguei bastante mentalmente por isso, tá que eu praticamente hibernei, pois dormi muito, mas eu n
Me olho no espelho assim que termino de escovar os dentes e lavar o rosto. Meus olhos cinzentos estão especialmente claros hoje e meus lábios bem vermelho, mas a cara inchada de sono rouba toda a cena. Meu cabelo já está crescendo, ainda estou arrependida por surtar e cortar, ele estava enorme.Saio do banheiro e vou até o guarda roupa, escolher que roupa colocarei para esse dia de folga. Isaac vai sair com as crianças e todos aqui teremos o domingo de descanso. Abro o móvel e fico encarando as peças, estou ficando sem opção de roupas boas, talvez eu peça um adiantamento ao homem para comprar algumas roupas. Homem esse que precisa de um apelido novo e parar de me perturbar até em pensamentos. Estou me sentindo frustrada por ser tão fraca para homens bonitos.Escuto uma certa gritaria no corredor e me apresso para olhar, abro uma fresta da porta e encaro a cena frente a porta do quarto das crianças. Pietro está chorando e tentando falar, Isaac está ajoelhado em sua frente, tentando aca