Collin Blackwood
Os dias que se seguiram ao aceite de Sophie foram um turbilhão de preparativos. Não para o casamento em si – isso seria uma cerimônia modesta, dada a natureza pragmática de nossa união –, mas para ajustar minha vida à ideia de ter uma esposa. Desde meu retorno da guerra, minha casa havia se tornado um reflexo de mim: sombria, silenciosa e funcional. Não havia flores no jardim, nem risadas ecoando pelos corredores. E agora, em poucos dias, eu teria alguém ao meu lado, alguém com quem dividir esses espaços vazios. Meu administrador, Thomas, entrou no escritório com um monte de papéis. – Precisamos revisar os contratos para a união – disse ele, colocando os documentos sobre a mesa. – Contratos? – perguntei, arqueando uma sobrancelha. – Sim, senhor. É necessário estabelecer os termos. Especialmente porque a senhorita Al-Fayez vem de uma família mercante influente. Suspirei, esfregando o rosto. – Eu não quero que este casamento se torne uma transação comercial. Thomas me olhou por um momento antes de responder. – Entendo, milorde. Mas é importante proteger os interesses de ambas as partes. Ele tinha razão, claro. Mas havia algo desconcertante em transformar o que já era uma união por conveniência em algo ainda mais frio e calculado. No entanto, Sophie parecia lidar com tudo isso com uma serenidade impressionante. Quando visitei sua casa novamente para revisar os últimos detalhes, fiquei surpreso ao encontrá-la no jardim, supervisionando suas irmãs enquanto elas organizavam flores para o casamento. – Lorde Blackwood – ela disse ao me ver, curvando levemente a cabeça. – Sophie – respondi, tentando esconder o leve desconforto que ainda sentia em sua presença. Ela apontou para uma cadeira próxima, convidando-me a sentar. – Parece que nossos pais e advogados já resolveram quase tudo – comentou, com um sorriso leve. – Só falta decidirmos sobre a cerimônia. – Prefere algo grandioso? – perguntei, genuinamente curioso. Ela balançou a cabeça. – Algo simples. Acredito que ambos preferimos evitar a atenção desnecessária. Assenti, aliviado. – Concordo. Um casamento discreto será suficiente. Por um momento, ficamos em silêncio, observando as flores que suas irmãs organizavam. Sophie parecia perdida em pensamentos, e eu me peguei estudando-a. Havia algo na sua postura, na forma como mantinha a cabeça erguida apesar de sua visão limitada, que me impressionava. – Por que aceitou? – perguntei abruptamente, sem conseguir evitar. Ela se virou para mim, surpresa com a pergunta, mas não hesitou antes de responder. – Porque não quero ser um peso para minha família. E porque, de alguma forma, acredito que podemos nos ajudar. Houve uma sinceridade em suas palavras que me desarmou. Eu esperava uma resposta mais calculada, mas Sophie parecia ver além das aparências e convenções. Naquela noite, de volta à minha casa, fiquei pensando em como seria nossa vida juntos. Sophie era prática, inteligente e resiliente. Mas havia algo mais nela, algo que eu não conseguia definir. Richard apareceu, como sempre, sem ser anunciado. – Então, está tudo pronto para o grande dia? – perguntou, servindo-se de uma taça de vinho. – Quase – respondi, sentando-me em uma das poltronas perto da lareira. – E como se sente? Pensei por um momento antes de responder. – Confuso. Este casamento faz sentido, mas... há algo em Sophie que me intriga. Richard riu. – Talvez isso seja um bom sinal. Pelo menos, você não ficará entediado. Revirei os olhos, mas não pude evitar um leve sorriso. – Só espero que ela consiga se ajustar à minha vida. – Ou talvez você precise se ajustar à dela – disse Richard, erguendo a taça em um brinde provocador. Sophie Al-Fayez Minha mãe ajustava os últimos detalhes do vestido enquanto Amal e Yasmin discutiam sobre os acessórios. – Pérolas são clássicas – disse Yasmin. – Mas os diamantes chamam mais atenção – retrucou Amal, segurando um colar contra o próprio pescoço. Suspirei, tentando ignorar a discussão. Minha mente estava em outro lugar. O casamento aconteceria em dois dias, e embora eu tivesse aceitado a proposta de Collin, ainda havia uma dúvida persistente em meu coração. Não era arrependimento, mas uma sensação de estar à beira de algo desconhecido. Minha visão limitada sempre me obrigou a confiar em outros sentidos, e algo em Collin me dizia que ele era mais do que aparentava. Havia uma tristeza em seus olhos, uma espécie de barreira que ele mantinha entre si e o mundo. – Sophie, você está bem? – perguntou minha mãe, interrompendo meus pensamentos. – Sim, só estou... nervosa. Ela sorriu, acariciando meu rosto. – É normal. Mas acredito que você será feliz, minha querida. O conde parece ser um homem bom. Assenti, embora não tivesse certeza de que "bom" era a palavra certa para descrevê-lo. Collin era complexo, e eu sabia que levaria tempo