02 - Thomas
Uma semana se passou desde que confrontei César e o informei sobre meus planos. Ele não apareceu na empresa novamente, mas está na minha mira. Não vou permitir que fuja ou se esconda antes que meus planos de vingança sejam concretizados. Aposto que acha que estava blefando quando disse que ia tomar seu bem mais precioso, provavelmente contando com a amizade, mas eu não estava. Apenas tinha coisas mais importantes para fazer, como me reunir com diversos especialistas para ver a melhor forma de sair desse golpe sem perder muito.
Eu odeio perder qualquer coisa. Odeio que as coisas não estejam ao meu alcance, que eu não tenha o controle de cada respiração dentro da empresa. As coisas vão voltar ao que eram antes, custe o que custar. Custe quem custar.
Alarmo o carro depois de estacionar na frente o prédio que já visitei mais vezes do que consigo contar. Ando até a portaria e sou facilmente recebido pelo porteiro que me conhece muito bem e nunca me anuncia. Subo o elevador olhando minha imagem no espelho. Ajusto as mangas da camisa social e passo a mão nos cabelos, aguardando a subida lenta em direção à cobertura. Assim que as portas metálicas se abrem, ando até o apartamento dele. Toco a campainha apenas uma vez antes de a funcionária aparecer para me receber.
— Seu Thomas, que surpresa! — diz com simpatia e eu sorrio em um cumprimento. — Entra, vou chamar o seu César.
A senhora de meia-idade some pelos corredores e eu olho pelo cômodo. Busco algo de diferente, qualquer coisa que eu possa usar contra o homem, mas minha inspeção é interrompida por Paula, a esposa do meu exsócio.
— Thomas, querido… — Percebo, pelos anos de convívio e pelo seu olhar, que ela não sabe o que está acontecendo. Pelo menos ela não sabe que eu estou ciente da facada que seu marido me deu. Agora, se sabe sobre o golpe, vou descobrir agora.
— Paula — digo em um cumprimento frio, o oposto do que ela está acostumada a receber de mim. — Onde está sua família?
— César está no escritório, só está saindo de lá para comer nos últimos dias — fala e faz um gesto de indiferença com a mão, como se estivesse acostumada a isso. — Venha, querido, se sente aqui e me conte por que está tenso.
— Não quero me sentar, Paula. Vou esperar pelo seu marido aqui mesmo. — Enfio as mãos nos bolsos da calça social e olho meu reflexo na parede espelhada à minha esquerda.
Pareço mais cansado do que o normal. Noto as olheiras escuras por causa das noites acordado tentando pensar em uma solução para todos os meus problemas. Apesar disso, que não pode ser disfarçado, o resto da minha aparência está meticulosamente no lugar: terno alinhado, roupa bem passada, o cabelo preto bem cortado e penteado para trás, a barba escura e bem aparada. Só quem me conhece bem demais e está atento aos detalhes que ia conseguir notar os sinais de cansaço e de estresse. Felizmente, existem poucas pessoas dessas na minha vida.
— Thomas… — Escuto a voz do homem e volto meu olhar para onde ele está.
Seu rosto está completamente fodido da surra que levou de mim e é inevitável abrir um sorriso fraco.
— Você parece bem — zombo e vejo seu maxilar travado, sinal de que está com muita raiva. Ótimo. Para mim, quanto mais choro, ira e sofrimento, melhor.
— O que você quer? — pergunta e olha para sua esposa sentada no sofá, como se só agora tivesse notado a sua presença. — Minha preciosa, você pode nos dar licença por alguns minutos? Temos negócios a tratar.
— Ah, Paula, não precisa sair — falo, tendo a minha resposta. Ele escondeu a verdade da sua mulher. — Eu sei que vocês não têm segredos entre si. Não vou ser eu a mudar isso.
— Thomas, deixa a minha mulher fora disso… — César aponta para mim, mas não consigo mesmo o levar a sério com esses olhos e nariz inchados e roxos, boca cortada e o resto do rosto com uma coloração meio verde.
— Mas por quê, meu amigo?
A mulher alta e esguia, com os cabelos castanho-escuros cortados nos ombros e olhos da mesma cor, me encara com desconfiança. Olha de mim para o marido e eu aproveito para deixar o caos reinar por alguns minutos.
