Sophie Al-Fayez Blackwood
A viagem até Blackwood Hall parecia interminável. Sentada ao lado de Collin, percebia cada solavanco da carruagem e o barulho incessante das rodas contra o chão de terra. Apesar da beleza das paisagens britânicas, minha mente estava longe dali. Por mais que eu tentasse me preparar, nada poderia suavizar o peso do que eu estava deixando para trás: minha família, minha vida em Londres, e até a liberdade que, por mais limitada que fosse, eu tinha como mulher solteira. Agora, como Lady Blackwood, eu teria responsabilidades que ainda não compreendia totalmente. Collin estava ao meu lado, mas era como se estivéssemos a mundos de distância. Ele não era um homem de palavras desnecessárias, e seu silêncio parecia enraizado tanto na formalidade quanto em algo mais profundo que eu ainda não entendia. – Está confortável? – ele perguntou de repente, sua voz grave quebrando o silêncio. Virei-me para ele, surpresa com a gentileza inesperada. – Estou, obrigada. Não era verdade. Minha postura estava rígida, e o vestido parecia pesar uma tonelada, mas não havia sentido em incomodá-lo com detalhes tão triviais. – Faltam poucas horas para chegarmos – ele disse, olhando pela janela. Assenti, embora ele não estivesse olhando para mim. ... Quando finalmente avistei Blackwood Hall, prendi a respiração. A propriedade era magnífica, mas também intimidante. A mansão de pedras cinzentas ergueu-se diante de nós, cercada por jardins perfeitamente cuidados e árvores que pareciam ter sido posicionadas estrategicamente. Ao descermos da carruagem, Collin ofereceu sua mão. Aceitei, tentando esconder o leve tremor nos meus dedos. – Bem-vinda a sua nova casa – ele disse com um tom que soava quase formal demais. – Obrigada – respondi baixinho, minhas palavras desaparecendo na imensidão ao nosso redor. Fomos recebidos por uma fileira de criados, todos alinhados e com expressões neutras. Thomas, o administrador, foi o primeiro a falar, curvando-se levemente. – Milorde, milady, estamos à disposição para o que precisarem. Collin fez um gesto afirmativo com a cabeça, e Thomas rapidamente começou a dar instruções aos outros. Enquanto isso, fui guiada para dentro. A primeira impressão de Blackwood Hall foi de sobriedade e funcionalidade. Não era extravagante como algumas das casas de nobres que visitei em Londres, mas ainda assim havia uma grandiosidade discreta. Uma criada chamada Eleanor me conduziu até o quarto que seria meu. Ao entrar, meus olhos percorreram o espaço. Era um cômodo amplo, com móveis de madeira escura e cortinas pesadas que bloqueavam parte da luz. Apesar da elegância, o ambiente parecia frio e impessoal, como se estivesse esperando para ser preenchido por algo – ou alguém. – Se precisar de algo, basta chamar – disse Eleanor, antes de sair. Suspirei assim que fiquei sozinha, caminhando até a janela. Os jardins de Blackwood eram visíveis daqui, e eu pude ver as fontes e os caminhos sinuosos entre as árvores. Por um momento, deixei meus dedos tocarem o vidro frio, tentando absorver a realidade de minha nova vida. ... Os dias seguintes foram dedicados à adaptação. Collin e eu mal nos víamos. Ele parecia ocupado com assuntos administrativos e passava longas horas em seu escritório. Quanto a mim, explorei a mansão aos poucos, sempre com Eleanor ao meu lado, explicando a história e os detalhes de cada cômodo. Foi no quarto dia que resolvi explorar os jardins por conta própria. O sol estava alto, e o ar tinha um frescor que me lembrou das manhãs em nossa casa em Londres. Caminhei devagar, deixando meus dedos roçarem nas plantas que ladeavam o caminho. Os jardins eram belos, mas havia algo... controlado demais. Tudo estava em seu devido lugar, cada arbusto aparado com precisão, cada flor plantada estrategicamente. Era como se o próprio jardim tivesse medo de sair da linha. Ao longe, vi Collin conversando com um homem que parecia ser o jardineiro. Ele estava de costas para mim, e, por um momento, hesitei em interromper. No entanto, havia algo que eu precisava dizer. – Lorde Blackwood. Minha voz saiu mais firme do que eu esperava. Ele se virou, parecendo surpreso ao me ver. – Sophie – ele disse, inclinando a cabeça levemente. O jardineiro se retirou rapidamente, deixando-nos sozinhos. – O que achou dos jardins? – ele perguntou. Havia uma leve curiosidade em sua voz, mas também algo que parecia ser um teste. – São belos – respondi, depois hesitei. – Mas... formais demais. Ele arqueou uma sobrancelha, claramente intrigado. – Formais? Assenti, tentando encontrar as palavras certas. – É como se estivessem tentando ser perfeitos, mas falta algo. Vida, talvez. Para minha surpresa, ele não pareceu ofendido. Pelo contrário, um sorriso quase imperceptível curvou seus lábios. – E o que