Collin Blackwood
O estalo das rodas da carruagem contra as pedras da estrada era um som monótono, mas reconfortante. Para alguns, poderia ser um lembrete da vida seguindo seu curso. Para mim, era apenas mais um ruído no silêncio constante que minha mente parecia impor. As cicatrizes em meu rosto ardiam levemente, uma lembrança constante da explosão que quase tirou minha vida durante a guerra. "Herói de Bath", era como alguns insistiam em me chamar. Um título vazio que apenas mascarava a verdade: eu era um homem partido, tanto física quanto emocionalmente. As queimaduras não apenas desfiguraram meu rosto, mas também enterraram qualquer chance de viver uma vida normal. Agora, eu precisava de uma esposa. Era um pensamento amargo, mas inevitável. Sem um herdeiro, meu título e terras poderiam ser contestados, e eu não suportava a ideia de que tudo pelo qual minha família lutou fosse perdido. Assim, permiti que meu fiel amigo e conselheiro, Richard, organizasse um jantar naquela noite, convidando possíveis pretendentes. "Fique atento, Collin. Este é um passo necessário", ele dissera. Eu sabia que ele estava certo, mas isso não tornava a tarefa menos desagradável. Cheguei à mansão Al-Fayez pouco antes do jantar, cumprimentando os anfitriões com um sorriso rígido. O salão era opulento, adornado com tapeçarias orientais e vasos de porcelana raros, refletindo a riqueza da família. Os Al-Fayez eram conhecidos por suas conexões comerciais, e suas filhas eram comentadas como algumas das mais belas da temporada. Exceto uma. Sophie Al-Fayez. Eu havia ouvido sussurros sobre ela. A mais velha, com olhos que não viam o mundo com clareza, deixada de lado em favor de suas irmãs mais jovens e perfeitas. Algo sobre essa descrição me incomodava. Talvez porque eu também soubesse como era ser julgado pelas aparências. Enquanto os convidados se reuniam, minha atenção foi atraída por uma figura em um canto mais afastado do salão. Ela estava sentada, o vestido simples contrastando com as roupas exuberantes das outras mulheres. Seus olhos, de um castanho profundo, não fixavam em ninguém por muito tempo, mas sua postura era calma e graciosa. Richard percebeu minha distração e inclinou-se para sussurrar: – Essa é Sophie. A filha mais velha. Assenti, absorvendo a informação. Talvez fosse curiosidade, ou talvez um impulso irracional, mas decidi que precisava conhecê-la. Durante o jantar, observei Sophie de longe. Ela falava pouco, mas quando o fazia, suas palavras eram cuidadosamente escolhidas, carregando um tom de inteligência que faltava em muitas das jovens presentes. Enquanto as outras competiam por atenção com risos altos e gestos exagerados, Sophie parecia contente em permanecer nas sombras. Após o jantar, os convidados se dispersaram. Aproveitei a oportunidade para escapar da multidão, encontrando refúgio no jardim. Ali, sob o céu noturno, respirei fundo, permitindo-me um momento de paz. Então ouvi passos leves atrás de mim. – Fugindo da festa, senhorita? – perguntei sem me virar. Houve uma pausa antes de ela responder. – Não sei se chamaria isso de fuga. Virei-me para encará-la, e mesmo na penumbra, pude ver a leve tensão em seus ombros. – Então talvez eu esteja fazendo o mesmo – repliquei, tentando aliviar o ambiente com um sorriso. Por um momento, ficamos em silêncio. Era estranho encontrar conforto em uma conversa tão simples, mas havia algo na presença dela que era... diferente. – Collin Blackwood, conde de Bath – apresentei-me, inclinando levemente a cabeça. – Sophie Al-Fayez – respondeu ela, a voz baixa, mas firme. Havia algo cativante na maneira como ela falava, como se estivesse constantemente equilibrando delicadeza com determinação. Decidi testar os limites dessa fachada. – Ah, a famosa filha mais velha do senhor Al-Fayez – disse, com um leve toque de