Vejo vários porta-retratos espalhados pelos poucos móveis da sala de visitas imensa e me aproximo deles. Cecília está na maioria das fotos, desde a bebê com a cabeça cheia de fios ruivos como o do pai até adolescente, de óculos de grau e aparelho. Não a vejo desde que ela se mudou para estudar fora, mas me lembro da menina calada, comportada e educada que vivia grudada no pai. O seu maior orgulho, seu cristal…
— Fica longe da minha filha, seu doente do caralho! — César exclama e eu me viro a tempo de ver o olhar de choque no rosto de Paula.
— O que é isso, César? Ficou doido? — ela pergunta e o homem passa a mão pelo cabelo.
— Querida, prometo que te explico depois. Mas eu preciso mesmo conversar com Thomas a sós.
— Senta aqui, Paula — digo, ignorando o homem, que me fuzila com o olhar enquanto me aproximo da sua mulher. — Nossa, você está com um cheiro fantástico hoje.
— Eu… — Ela arregala os olhos e se senta no sofá, enquanto eu me ajeito ao seu lado. Seu rosto branco cora até a raiz dos cabelos e seguro a risada. — Obrigada.
Nunca fui nada além de cortês com ela, afinal, eu valorizava demais a amizade com César para sequer pensar em algo assim. Paula acabou se tornando minha irmã também no caminho, mas agora que a amizade acabou, faço questão de usar tudo para irritar o homem.
— O que acontece é que vou me casar com a sua filha — falo e o rosto que já estava surpreso se torna cômico.
— Como é? Com… Cecília? — indaga, se levantando do sofá de uma vez. — Desde quando? Você sabe que minha filha só tem dezenove anos, não é? Ela é uma menina!
— Eu sei, Paula. Pretendo a respeitar, claro — falo e sua expressão parece se suavizar, mas não contenho a gargalhada. — Ah, vocês dois… São tão fáceis de serem enganados.
— O que… O que está acontecendo, César? — ela pergunta para o marido, que solta um suspiro longo e uma sequência de xingamentos antes de se virar para ela.
Ele abre e fecha a boca mais vezes do que consigo contar e isso começa a me irritar. O homem tem coragem de afundar a minha empresa a sangue frio, mas não tem coragem de contar a verdade à sua mulher. O quão patético isso é?
— Pode deixar que eu te ajudo — digo e aperto o ombro dele com força. — É o seguinte, Paula: o seu marido me roubou. Estava há anos roubando minha empresa para sustentar as suas futilidades, segundo ele.
Espero a mulher processar a informação, de olhos arregalados, boca aberta, corpo paralisado. Seu olho vai incrédulo de mim para seu marido.
— Você não fez isso, César… — ela sussurra e seus olhos se enchem de lágrimas. Queria dizer que fico com pena, mas não fico. César me fez perder a esperança na humanidade e me ensinou que qualquer coisa pode ser mentira, um teatro para me enganar.
— Ah, querida, não chora… Eu vou cuidar direitinho da sua filha.
— Mas… O que você se casar com Cecília vai resolver?
— Minha preciosa, tudo vai ficar bem. — César se aproxima e arruma os cabelos da esposa, os colocando atrás das orelhas antes de se virar para mim com raiva. — Vou convencer Thomas de que isso é uma insanidade.
— Não perca seu tempo, César — falo e ele se vira para mim.
— Quem é você? Que tipo de pessoa se tornou? Você é mesmo capaz de uma coisa tão baixa? Se envolver com Cecília apenas para me ferir? Você a viu nascer! Você estava ao meu lado quando comemorei que ela deu os primeiros passos!
— Verdade, César. Eu… — Toco os cabelos e solto um suspiro. Em seguida, abro um sorriso de orelha a orelha. — Não me importo. Me poupe do seu discurso melodramático. Eu vou me casar com ela e ponto final. Quero o endereço de onde sua cristalzinho está até amanhã de manhã. Acredite em mim, meu amigo, as coisas podem ficar muito piores se você não colaborar.
Olho mais uma vez para o porta-retratos de Cecília e sorrio quando César tenta vir para cima de mim, mas é impedido por sua mulher.
— Até amanhã de manhã, César. Estou esperando.
Faço um sinal com os dedos da lateral da cabeça e ando em direção à porta.
— Os jantares de família vão ser interessantes, não acham? Até mais, sogros.
