Capítulo 7 •

Ontem quando voltei ao carro, o clima estava tão tenso, que por pouco não nos sufocou. Eu conseguia sentir o ódio do meu futuro chefe por mim e até me senti mal, pois mesmo que eu ache algumas coisas, eu estou a menos de uma semana aqui e não tenho moral alguma para falar. Afinal, eu fui pega invadindo a casa dele. Não é como se eu fosse a pessoa mais certa do mundo, para dar palpite onde não sou chamada. Infelizmente ele dessa vez também está certo em alguns pontos, menos na parte que é super ignorante.

Eu deixei os biscoitos que havia comprado para ele no banco e logo sai do carro, entrando rápido e indo direto para o quarto. Ainda estava de tarde, mas eu apenas tomei um banho e fui dormir, feliz por não ter sido incomodada durante esse processo.

Ao acordar hoje, não por livre e espontânea vontade, mas por Grandão ter decidido que as sete horas seria a hora perfeita para me acordar. Eu xinguei bastante mentalmente por isso, tá que eu praticamente hibernei, pois dormi muito, mas eu nem sei a quanto tempo não fazia isso. Deitar a cabeça no travesseiro e simplesmente dormir, sem me preocupar com nada à minha volta, pois estou segura e protegida.

Segundo Grandão me disse, Silvia recebeu o dia de folga hoje e eu teria de ficar com as crianças, claro que na presença dele, sempre. Isaac também não vai estar em casa, pois ontem ao chegar do mercado, ele soube que uma das empresas que faz sociedade está indo de mal a pior e precisou sair hoje bem cedo. Ou seja, seremos só as crianças e eu... mais alguns funcionários, seguranças e Grandão, mas eles não contam tanto.

Silvia que teve sua merecida folga, já ligou pro marido mais de cinco vezes para saber como estavam as crianças e também para saber se eu estou fazendo tudo direitinho. Eu acho a forma que ela cuida das crianças bem legal, mesmo sendo a babá, ela os trata muito bem, quase como filhos ou até netos.

Se eu não tivesse caído de paraquedas aqui por ter invadido, talvez em outras circunstâncias, eu poderia até ser uma ótima babá substituta. Estou até me sentindo meio burra, por nunca ter pensado em trabalhar com isso. Mesmo que temporário. Eu só não sei se eu teria oportunidades, pois os moradores lá de onde moro, são bem julgados, só por morar em uma comunidade. Não serei hipócrita e falar que ninguém merece esse julgamento, uns até merecem, mas outros são tão incríveis e não tem oportunidades por esse preconceito já enraizado.

Meus amigos e eu fomos julgados antes mesmo de tentar qualquer coisa, por isso acaba gerando uma revolta em alguns, achando que prosseguir da maneira que os outros imaginam é o correto.

Planejo ficar aqui somente um mês, mas se as coisas derem certo e eu acabar gostando do trabalho, e claro, se Isaac quiser que eu continue, mesmo que com uma certa redução de salário significativa. Eu irei aceitar e mandar o dinheiro para eles, aqui eu não vou precisar e qualquer coisa que os faça ficar fora de problemas, para mim já é de grande valia. Então esse é o plano, eu irei trabalhar aqui e ajudar eles lá.

— Estamos prontos. — Andrew chama minha atenção e olho para ele. Estou deitada em sua cama, enquanto ele e seu irmão decidem que roupa querem usar.

Eles sempre estão super engomadinhos em roupas chiques e combinando, hoje quis dar a eles uma chance de se vestirem como quiserem.

— Vocês estão lindos!

Observo Pietro com um conjunto moletom marrom claro com desenhos de carrinho coloridos, além de uma meia marrom mais escura e uma sandália de tiras azul. Magnífico e fofo. Já Andrew está com uma camisa branca lisa, com um casaco cinza por cima e uma calça jeans escura. Parece um príncipe. Eu estou encantada por essas crianças e não sei o que fazer, muito desse meu pensamento de continuar caso o pai queira, é pelo simples motivo de terem me cativado desde o início.

— Eu sou lindo, tia! — Pietro diz se sentindo e isso me faz rir.

— Agora vamos que estou curiosa para saber onde é esse espaço secreto que querem me mostrar. — Eles assentem diante de meu pedido. Segundo eles, tem uma sala secreta que eu vou amar.

Pietro segura em minha mão direita e Andrew na esquerda quando saio do quarto com eles, Grandão me olha sorrindo e do de ombros, murmurando que é o dia do pode tudo.

Ao descer a escada, eles me guiam para um corredor que ainda não tinha conhecimento e logo vejo uma porta. Quando Andrew abre ela e a empurra, vejo a escada enorme que leva ao porão. Para onde essas crianças estão me levando? Que suspense. Pego Pietro no colo pois não confio em deixar ele descer sozinho e logo estamos descendo.

— Que lugar é esse?

— É o espaço do papai. — Andrew diz e fico em pânico, parando e olhando para trás, mostrando a Grandão meu pavor é que eu realmente não sabia dessa.

