Cecília
— Pronto, a gente pode conversar aqui.
Eu fecho a porta do meu quarto e o lugar parece muito pequeno. Não é, é bem espaçoso que nem todos os quartos dessa casa, mas Thomas é grande, alto e forte, e parece que toma todo o lugar. Ele está olhando ao redor, para a decoração do quarto, e eu não sei por que fico tão nervosa, mas fico. Ele anda pelo quarto e vai até a penteadeira que fica no canto da parede. Pega um porta-retratos com uma foto minha com meus pais e abre um sorriso que arrepia a minha espinha. Parece maldoso, mas não faz sentido que seja, já que ele sempre foi um ótimo amigo da família.
— Está tudo bem? — eu pergunto. Ele não fala nada. Só faz que sim com a cabeça e continua olhando para a foto por mais alguns segundos.
— Então seu pai não te ligou? — ele pergunta e eu começo a ficar preocupada. Pego o celular da bolsa e começo a ler rapidamente as mensagens que perdi nos últimos dias.
— Meu celular estragou há alguns dias, só consegui comprar outro
hoje — digo sem olhar para ele porque estou olhando para a tela. — Mamãe me mandou várias mensagens, mas só estou vendo agora. Aqui ela diz que precisa falar comigo sobre… você?
Olho para ele, confusa, e mostro o celular. Thomas coloca o porta-retratos de novo na penteadeira e vem até mim. Ele pega o celular, começa a passar o dedo pela tela para ver as mensagens e abre outro daquele sorriso que parece perigoso. Quando ele olha para mim, os olhos parecem estar pegando fogo.
— Sua mãe provavelmente só queria te avisar que eu vim te buscar, Cecília — ele diz e dá um passo para mais perto de mim. Quase prendo a respiração pela surpresa. Thomas nunca chegou tão perto de mim assim.
Quando eu vim para cá, eu era uma garotinha. Thomas me deu alguns presentes de aniversário, mas foi só isso. Não acho que ele ia saber nem dizer a cor dos meus olhos se precisasse. É a primeira vez que eu o vejo depois de… adulta. É estranho como eu o acho tão mais bonito agora.
Não posso mentir, eu tinha sim uma queda pelo amigo do papai. Mas era coisa de adolescente. É claro que eu tinha uma queda por ele. Thomas de Albuquerque é o homem dos sonhos de qualquer garota. Bonito, rico, com um olhar que faz as pernas de qualquer mulher ficarem bambas. Faz quase quatro anos que eu não o via e parece que ele só ficou mais bonito com o tempo.
— Me buscar… para quê? — pergunto com um fio de voz.
Seus olhos sobem e descem por mim e eu prendo a respiração quando Thomas estica a mão e toca uma mecha do meu cabelo.
— Você virou uma mulher linda, Cecília. Não estava esperando por isso.
— O-Obrigada — gaguejo. O sorriso dele se amplia.
— Agora entendo por que seu pai protege tanto você — ele diz e dá mais um passo para perto de mim. Eu prendo a respiração, sem entender o que está acontecendo, mas sentindo meu coração bater disparado no peito. — Mas você não precisa se preocupar. Vou cuidar bem de você, garota.
Mordo a ponta do lábio e tento manter os olhos presos no dele, mas a proximidade é demais. Principalmente quando vejo Thomas respirar fundo olhando para a minha boca.
Ele me solta bruscamente e eu quase caio porque me desequilibro pela surpresa. Thomas se afasta alguns passos e passa uma mão irritada pelo cabelo.
— Arrume suas coisas — diz, agora grosseiro, e me confunde. — Tenho alguns assuntos para resolver, mas o motorista vem te buscar daqui a meia hora.
— Arrumar minhas coisas? Para onde eu estou indo? — pergunto quando ele começa a ir em direção à porta para ir embora.
Ele suspira exasperado e olha para mim.
— Vou te levar para um dos nossos hotéis — explica. — Você vai ficar lá por um tempo, até tudo se acertar.
— Que tudo? — pergunto, cada vez mais confusa. — Eu tenho aula, tenho uma casa, eu não… O que está acontecendo? Não posso simplesmente ir embora com você assim sem saber o que está acontecendo.
Thomas aperta os olhos e abre um sorriso carinhoso. Abaixa a voz e pergunta:
— Você me conhece desde que nasceu, Cecília. Sabe que eu não faria nada para te machucar. Se estou aqui para te buscar, é porque é o melhor para você. — Ele tomba a cabeça para o lado e sorri ainda mais. — Você confia em mim, não confia?
Faço que sim com a cabeça, porque é verdade. Papai sempre disse que se um dia alguma coisa acontecesse com ele e com a minha mãe, Thomas ia cuidar de mim.
— Tudo bem — concordo, e ele assente.