Escuto milhares de xingamentos gritados por César antes de eu fechar a porta. Enquanto desço pelo elevador, penso que vai ser um pé no saco ter que me casar para os meus planos se concretizarem. Não que eu esperasse me casar por amor um dia ou nada do tipo, o que eu tinha em mente era exatamente isso: um casamento por conveniência. Mas é uma merda que isso tenha que ser justamente com uma pirralha que mal saiu das fraldas.
Só que vou fazer o que tiver que fazer para que meu império seja vingado. Desistir não está nos meus planos.
03 - Cecília Parece que foi ontem que eu me mudei para cá, que minha mãe estava chorando no aeroporto e prometendo que ia me ligar todos os dias. Eu fiquei com muito medo no começo porque nunca tinha morado sozinha, ainda por cima em um país onde não conhecia ninguém. Foi por isso que eu decidi morar em uma sororidade, igual às meninas dos filmes das universidades americanas que eu adorava assistir quando era mais nova. Pelo menos assim eu não ia ficar sozinha.Meu pai não queria. Ele é muito ciumento e cismou que eu ia passar todo o meu tempo livre enfiada em festas e bebendo ao invés de estudar. Precisei prometer que ia me comportar para ele concordar. César Magalhães nunca conseguiu dizer não para mim mesmo. Mas era verdade, eu realmente ia me comportar. Até porque nunca me interessei em ir em festas nem encher a cara.Eu terminei o ensino médio bem cedo, com dezesseis anos, e sempre quis estudar para poder trabalhar com ele, então quando ele decidiu que ia me mandar aqui para Nov
04 - CECÍLIAAs aulas começaram tem pouco mais de um mês, mas já é começo de outubro e está começando a esfriar. O inverno aqui é muito diferente do que o que eu cresci acostumada em São Paulo, e eu simplesmente amo a neve. Mal posso esperar para a cidade estar toda coberta em branco.Quando saio da aula já está no final da tarde e eu ando pelo campus da faculdade em direção à casa da minha sororidade. Só então lembro do celular que comprei mais cedo e vasculho a minha bolsa atrás do aparelho que ainda está desligado. Vou caminhando e configurando o celular, e só termino quando já estou na porta de casa.Tudo finalmente conecta e meu celular sincroniza. Dezenas de mensagens dos meus pais começam a pular na tela. Eu estranho. Tudo bem que fiquei alguns dias sem celular, mas nem eles tentam falar tanto assim comigo. Abro as mensagens enquanto entro na casa. Várias delas só pedem para eu ligar para casa e dizem que precisam falar comigo.Começo a ficar preocupada e estou tão distraída qu
Cecília— Pronto, a gente pode conversar aqui.Eu fecho a porta do meu quarto e o lugar parece muito pequeno. Não é, é bem espaçoso que nem todos os quartos dessa casa, mas Thomas é grande, alto e forte, e parece que toma todo o lugar. Ele está olhando ao redor, para a decoração do quarto, e eu não sei por que fico tão nervosa, mas fico. Ele anda pelo quarto e vai até a penteadeira que fica no canto da parede. Pega um porta-retratos com uma foto minha com meus pais e abre um sorriso que arrepia a minha espinha. Parece maldoso, mas não faz sentido que seja, já que ele sempre foi um ótimo amigo da família.— Está tudo bem? — eu pergunto. Ele não fala nada. Só faz que sim com a cabeça e continua olhando para a foto por mais alguns segundos.— Então seu pai não te ligou? — ele pergunta e eu começo a ficar preocupada. Pego o celular da bolsa e começo a ler rapidamente as mensagens que perdi nos últimos dias.— Meu celular estragou há alguns dias, só consegui comprar outrohoje — digo sem o
ThomasEscuto com atenção enquanto Cecília conversa com seu querido pai pelo telefone. Vejo o segundo em que seu rosto se transforma de preocupação para puro desespero. Sento, espero e olho para o relógio com impaciência. Estou entediado.— Como você pôde fazer isso, papai? — a garota sussurra em um fio de voz e as lágrimas escorrem pelo seu rosto pálido.Espero.Acompanho toda a raiva despejada de um jeito até meigo, até que Cecília desliga o telefone.— Oh, querida, eu sinto muito. Sabe que sempre tive seu pai como um irmão. Estou tão decepcionado quanto você. — Abro um sorriso cínico, porque sei que vou usar a tristeza que vejo no seu rosto agora contra seu pai.— Como você pôde? — ela explode enquanto limpa as lágrimas com raiva do rosto.— Como eu… — Olho para ela com surpresa pela explosão. — Como eu pude? Como o seu pai pôde seria a pergunta certa, garota!— Você se acha muito melhor do que ele, não é? Acha que pode simplesmente sair comprando as pessoas para pagar os erros das
Quando estou livre de todos os compromissos, volto para o hotel. Espero encontrar a ruivinha nervosa ali, então vou direto para a suíte presidencial onde ela está. Bato na porta, mas ninguém me responde. Volto a bater, impaciente com a atitude adolescente.— Cecília, abre essa porta!Como não tenho resposta, pego meu celular e ligo para o motorista que ficou encarregado de levar a garota até a sororidade onde ela mora. Ele atende no primeiro toque.— Sim, senhor?— Onde ela está? Onde está Cecília? — pergunto, impaciente.— Eu a deixei lá, senhor. Ela disse que ia precisar de tempo para organizar tudo, mas que depois me ligava.— E quanto tempo faz isso?— Al-Algumas horas, senhor — o idiota gagueja e eu praguejo. Desligo o telefone na sua cara e ando a passos largos até a saída do hotel.Pirralha irritante.O que era para ser uma coisa tranquila está se transformando em uma maldita dor de cabeça. Preciso que aquela garota entenda de uma vez que a vida do seu pai está nas minhas mãos.