você sugere? Eu não esperava que ele realmente pedisse minha opinião, mas decidi ser honesta. – Talvez mais espaço para flores selvagens. Algo menos controlado, mais... autêntico. Ele ficou em silêncio por um momento, seus olhos me estudando com intensidade. – Interessante – disse ele, finalmente. Não sabia se ele realmente consideraria minha sugestão, mas o simples fato de ter sido ouvida foi reconfortante. ... Naquela noite, durante o jantar, finalmente tivemos um momento para conversar sem a presença de terceiros. A mesa era absurdamente longa, e parecia estranho sentar tão distante um do outro, mas era o costume. – Como foi seu dia? – ele perguntou, enquanto servia-se de vinho. Fiquei surpresa com a pergunta. – Foi... produtivo. Passei algum tempo nos jardins. – E encontrou algo que chamou sua atenção? – Sim – disse, e um pequeno sorriso escapou antes que eu pudesse controlá-lo. – Percebi que até mesmo a perfeição pode ser melhorada. Ele riu, um som breve e inesperado. – Isso é algo que poucas pessoas ousariam dizer. Havia algo em seu tom que me fez sentir uma conexão momentânea, como se, por um breve instante, nossas diferenças tivessem desaparecido. Terminamos o jantar em silêncio, mas não era mais o mesmo silêncio desconfortável de antes. Era como se estivéssemos começando a encontrar um equilíbrio, um entendimento mútuo que poderia, com o tempo, crescer. Ao subir para o meu quarto, senti algo que não sentia há muito tempo: esperança. Talvez este casamento, que começou como uma necessidade, pudesse se transformar em algo mais.Collin BlackwoodA presença dela era como uma sombra que eu não sabia se acolhia ou temia. Sophie Al-Fayez Blackwood tinha mais coragem do que qualquer dama que eu já conhecera. Não era apenas pela maneira como se portava — um misto de graça contida e determinação —, mas pela honestidade desarmante de suas palavras.O comentário sobre os jardins ecoava em minha mente enquanto eu revisava os documentos acumulados sobre a administração das terras. “Falta vida.” Essas palavras, ditas com a delicadeza de quem entende as sutilezas da natureza, expuseram algo que eu vinha ignorando: a ordem impecável de Blackwood Hall era uma extensão da minha própria necessidade de controle.Desde o acidente que deformou parte do meu rosto, controlar tudo ao meu redor tornou-se uma obsessão. Não era apenas sobre a propriedade, mas sobre proteger o que restava da minha dignidade, minha posição e, principalmente, minha autonomia. E agora havia Sophie, com seus olhos atentos e seus julgamentos diretos, forçan
Sophie Al-FayezA primavera avançava rapidamente, trazendo com ela uma vibração renovada para Blackwood Hall. Era como se o próprio solo, antes contido e sombrio, estivesse começando a responder aos toques cuidadosos de minhas mãos e à minha visão de algo mais vivo e acolhedor. Ainda assim, a casa parecia guardar seus segredos, e um dos mais profundos era Collin.Ele era uma enigma constante, uma presença sólida e confusa ao mesmo tempo. Apesar de sua fachada inabalável, os momentos de vulnerabilidade que ele deixava escapar diziam mais do que qualquer palavra. E, de alguma forma, eu queria descobrir quem ele realmente era, o que estava escondido sob aquela armadura de silêncio e cicatrizes.Naquela manhã, decidi visitar novamente o jardim. Sabia que a presença de Collin pairava na casa como uma sombra; ainda assim, sentia que nossa convivência estava avançando. Ele não era o mesmo homem distante de antes, e isso me dava esperanças de que talvez houvesse algo mais entre nós.– Senhora
Sophie BlackwoodOs primeiros raios do sol invadiram meu quarto enquanto eu ajustava meu vestido frente ao espelho. Desde que começara a ajudar Collin com os assuntos da propriedade, havia uma nova energia em mim. Não era apenas o trabalho no jardim ou os encontros no escritório dele; era algo mais profundo, algo que eu não conseguia definir completamente.Collin, apesar de sua aparência imponente e personalidade reservada, demonstrava uma sensibilidade que poucos conheciam. A maneira como ele falava sobre sua família, sobre a responsabilidade que carregava, mostrava um homem que protegia o que amava com todas as forças.Desci para o salão principal, onde encontrei James arrumando os papéis na mesa do corredor.– Bom dia, James. O Conde já está acordado? – perguntei.– Ele saiu para os campos logo cedo, milady – respondeu ele, com seu tom característico de eficiência.Decidi ir até lá. As botas não eram as mais adequadas para caminhar na terra molhada, mas minha curiosidade era maior