— Ele vai me matar se souber disso. — Murmuro pro homem a minha frente e ele faz que não, mandando eu prosseguir. Respiro fundo e volto a descer, o filho mais velho está lá embaixo e já até acendeu a luz.

Quando desço e olho o lugar, coloco Pietro no chão ainda de boca aberta e sem respirar. Que lugar magnífico. Tem um bar, com um balcão em mármore aparentemente muito caro e algumas cadeiras altas. A parede atrás do balcão está repleta de garrafas dos mais diversos tipos de bebidas, já a parede dos fundos é como uma adega, com diversos vinhos alinhados lado a lado.

Além de poltronas escuras aparentemente bem confortáveis espalhadas pelo lugar, tem diversos tipos de jogos. O chão é bege e as paredes claras, o que contrasta com os móveis bem escuros.

— Esse lugar é enorme. — Comento ainda alarmada pelo espaço amplo e arejado — Devia ser crime ter um lugar tão lindo assim e não compartilhar.

— Não, não é aqui que vamos ficar. Essa parte é feia. — Andrew diz fazendo careta e olho para ele assustada.

— Tem outra parte além dessa? — Pergunto em choque e Pietro assente, correndo para a segunda porta que tem no ambiente. Creio que a outra seja um banheiro, mas depois olho para confirmar.

Sigo ainda a passos de tartarugas as crianças que já sumiram dentro do outro ambiente, quando passo pela porta de vidro fumê, quase engasgo. Eles têm literalmente um cinema em casa.

— Cacete!

— A tia disse palavrão — Pietro aponta para mim enquanto pula num dos estofados.

— Não, a tia não disse. Eu disse ... — Não sei o que inventar pois ainda estou embasbacada com o ambiente — Ok, eu disse, mas foi sem querer. Esse vai ser nosso segredinho, ok? — Levanto os dois dedos mindinhos e eles assentem.

Olho para o lugar e suspiro encantada, a televisão na parede é enorme e nem ao menos consigo cogitar quantas polegadas tem, só sei que acompanha quase a parede toda. As paredes são cinzas e tem umas luzes alinhadas que iluminam o local. O chão é felpudo e mesclado entre cinza e preto, dá até vontade de deitar. Tem quatro sofás cinzas estilo deitado na frente da televisão e no degrau de cima, mais quatro poltronas.

— Eu definitivamente moraria nesse lugar.

— Silvia nos traz aqui as vezes. — Andrew comenta sentando na poltrona de cima.

— Vou ficar aqui fora. — Grandão chama minha atenção e faço que não.

— Não precisa, fica aqui com a gente. Melhor do que ficar desconfortável ali fora sozinho. Claro, isso se você não se importar de assistir alguns desenhos.

— Isso. Tio, fica com a gente. Vamos assistir aquele super—herói que parece o senhor. — Pietro diz animado e Bob sorri, gostando do elogio.

— Nós combinamos isso? Não lembro de ter comentado sobre deixar vocês assistirem esse desenho. — Pergunto cruzando os braços — Eu nem sabia da existência dessa sala. — Recebo dois biquinhos como resposta — Ok, vocês venceram. Vamos assistir alguns capítulos. Eu só vou precisar aprender a mexer nessa coisa. — Digo olhando para a tv enorme. — E esperar que seu pai não me castigue por isso.

— Obah! — Pietro pula e logo deita.

Pego o controle, apago a luz e deito ao seu lado, Grandão está atrás com Andrew.

— Nós te defendemos do papai. — O loiro se manifesta antes de começar a atração e abro um sorriso, concordando.

— Não vamos demorar muito. Vocês precisam almoçar daqui a pouco. Entendido?

— Entendido. — Dizem em coro e quase choro, sentindo meu coração mole bem quentinho.

Até que o dia que pensei que seria bem tenso, pois não sabia como distrair as crianças, aparentemente vai acabar sendo bem legal.

(...)

O dia passou relativamente rápido e foi muito divertido. Bom, a princípio eu disse que ficaríamos pouco aqui, porém não foi o que aconteceu.

Ao meio dia nós subimos para almoçar e eles comeram tudinho, sobre o decreto de voltar aqui, para assistir algum filme novo que Sílvia não havia deixado antes. Eu aceitei, mas depois percebi que eles haviam me chantageado e eu não percebi. Aqueles espertinhos.

Voltamos a sala e ficamos a tarde toda assistindo algumas animações, eu até fiz pipoca e eles amaram, mesmo Pietro nunca tendo comido. Fiquei alarmada com tal informação e também atenta, o milho da pipoca às vezes dá certo dano até em adultos, mas foi bem tranquilo.

Já está de noite e eles acabaram dormindo nesse último filme que escolhemos para assistir.

Pego Pietro no colo e logo Grandão pega Andrew, nós três estávamos deitados no sofá da frente e com uma coberta quentinha, se até eu quase dormi, imagina eles.