CecíliaNão sei o que é pior, se é a dor de cabeça que me faz querer chorar ou a vergonha que me impede de sair da cama. Meu Deus, onde eu estava com a cabeça? Tento me lembrar do que aconteceu na noite passada, mas só me lembro de alguns pedaços.Ouço a batida na porta e uma senhorinha entra trazendo remédio para dor de cabeça. Agradeço e fico olhando confusa para o comprimido na minha mão quando ela sai. Não achei que Thomas fosse mesmo trazer remédio para mim. Parece que existe uma pessoa decente embaixo daquela pose de homem arrogante, no fim das contas.Me arrasto para fora da cama e tomo um banho. Quase choro quando me olho no espelho e vejo o estado horrível que eu estou. Sofro para conseguir tirar a maquiagem toda borrada do rosto e desisto de tentar ficar pelo menos um pouquinho apresentável. Prendo o cabelo de qualquer jeito em um coque frouxo e visto a primeira coisa que vejo dentro da minha mala, uma blusa qualquer e calça jeans.Mordo a unha dentro do elevador enquanto de
Cecília Magalhães— Eu estava preocupada com você.Abraço o travesseiro e suspiro quando Kelly se arruma na cama do meu lado.Faz alguns dias desde que minha vida virou do avesso e eu estou sem saber o que fazer. Estou ficando desesperada por estar perdendo aulas, mas mandei e-mail para alguns dos professores e eles me deixaram repor depois. Só que eu quero minha vida de volta. Não quero ficar presa em um quarto de hotel esperando pela boa vontade de um tirano arrogante que decidiu me fazer de fantoche.Meu pai não para de ligar, mas não atendi o telefone nenhuma vez. Não quero falar com ele, não quero ouvir suas desculpas. Da última vez que falei com mamãe, ela disse que ele está sofrendo muito com toda essa situação, mas e eu? Estou pagando por um erro que não é meu e eles não estão fazendo nada para me ajudar.— Eu estou bem — minto e tento sorrir para a minha melhor amiga.— Não entendi nada quando aquele cara foi te buscar na festa. Só te deixei ir com ele porque ele falou o nome
Thomas de AlbuquerqueEspero por Cecília na sala de reuniões do hotel. O advogado está do meu lado, revendo a papelada que solicitei que revisasse e trouxesse pronta para hoje. A maldita garota está atrasada e preciso controlar a vontade de ir atrás dela e sacudi-la até que entenda que precisa agir diferente do que está acostumada a partir de agora. Não vou me envolver com alguém que corre o risco de manchar a boa imagem que sempre passei para a mídia. A garota vai ter que andar na linha.Escuto uma batidinha leve na porta minutos depois e sei que é ela.— Entra.Estou de costas para a porta e ouço os passos hesitantes se aproximando.— Você está atrasada, Cecília. Quando eu marcar um horário com você, chegue nele. Nem um minuto depois.— Eu me perdi. Não sabia onde era a sala de reunião — ela sussurra e anda até a cadeira do outro lado da mesa, oposto ao meu.Arqueio a sobrancelha quando vejo que ela se produziu toda. A roupa folgada não existe mais e muito menos o pijama horrível e