para entendê-lo completamente. Na manhã do casamento, acordei cedo. O dia estava ensolarado, e os pássaros cantavam alto, como se estivessem celebrando algo. Minha mãe e minhas irmãs estavam em um frenesi de atividades, enquanto meu pai supervisionava tudo com um ar satisfeito. O vestido que minha mãe havia escolhido era simples, mas elegante, com detalhes bordados à mão que destacavam a tradição árabe de nossa família. Quando me olhei no espelho, por um momento, esqueci minhas inseguranças. Eu parecia... diferente. Havia algo em mim que eu não reconhecia – uma força, talvez, ou uma determinação que até então estivera escondida. Collin estava esperando na pequena igreja onde a cerimônia aconteceria. Quando entrei, de braço dado com meu pai, senti todos os olhares voltados para mim, mas mantive a cabeça erguida. Ele estava impecável em seu traje, mas era seu olhar que me chamou a atenção. Por um breve momento, vi algo ali – talvez admiração, ou até mesmo respeito. A cerimônia foi rápida, e antes que eu percebesse, estávamos trocando nossos votos. A voz de Collin era firme, mas havia uma sinceridade em suas palavras que me surpreendeu. – Prometo ser um marido digno de sua confiança – disse ele, olhando diretamente em meus olhos. Quando chegou minha vez, inspirei profundamente antes de falar. – Prometo ser uma esposa que não trará arrependimentos. Foi simples, mas verdadeiro. Quando o padre nos declarou marido e mulher, senti uma estranha mistura de alívio e ansiedade. Collin segurou minha mão, e havia algo em seu toque que parecia... diferente. Era o começo de algo novo. E, apesar das incertezas, eu estava pronta para enfrentar o que viesse.Sophie Al-Fayez BlackwoodA viagem até Blackwood Hall parecia interminável. Sentada ao lado de Collin, percebia cada solavanco da carruagem e o barulho incessante das rodas contra o chão de terra. Apesar da beleza das paisagens britânicas, minha mente estava longe dali.Por mais que eu tentasse me preparar, nada poderia suavizar o peso do que eu estava deixando para trás: minha família, minha vida em Londres, e até a liberdade que, por mais limitada que fosse, eu tinha como mulher solteira. Agora, como Lady Blackwood, eu teria responsabilidades que ainda não compreendia totalmente.Collin estava ao meu lado, mas era como se estivéssemos a mundos de distância. Ele não era um homem de palavras desnecessárias, e seu silêncio parecia enraizado tanto na formalidade quanto em algo mais profundo que eu ainda não entendia.– Está confortável? – ele perguntou de repente, sua voz grave quebrando o silêncio.Virei-me para ele, surpresa com a gentileza inesperada.– Estou, obrigada.Não era verda
Collin BlackwoodA presença dela era como uma sombra que eu não sabia se acolhia ou temia. Sophie Al-Fayez Blackwood tinha mais coragem do que qualquer dama que eu já conhecera. Não era apenas pela maneira como se portava — um misto de graça contida e determinação —, mas pela honestidade desarmante de suas palavras.O comentário sobre os jardins ecoava em minha mente enquanto eu revisava os documentos acumulados sobre a administração das terras. “Falta vida.” Essas palavras, ditas com a delicadeza de quem entende as sutilezas da natureza, expuseram algo que eu vinha ignorando: a ordem impecável de Blackwood Hall era uma extensão da minha própria necessidade de controle.Desde o acidente que deformou parte do meu rosto, controlar tudo ao meu redor tornou-se uma obsessão. Não era apenas sobre a propriedade, mas sobre proteger o que restava da minha dignidade, minha posição e, principalmente, minha autonomia. E agora havia Sophie, com seus olhos atentos e seus julgamentos diretos, forçan
Sophie Al-FayezA primavera avançava rapidamente, trazendo com ela uma vibração renovada para Blackwood Hall. Era como se o próprio solo, antes contido e sombrio, estivesse começando a responder aos toques cuidadosos de minhas mãos e à minha visão de algo mais vivo e acolhedor. Ainda assim, a casa parecia guardar seus segredos, e um dos mais profundos era Collin.Ele era uma enigma constante, uma presença sólida e confusa ao mesmo tempo. Apesar de sua fachada inabalável, os momentos de vulnerabilidade que ele deixava escapar diziam mais do que qualquer palavra. E, de alguma forma, eu queria descobrir quem ele realmente era, o que estava escondido sob aquela armadura de silêncio e cicatrizes.Naquela manhã, decidi visitar novamente o jardim. Sabia que a presença de Collin pairava na casa como uma sombra; ainda assim, sentia que nossa convivência estava avançando. Ele não era o mesmo homem distante de antes, e isso me dava esperanças de que talvez houvesse algo mais entre nós.– Senhora
