Capítulo 3 Consequências

— Você não tem direito algum de falar assim comigo, como teria de pensar que pode ao menos se pronunciar? — Alim estava quase explodindo de raiva, encarando o homem mais alto que ele.

— Pai, não levante o tom! Todos irão ouvir o que se passa, seremos envergonhados por ela. — Inês parecia uma enviada das profundezas murmurando coisas para entrar mais na cabeça do pai como um anjo bom, assim permanecendo no papel de moça preocupada com a família.

Alim puxou sua mão do aperto de Ahmed, com os olhos em fogo, se deixou ouvir as palavras da filha mais nova.

— Você, professor. Irá assumir Malika, mesmo que não tenha dinheiro algum, eu quero apenas que a leve para bem longe, suma ou morra com ela.

Ahmed apertou a mandíbula com o tamanho rebaixamento por causa de sua posição.

— A minha baixa posição financeira não matará ninguém, mas isso não é da sua conta, senhor Al-Madini. — mencionou o nome da família, para denotar que eles eram um dos mais ricos da cidade de Ryiadh, ironizando um respeito pela posição dele que não existia.

— Irei tratar de baixar ainda mais suas migalhas, Al-Haroon. Tudo por sua insolência de não se calar quando deveria. Vocês irão morrer de fome, irei me certificar disso! — ameaçou Alim, com o rosto completamente franzido em raiva, chegando a ponto de deixar Inês satisfeita com o resultado do seu plano.

— Pai, não se exalte mais, vamos embora! — pediu mansamente, tocando o braço de seu genitor, apenas para chamar sua atenção.

— E não apareça na minha casa, sua pr*******a! — afiou o olhar para aquela que estava abandonando ali.

Malika parecia desolada, o rosto dando indícios de inchaço, banhado por lágrimas de dor, a pele já apresentava vermelhidão, o corpo tremendo e os cabelos emaranhados.

Inês deu um último olhar na direção deles, recostou a porta atrás dela, fingindo ter pena, deixando o professor e a irmã para trás.

O silêncio não existiu depois da saída de Alim, pois a jovem soluçava baixinho, deixando o clima estranhamente incômodo.

Ahmed se virou para a jovem, analisando seu horrível estado, por um momento pensou em sentir pena, mas logo a dúvida de que ela poderia ter planejado ou não tudo aquilo o assombrou novamente, o fazendo permanecer insensível.

— Vista-se, temos que sair daqui!

Os olhos avelã dela estavam completamente inflamados e vermelhos.

— Vai permanecer aí? — perguntou, quando não a viu se mover, apenas continuar a tremer.

Ahmed passou por ela sem tocá-la, pegando as roupas que antes da chegada de Alim, ela segurava.

Quando ele retornou, entregando-lhe suas vestes, ela perguntou de repente, levantando os olhos para encontrar seu olhar.

— E por quê agora vai me assumir? — O ruivo a encarou.

— Seria mais simples apenas deixá-la aqui e ir embora, acredite, eu esqueceria tudo com facilidade. — aquelas palavras esmagaram o coração de Malika.

Apertando as cordas vocais, ela se virou para ter distância dele, iria trocar suas roupas, sem importar-se de mostrar seu corpo para ele ou não. Sua dignidade acabava mesmo de ser esmagada.

Para se distrair, quis machucá-lo também, nem que fosse com palavras, já que de outra forma apenas ela sairia ferida:

— Você não tem que agir como alguém que tem condições de me despojar.

— Não vou despojar, isso não é possível, apenas assumirei a responsabilidade dos meus atos. — respondeu no mesmo lugar, não conseguia tirar os olhos do corpo delicado da jovem, onde antes estava despida a sua frente.

— Eu não preciso que alguém seja responsável por mim! — irritou-se a jovem, vestindo a burca com chateação.

— Caso não saiba, não é apenas o dinheiro ou posses que importa para a sociedade como um todo. Eu sou um mentor, devo ser responsável sempre. Como poderei continuar exercendo se julgarão que não me convém depois de ser visto como um depravado.

Malika se virou para ele, colocando sandálias caras nos pés. Ela não estava envergonhada de nada.

“Tudo por imagem, responsabilidade e dever.” Aquilo a fez pensar que mesmo com ele, não iria se casar.