provocação. – Dizem muitas coisas sobre você, sabia? Ela ergueu uma sobrancelha, claramente interessada. – Imagino que nenhuma delas seja gentil. Ri, surpreso pela resposta rápida. – Não. Mas, novamente, as pessoas raramente são gentis. Foi minha vez de ser surpreendido pelo silêncio. Ela parecia avaliar minhas palavras, algo que poucos faziam. – Então, senhorita Al-Fayez, o que a trouxe para o jardim? – O mesmo que trouxe você, imagino. Um desejo de fugir das aparências. Não pude evitar um sorriso. – Talvez tenhamos mais em comum do que pensamos. Aquela troca de palavras foi breve, mas plantou uma semente em minha mente. Enquanto ela se afastava, senti que aquela mulher tinha mais a oferecer do que aparentava. Os dias seguintes foram uma mistura de reflexões e deveres. Apesar de Richard insistir que eu escolhesse uma esposa rapidamente, minha mente continuava voltando a Sophie. Havia algo nela que me intrigava – uma força silenciosa, uma resistência à ideia de ser apenas mais uma peça no jogo social. Decidi que precisava vê-la novamente. Quando anunciei minha intenção de visitar a família Al-Fayez, Richard ergueu uma sobrancelha. – Está considerando Sophie? – Talvez – respondi, evasivo. – Você sabe que isso causará falatório. Ela não é... convencional. – E eu sou? Minha resposta encerrou a discussão. Ao chegar à mansão, fui recebido calorosamente pelo senhor Al-Fayez, que parecia genuinamente surpreso com minha visita. No entanto, minha presença logo atraiu a atenção das irmãs de Sophie, que fizeram questão de monopolizar minha atenção com conversas fúteis. Foi Sophie quem salvou o momento, entrando na sala com um vestido azul claro que realçava sua pele morena. Ela parou ao perceber o tumulto, mas seu pai rapidamente chamou-a para se juntar a nós. – Sophie, o conde de Bath está aqui – anunciou ele. Ela assentiu educadamente, mas havia um brilho de cautela em seus olhos. Quando nossas mãos se tocaram brevemente em cumprimento, senti algo diferente – talvez uma conexão silenciosa, ou talvez apenas o peso de nossas circunstâncias. – Gostaria de caminhar no jardim novamente? – perguntei, ignorando os olhares curiosos das outras mulheres. Ela hesitou, mas acabou concordando. No jardim, a conversa fluiu mais naturalmente. Sophie não era como as outras mulheres que conheci. Ela não tentava me agradar ou impressionar. Em vez disso, falava honestamente, mesmo que suas palavras fossem envoltas em uma timidez encantadora. – Por que está aqui, milorde? – perguntou ela de repente, interrompendo o silêncio. – Honestamente? Estou procurando uma esposa. Ela riu, um som baixo e surpreendente. – E achou que eu seria uma boa escolha? – Acho que você é... intrigante – admiti. Ela parou, virando-se para me encarar. – Intrigante não é o mesmo que adequada. – Talvez seja isso que eu estou procurando – repliquei, segurando seu olhar. Por um momento, pensei ter visto um vislumbre de algo em seus olhos – esperança, ou talvez curiosidade. – E você? Por que aceitaria um homem como eu? Ela desviou o olhar, respirando fundo antes de responder. – Porque, às vezes, a conveniência é a única opção. Suas palavras eram simples, mas carregavam uma honestidade que me desarmou. Ali, no jardim dos Al-Fayez, percebi que Sophie e eu éramos mais parecidos do que imaginávamos. Duas almas marcadas pelas expectativas e limitações de um mundo que nem sempre era gentil. E, pela primeira vez em muito tempo, considerei que talvez esse casamento por conveniência pudesse ser algo mais.Sophie Al-FayezDesde a visita de Collin Blackwood, havia uma inquietação em minha mente, algo que eu não conseguia afastar, mesmo enquanto cuidava das tarefas do dia. Minha família parecia ainda mais animada do que o normal, como se a simples presença do conde tivesse iluminado a atmosfera da casa.Minhas irmãs, em particular, não paravam de comentar sobre ele.