— Você acha que receberei um sermão?

— Com toda certeza. — Me responde indo na frente com Andrew em seus braços.

— Podia pelo menos mentir e dizer que não, mas você viu que não fizemos nada de errado. Foi super tranquilo e bom, era o dia do pode tudo.

— Eles se divertiram como não faziam há tempos. Isso que importa! — Começamos a subir a escada.

— Também acho. Maaaas... eles não fizeram nada do que geralmente fazem e Sílvia tinha me dado uma lista imensa. — Comento ficando nervosa só de lembrar da lista, que a única coisa que cumpri foi almoçar na hora certa.

— Calma, pequena. — Grandão tenta me tranquilizar, assim que chegamos ao topo da escada. — Silvia às vezes exagera um pouco, não precisa levar ao pé da letra tudo. É que ela gosta de deixar tudo programado e fazer tudo na hora certa, ela é meio metódica às vezes.

— Quem me preocupa é o outro. Ele vai achar que estou estragando as crianças e bom, agora eu quero ficar pois já tenho planos para o dinheiro. — Explico. — Ontem ele deixou bem claro que não gosta das minhas intervenções.

— Não se preocupa. — Diz voltando a andar — Apesar das suas loucuras, ele sabe que as crianças estão bem e fora de perigo.

— Ele tem um jeito diferente de demonstrar então. — Acompanho ele ainda pensativa.

Chegamos ao quarto, Grandão coloca Andrew na cama e diz que vai ao banheiro, assinto e volto a Pietro. Deito ele na cama e pego sua pelúcia, colocando entre seus braços e o cobrindo. Deposito um beijo em sua testa e logo vou até seu irmão. Puxo a coberta dele, o tapando e logo dou um beijo em sua testa também.

Me afasto e encaro os dois irmãos dormindo calmamente, tomara que eles não sintam dor de dente por ter dormido sem escovar. Isso é algo que definitivamente não contarei a Sílvia, ela surtaria.

— Irei pegar as coisas lá no cinema. — Digo a Grandão que estava saindo do banheiro do corredor, ainda afivelando o cinto.

— Tudo bem. Precisa de ajuda?

— Não, posso fazer sozinha. Obrigada!

— Ficarei por aqui então. — Assinto diante de sua resposta e descemos a escada.

Ele se senta em sua fiel poltrona de frente para a escada. Já eu sigo rumo a sala de cinema, que contém alguns potes com pipoca e copos de suco, das coisas que tem na sala ao lado. Tem de tudo ali.

Além de algumas outras coisas que peguei na cozinha, mesmo saindo da rotina, não podia ficar sem café, ou meu vício se revelaria em uma forte dor de cabeça.

Termino de descer a escada e vejo uma silhueta, ele está sentado na cadeira alta e de costas para mim. Penso em subir novamente e voltar depois, mas sua voz me faz parar.

— O que faz aqui? — Sua voz revela o cansaço que seus ombros caídos demonstram. Isaac não exala imponência no momento.

—— Pegar algumas coisas na sala da tv. — Respondo bem calma e sem me movimentar muito. Vai que eu arrume um jeito de brigar, as vezes eu sou inconstante e decidi me controlar nesse quesito.

— Imaginei que teria gente aqui. Pelas luzes acesas quando cheguei. — Termina de falar e dá um gole na bebida, mas ainda não se virou para mim. Engulo seco, ainda sem saber o que fazer.

— É que os meninos dormiram, Bob e eu levamos eles para a cama. Voltei para apagar as luzes e pegar o que deixamos. — Termino de falar e ele gira a cadeira, me encarando fixamente.

Oh, céus.

Mesmo com o cansaço aparente, não deixo de notar o homem magnífico e agora sem barba, me encarando. Engulo seco novamente, tentando disfarçar, mas não consigo. Ele levanta, pega a pasta preta sobre o balcão e caminha em minha direção, mantendo um sorriso zombeteiro nos lábios.

— Agora terá de inventar outro apelido. — Sussurra em meu ouvido — Criança. — Nem noto tanto como ele me chamou, só percebo que ele reparou que consegue me desestabilizar quando quer e isso é um saco. Ficou tão quente de repente.

Quando ele se afasta, subindo a escada, percebo que prendi a respiração e não posso deixar passar despercebido que todos os meus pelos do corpo se arrepiaram, literalmente. Que homem incrivelmente sexy e insuportável. Como pode? Devia ser crime. Como eu o odeio.

Respiro fundo e fecho os olhos, conto até dez e me sinto preparada para encarar qualquer coisa. Nego com a cabeça e sigo em direção ao cômodo ao lado. Não vou deixar ele achar que consegue me desestabilizar, só porque é lindo. Não darei esse gostinho a ele. Por isso, me manterei afastada.

— Você é forte, Cassandra. Um rostinho bonito não pode ter poder sobre você. — Repito algumas vezes essa mesma fala. — Imagine que por dentro ele é péssimo. Feio, muito feio.

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