Não importava se seria vista como Inês planejou, como uma mulher da vida. Ela apenas não queria ficar ouvindo sobre dever ou integridade.

— Então quer dizer que também tem uma honra aqui, e mesmo que gaste até o último recurso que o resta para se manter, irá cumprir tudo com responsabilidade. — o viu apenas dar as costas para ela.

— Não sou o rato de esgoto que sua família insiste em rebaixar. — a voz rouca dele estava carregada de frustração.

Malika bufou em seu íntimo, mesmo irritada com as declarações dele, ainda a irritava ouvi-lo se rebaixar sozinho, o amor sentido por ela falava de injustiça.

Pretendendo não falar nada, apenas o seguiu, como uma obediente futura esposa, fazendo Ahmed duvidar de sua submissão repentina.

“Ela planeja algo.” Pensou consigo.

Ambos conseguiram sair do hotel sem causar nenhum alvoroço, mesmo que Malika fosse filha de uma família renomada, ela ainda soube passar despercebida.

Assim adentraram o carro de Ahmed, onde Malika escolheu ficar no banco de trás.

Na cabeça do professor passavam-se diversas teorias que o levou a situação atual, o fazendo ficar imerso naquele mundo de lembranças enquanto dirigia com a jovem atrás do seu banco.

*****

Horas antes…

Depois de uma longa apresentação sobre o motivo da queda do petróleo no país com a maior riqueza proveniente dele, falou sobre a economia, ajustes e demais partes que faziam parte do interesse daquelas famílias ricas e esnobes.

No meio deles, aqueles mesmos olhos avelãs o observava, seguindo a cada movimento, mostrando evidente interesse, como já havia percebido nos supostos encontros pelos corredores da escola mista que ela não deveria ultrapassar, mas era uma jovem rica, quem a impediria?

Ahmed não era seu professor, pois ela fazia enfermagem, então era instruída especialmente por professoras, nenhum homem exceto o diretor da instituição tinham contato com as alunas.

Depois da palestra, ele quis apenas se retirar.

A bandeja com algumas xícaras de chá passava perto de Ahmed, já havia sido convencido que o chá servido ali era excepcional, melhor até, que uma dose de cafeína.

— Com licença! — fez o garçom parar. Este estava vestido como todos ali, com kandura, uma espécie de túnica grande, além de um pano sobre a cabeça.

Naquele ambiente não era necessariamente obrigatório para um homem aquela vestimenta tradicional.

Capturando uma xícara qualquer, ele não hesitou em dar o primeiro gole.

Os olhos do garçom cresceram de tamanho no mesmo instante, o homem inspecionou a bandeja procurando algo.

— Algum problema? — perguntou Ahmed, baixando a xícara para colocar sobre o pirex que segurava na outra mão.

— Não, senhor! — respondeu o homem apressado, que nervosamente sumiu no meio dos outros convidados.

“Não posso dizer que seja estranho, todos me veem mesmo como um pobre coitado.” Pensou caminhando até o fim da sala, na entrada de um dos corredores para os quartos.

Não podia demorar no hotel, pois não era nada como um simples professor da universidade mista da Arabia Saudita.

Sem perceber, havia bebido todo o conteúdo da xícara. Então a colocou em uma mesa distante, agora só precisava de um banheiro, antes de enfrentar a chuva lá fora.

Naquele momento, alguém passou por ele, o dando a chance de perguntar se havia alguma cabine por perto.

— Esse andar está desocupado por causa do evento de hoje, então poderá usar qualquer quarto que desejar! — assegurou o desconhecido.

— Agradeço por isso. — diz Ahmed antes de adentrar o corredor.

Caminhou até o único quarto, tentou a maçaneta, logo estava fechando a porta, tudo estava escuro lá dentro.

Gostando do clima, não procurou o interruptor, apenas decidiu tomar um banho relaxante antes de deixar o local.

Tirou suas roupas bem passadas, ficando apenas com a cueca branca, se dirigiu ao que parecia o banheiro. Não ouviu nada até aquele momento, parecia que estava ficando com os sentidos embaralhados, o corpo quente, a respiração levemente alterada, apenas a visão permanecia normal.

O estranho suor e incômodo lhe cresceu, parecia que milhões de formiguinhas subiam por sua pele.

“Havia algo naquele chá?” Se perguntou franzindo o cenho.

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