– Você viu como ele olhou para mim, Yasmin? – comentou Amal enquanto ajustava um broche de pérolas na gola do vestido.– Ele mal te olhou, Amal. Estava ocupado demais admirando minha nova pulseira – rebateu Yasmin, fazendo todas as outras rirem.Elas eram lindas, minhas irmãs, com seus traços finos e personalidades vibrantes. Eu as amava, mas não podia deixar de sentir que havia uma linha invisível que me separava delas. Não era apenas minha visão limitada que me fazia diferente, mas também o modo como eu enxergava o mundo.Enquanto elas sonhavam com romances grandiosos e vestidos luxuosos, eu me contentava com a simplicidade
Collin BlackwoodOs dias que se seguiram ao aceite de Sophie foram um turbilhão de preparativos. Não para o casamento em si – isso seria uma cerimônia modesta, dada a natureza pragmática de nossa união –, mas para ajustar minha vida à ideia de ter uma esposa.Desde meu retorno da guerra, minha casa havia se tornado um reflexo de mim: sombria, silenciosa e funcional. Não havia flores no jardim, nem risadas ecoando pelos corredores. E agora, em poucos dias, eu teria alguém ao meu lado, alguém com quem dividir esses espaços vazios.Meu administrador, Thomas, entrou no escritório com um monte de papéis.– Precisamos revisar os contratos para a união – disse ele, colocando os documentos sobre a mesa.– Contratos? – perguntei, arqueando uma sobrancelha.– Sim, senhor. É necessário estabelecer os termos. Especialmente porque a senhorita Al-Fayez vem de uma família mercante influente.Suspirei, esfregando o rosto.– Eu não quero que este casamento se torne uma transação comercial.Thomas me o
Sophie Al-Fayez BlackwoodA viagem até Blackwood Hall parecia interminável. Sentada ao lado de Collin, percebia cada solavanco da carruagem e o barulho incessante das rodas contra o chão de terra. Apesar da beleza das paisagens britânicas, minha mente estava longe dali.Por mais que eu tentasse me preparar, nada poderia suavizar o peso do que eu estava deixando para trás: minha família, minha vida em Londres, e até a liberdade que, por mais limitada que fosse, eu tinha como mulher solteira. Agora, como Lady Blackwood, eu teria responsabilidades que ainda não compreendia totalmente.Collin estava ao meu lado, mas era como se estivéssemos a mundos de distância. Ele não era um homem de palavras desnecessárias, e seu silêncio parecia enraizado tanto na formalidade quanto em algo mais profundo que eu ainda não entendia.– Está confortável? – ele perguntou de repente, sua voz grave quebrando o silêncio.Virei-me para ele, surpresa com a gentileza inesperada.– Estou, obrigada.Não era verda
Collin BlackwoodA presença dela era como uma sombra que eu não sabia se acolhia ou temia. Sophie Al-Fayez Blackwood tinha mais coragem do que qualquer dama que eu já conhecera. Não era apenas pela maneira como se portava — um misto de graça contida e determinação —, mas pela honestidade desarmante de suas palavras.O comentário sobre os jardins ecoava em minha mente enquanto eu revisava os documentos acumulados sobre a administração das terras. “Falta vida.” Essas palavras, ditas com a delicadeza de quem entende as sutilezas da natureza, expuseram algo que eu vinha ignorando: a ordem impecável de Blackwood Hall era uma extensão da minha própria necessidade de controle.Desde o acidente que deformou parte do meu rosto, controlar tudo ao meu redor tornou-se uma obsessão. Não era apenas sobre a propriedade, mas sobre proteger o que restava da minha dignidade, minha posição e, principalmente, minha autonomia. E agora havia Sophie, com seus olhos atentos e seus julgamentos diretos, forçan