Sophie BlackwoodOs primeiros raios do sol invadiram meu quarto enquanto eu ajustava meu vestido frente ao espelho. Desde que começara a ajudar Collin com os assuntos da propriedade, havia uma nova energia em mim. Não era apenas o trabalho no jardim ou os encontros no escritório dele; era algo mais profundo, algo que eu não conseguia definir completamente.Collin, apesar de sua aparência imponente e personalidade reservada, demonstrava uma sensibilidade que poucos conheciam. A maneira como ele falava sobre sua família, sobre a responsabilidade que carregava, mostrava um homem que protegia o que amava com todas as forças.Desci para o salão principal, onde encontrei James arrumando os papéis na mesa do corredor.– Bom dia, James. O Conde já está acordado? – perguntei.– Ele saiu para os campos logo cedo, milady – respondeu ele, com seu tom característico de eficiência.Decidi ir até lá. As botas não eram as mais adequadas para caminhar na terra molhada, mas minha curiosidade era maior
Os dias de primavera vinham sendo generosos com a propriedade de Blackwood Hall. As árvores estavam em plena floração, os campos exalavam um perfume doce, e as noites eram límpidas, repletas de estrelas que pareciam mais brilhantes do que nunca. A relação entre Collin e eu continuava a evoluir, como uma flor que desabrocha lentamente, mas com a promessa de uma beleza deslumbrante.Aquela noite, um convite inesperado chegou até mim. Collin apareceu à porta do meu quarto, usando uma camisa simples e botas gastas, o que era inusitado para o conde geralmente tão impecável.– Sophie, quer me acompanhar? – perguntou ele, um sorriso hesitante brincando em seus lábios.– Para onde? – respondi, curiosa, embora sentindo meu coração acelerar.– Há algo que quero lhe mostrar. Pensei que esta noite seria perfeita.Hesitei por um momento, mas a promessa oculta em seus olhos era irresistível. Vesti um xale leve sobre meus ombros e segui Collin para fora da mansão.O caminho estava iluminado apenas p
Sophie BlackwoodA noite caía serena sobre Blackwood Hall, com o céu pintado de um azul profundo salpicado de estrelas. Ainda estava no jardim, ao lado de Collin, quando ele se levantou, oferecendo sua mão.– Venha, Sophie. Há algo mais que gostaria de lhe mostrar – disse ele, seu tom grave e suave ao mesmo tempo, como se quisesse guardar aquele momento apenas para nós dois.Peguei sua mão sem hesitar. A sensação era reconfortante, como se aquele gesto trivial fosse a promessa de algo maior. Enquanto caminhávamos, percebi que o silêncio ao nosso redor não era desconfortável; era cheio de expectativas.Collin me conduziu para dentro da casa, mas não seguimos para a sala de estar ou para os quartos principais. Em vez disso, ele abriu uma porta que eu não tinha notado antes, revelando uma escadaria estreita que parecia levar a uma torre.– Onde estamos indo? – perguntei, curiosa.– É uma surpresa – respondeu ele, lançando-me um sorriso que fez meu coração acelerar.Quando alcançamos o to
Sophie BlackwoodA manhã seguinte parecia ainda mais brilhante do que a anterior. A visita inesperada de minhas irmãs trouxe um calor ao meu coração que há muito tempo eu não sentia. Passar a noite em suas companhias, rindo e recordando nossos momentos juntas, foi como redescobrir uma parte de mim que havia ficado para trás.Collin, no entanto, era o verdadeiro responsável por essa alegria. Ele tinha uma habilidade incomum de transformar o inesperado em algo mágico, e a presença dele naquela sala, enquanto minhas irmãs e eu compartilhávamos histórias, era como a cola que mantinha tudo unido.Quando finalmente nos despedimos das meninas na porta, percebi como a vida no campo havia mudado para melhor. Collin esperou pacientemente até que a última carruagem desaparecesse na estrada antes de se voltar para mim.– Satisfeita, minha duquesa? – perguntou ele, um sorriso brincando em seus lábios.– Mais do que posso expressar – respondi, colocando a mão em seu braço. – Obrigada por isso.Ele
Collin BlackwoodSophie havia mudado tudo. Desde o momento em que a vi pela primeira vez, havia algo nela que me deixava desconcertado. Ela não era como as outras mulheres que cruzaram meu caminho ao longo dos anos. Sophie era diferente. Ela não tentava disfarçar sua vulnerabilidade ou a força que vinha dela. Cada gesto, cada sorriso, me fazia questionar todas as escolhas que fiz até aquele momento.Quando sugeri visitarmos as estufas, não sabia ao certo por que o fiz. Talvez fosse o desejo de compartilhar com ela um lugar que me trouxe conforto em momentos de angústia. Talvez fosse simplesmente o desejo de prolongar nosso tempo juntos. O que eu não esperava era que aquele momento mudasse tudo.A estufa estava banhada por uma luz dourada do fim da tarde, e o cheiro de terra e flores frescas preenchia o ar. Sophie caminhava à minha frente, parando ocasionalmente para admirar as plantas. Havia algo encantador na maneira como ela tocava as folhas com cuidado, como se cada uma fosse preci