Os dias de primavera vinham sendo generosos com a propriedade de Blackwood Hall. As árvores estavam em plena floração, os campos exalavam um perfume doce, e as noites eram límpidas, repletas de estrelas que pareciam mais brilhantes do que nunca. A relação entre Collin e eu continuava a evoluir, como uma flor que desabrocha lentamente, mas com a promessa de uma beleza deslumbrante.Aquela noite, um convite inesperado chegou até mim. Collin apareceu à porta do meu quarto, usando uma camisa simples e botas gastas, o que era inusitado para o conde geralmente tão impecável.– Sophie, quer me acompanhar? – perguntou ele, um sorriso hesitante brincando em seus lábios.– Para onde? – respondi, curiosa, embora sentindo meu coração acelerar.– Há algo que quero lhe mostrar. Pensei que esta noite seria perfeita.Hesitei por um momento, mas a promessa oculta em seus olhos era irresistível. Vesti um xale leve sobre meus ombros e segui Collin para fora da mansão.O caminho estava iluminado apenas p
Sophie BlackwoodA noite caía serena sobre Blackwood Hall, com o céu pintado de um azul profundo salpicado de estrelas. Ainda estava no jardim, ao lado de Collin, quando ele se levantou, oferecendo sua mão.– Venha, Sophie. Há algo mais que gostaria de lhe mostrar – disse ele, seu tom grave e suave ao mesmo tempo, como se quisesse guardar aquele momento apenas para nós dois.Peguei sua mão sem hesitar. A sensação era reconfortante, como se aquele gesto trivial fosse a promessa de algo maior. Enquanto caminhávamos, percebi que o silêncio ao nosso redor não era desconfortável; era cheio de expectativas.Collin me conduziu para dentro da casa, mas não seguimos para a sala de estar ou para os quartos principais. Em vez disso, ele abriu uma porta que eu não tinha notado antes, revelando uma escadaria estreita que parecia levar a uma torre.– Onde estamos indo? – perguntei, curiosa.– É uma surpresa – respondeu ele, lançando-me um sorriso que fez meu coração acelerar.Quando alcançamos o to
Sophie BlackwoodA manhã seguinte parecia ainda mais brilhante do que a anterior. A visita inesperada de minhas irmãs trouxe um calor ao meu coração que há muito tempo eu não sentia. Passar a noite em suas companhias, rindo e recordando nossos momentos juntas, foi como redescobrir uma parte de mim que havia ficado para trás.Collin, no entanto, era o verdadeiro responsável por essa alegria. Ele tinha uma habilidade incomum de transformar o inesperado em algo mágico, e a presença dele naquela sala, enquanto minhas irmãs e eu compartilhávamos histórias, era como a cola que mantinha tudo unido.Quando finalmente nos despedimos das meninas na porta, percebi como a vida no campo havia mudado para melhor. Collin esperou pacientemente até que a última carruagem desaparecesse na estrada antes de se voltar para mim.– Satisfeita, minha duquesa? – perguntou ele, um sorriso brincando em seus lábios.– Mais do que posso expressar – respondi, colocando a mão em seu braço. – Obrigada por isso.Ele
Collin BlackwoodSophie havia mudado tudo. Desde o momento em que a vi pela primeira vez, havia algo nela que me deixava desconcertado. Ela não era como as outras mulheres que cruzaram meu caminho ao longo dos anos. Sophie era diferente. Ela não tentava disfarçar sua vulnerabilidade ou a força que vinha dela. Cada gesto, cada sorriso, me fazia questionar todas as escolhas que fiz até aquele momento.Quando sugeri visitarmos as estufas, não sabia ao certo por que o fiz. Talvez fosse o desejo de compartilhar com ela um lugar que me trouxe conforto em momentos de angústia. Talvez fosse simplesmente o desejo de prolongar nosso tempo juntos. O que eu não esperava era que aquele momento mudasse tudo.A estufa estava banhada por uma luz dourada do fim da tarde, e o cheiro de terra e flores frescas preenchia o ar. Sophie caminhava à minha frente, parando ocasionalmente para admirar as plantas. Havia algo encantador na maneira como ela tocava as folhas com cuidado, como se cada uma fosse preci
Collin BlackwoodO silêncio entre Sophie e eu era uma presença insuportável, preenchendo cada canto da casa com um peso que eu não sabia como aliviar. Desde que ela encontrou a carta, a distância entre nós crescia. Não era apenas uma questão de palavras não ditas; era a dor de saber que eu havia falhado em protegê-la de um pedaço do meu passado que não significava nada agora, mas que ainda tinha o poder de causar estragos no presente.Eu não poderia permitir que esse abismo crescesse. Não agora, quando Sophie estava carregando meu filho. Precisava encontrar uma forma de reconquistá-la, de mostrar a ela que meu amor era verdadeiro e inabalável.Naquela manhã, tomei uma decisão.– Milady – chamei, batendo suavemente na porta do quarto.Sophie estava sentada perto da janela, olhando para o horizonte. Seu perfil estava tranquilo, mas seus olhos não tinham o mesmo brilho de antes.– O que foi, Collin? – perguntou, sua voz neutra.Entrei, tentando não invadir seu espaço.– Quero te levar a