Sophie Al-FayezA primavera avançava rapidamente, trazendo com ela uma vibração renovada para Blackwood Hall. Era como se o próprio solo, antes contido e sombrio, estivesse começando a responder aos toques cuidadosos de minhas mãos e à minha visão de algo mais vivo e acolhedor. Ainda assim, a casa parecia guardar seus segredos, e um dos mais profundos era Collin.Ele era uma enigma constante, uma presença sólida e confusa ao mesmo tempo. Apesar de sua fachada inabalável, os momentos de vulnerabilidade que ele deixava escapar diziam mais do que qualquer palavra. E, de alguma forma, eu queria descobrir quem ele realmente era, o que estava escondido sob aquela armadura de silêncio e cicatrizes.Naquela manhã, decidi visitar novamente o jardim. Sabia que a presença de Collin pairava na casa como uma sombra; ainda assim, sentia que nossa convivência estava avançando. Ele não era o mesmo homem distante de antes, e isso me dava esperanças de que talvez houvesse algo mais entre nós.– Senhora
Sophie BlackwoodOs primeiros raios do sol invadiram meu quarto enquanto eu ajustava meu vestido frente ao espelho. Desde que começara a ajudar Collin com os assuntos da propriedade, havia uma nova energia em mim. Não era apenas o trabalho no jardim ou os encontros no escritório dele; era algo mais profundo, algo que eu não conseguia definir completamente.Collin, apesar de sua aparência imponente e personalidade reservada, demonstrava uma sensibilidade que poucos conheciam. A maneira como ele falava sobre sua família, sobre a responsabilidade que carregava, mostrava um homem que protegia o que amava com todas as forças.Desci para o salão principal, onde encontrei James arrumando os papéis na mesa do corredor.– Bom dia, James. O Conde já está acordado? – perguntei.– Ele saiu para os campos logo cedo, milady – respondeu ele, com seu tom característico de eficiência.Decidi ir até lá. As botas não eram as mais adequadas para caminhar na terra molhada, mas minha curiosidade era maior
Os dias de primavera vinham sendo generosos com a propriedade de Blackwood Hall. As árvores estavam em plena floração, os campos exalavam um perfume doce, e as noites eram límpidas, repletas de estrelas que pareciam mais brilhantes do que nunca. A relação entre Collin e eu continuava a evoluir, como uma flor que desabrocha lentamente, mas com a promessa de uma beleza deslumbrante.Aquela noite, um convite inesperado chegou até mim. Collin apareceu à porta do meu quarto, usando uma camisa simples e botas gastas, o que era inusitado para o conde geralmente tão impecável.– Sophie, quer me acompanhar? – perguntou ele, um sorriso hesitante brincando em seus lábios.– Para onde? – respondi, curiosa, embora sentindo meu coração acelerar.– Há algo que quero lhe mostrar. Pensei que esta noite seria perfeita.Hesitei por um momento, mas a promessa oculta em seus olhos era irresistível. Vesti um xale leve sobre meus ombros e segui Collin para fora da mansão.O caminho estava iluminado apenas p
Sophie BlackwoodA noite caía serena sobre Blackwood Hall, com o céu pintado de um azul profundo salpicado de estrelas. Ainda estava no jardim, ao lado de Collin, quando ele se levantou, oferecendo sua mão.– Venha, Sophie. Há algo mais que gostaria de lhe mostrar – disse ele, seu tom grave e suave ao mesmo tempo, como se quisesse guardar aquele momento apenas para nós dois.Peguei sua mão sem hesitar. A sensação era reconfortante, como se aquele gesto trivial fosse a promessa de algo maior. Enquanto caminhávamos, percebi que o silêncio ao nosso redor não era desconfortável; era cheio de expectativas.Collin me conduziu para dentro da casa, mas não seguimos para a sala de estar ou para os quartos principais. Em vez disso, ele abriu uma porta que eu não tinha notado antes, revelando uma escadaria estreita que parecia levar a uma torre.– Onde estamos indo? – perguntei, curiosa.– É uma surpresa – respondeu ele, lançando-me um sorriso que fez meu coração acelerar.Quando alcançamos o to