— Quando chegar lá, você liga para o seu pai e vocês conversam sobre o que está acontecendo — ele garante. — Vocês dois vão precisar ter uma conversa muito longa.
**
Eu reconheço o hotel, porque já fiquei aqui algumas vezes. É um dos mais luxuosos do centro de Nova Iorque, e um dos mais caros também. A recepção é grande e chamativa. Assim que eu entro, um dos funcionários vem para pegar a minha mala.
Ando até a mesa da recepção e uma mulher loira sorri para mim de um jeito profissional, mas antes que ela possa falar qualquer coisa, vejo seus olhos se arregalando e eu sinto uma mão na base das minhas costas.
— Cecília vai precisar de uma chave. — A voz de Thomas chega grave em meu ouvido e me arrepia. A mulher faz que sim com a cabeça e começa a digitar alguma coisa no computador. Meu corpo fica rígido quando sinto a boca dele na minha orelha. — Espero que a suíte presidencial seja boa o suficiente para você. Eu não ia querer que a princesinha do César ficasse desconfortável.
Não respondo nada, porque desaprendi a falar. Meu coração b**e tão rápido no peito que não sei nem explicar o que está acontecendo. A mão dele sobe e desce pelas minhas costas e meu corpo inteiro fica quente de um jeito que nunca ficou antes. Meu Deus, o que está acontecendo comigo?
— Aqui está, senhor — a recepcionista avisa e estende um cartão na direção dele.
Não consigo dizer nada no caminho até o último andar do prédio alto, porque estou estranhamente nervosa. Quando chegamos no quarto certo, minha mala já está lá e Thomas entra comigo. Ele se senta na cama enquanto eu continuo incerta sobre o que está acontecendo.
Nervosa, coloco o cabelo atrás da orelha e pego o telefone no bolso da minha calça mais uma vez. Tentei ligar para os meus pais enquanto vinha para cá, mas nenhum dos dois atendeu. Não sei se é por causa da diferença de horário entre Nova Iorque e São Paulo ou se eles tão ocupados com trabalho, mas nenhum dos dois pegou as ligações. Estou começando a ficar muito preocupada.
Thomas me olha como se analisasse cada movimento meu e é impossível saber o que ele está pensando. Ele usa o mesmo terno que estava usando mais cedo e afrouxa a gravata, ainda olhando para mim. É desconcertante, e eu desvio o olhar.
— Você vai ficar confortável aqui? — ele pergunta. Eu faço que sim com a cabeça e abro a boca para perguntar o que acontece agora, mas o celular dele começa a tocar. Olho para ele enquanto pega o aparelho dentro do bolso do paletó e abre um sorriso enorme. — Olha só quem resolveu ligar. É o seu pai. — Ele leva o celular à orelha. — César, meu amigo, você vai ficar muito satisfeito de saber que sua princesa está comigo, sã e salva.
Dou um passo para perto dele, e não sei o que papai diz do outro lado da linha, mas Thomas sorri ainda mais.
— É claro que ela está bem. Gostaria de falar com a sua filha? — ele oferece com uma risada. — Perfeito. Assim você pode explicar para ela o que está acontecendo.
Thomas se levanta da cama e vem até mim. Me entrega o celular e abaixa a boca até a minha orelha.
— Não é nada pessoal com você, Cecília. São apenas negócios — ele diz e a respiração quente no meu pescoço me faz arrepiar.
Dou um passo para trás e vejo seu olhar divertido e malicioso. Trago o celular à orelha com um pressentimento ruim.
— Pai? — digo ao telefone e ouço um suspiro pesado do outro lado da linha.
— Cecília, meu amor, como você está? Você está bem? Onde você está?
Franzo o cenho, sem entender.
— Eu estou em um dos hotéis — explico, olhando para Thomas. — O que está acontecendo? Por que o senhor Albuquerque veio me buscar?
— Oh, meu amor, eu sinto muito — papai diz do outro lado da linha.
— Eu sinto tanto, querida.
— Você está me assustando — sussurro, mexendo no cabelo por causa do nervosismo. — O que aconteceu?
— Cecília… Eu cometi um erro. E é você que vai ter que pagar por isso, meu amor.
ThomasEscuto com atenção enquanto Cecília conversa com seu querido pai pelo telefone. Vejo o segundo em que seu rosto se transforma de preocupação para puro desespero. Sento, espero e olho para o relógio com impaciência. Estou entediado.— Como você pôde fazer isso, papai? — a garota sussurra em um fio de voz e as lágrimas escorrem pelo seu rosto pálido.Espero.Acompanho toda a raiva despejada de um jeito até meigo, até que Cecília desliga o telefone.— Oh, querida, eu sinto muito. Sabe que sempre tive seu pai como um irmão. Estou tão decepcionado quanto você. — Abro um sorriso cínico, porque sei que vou usar a tristeza que vejo no seu rosto agora contra seu pai.— Como você pôde? — ela explode enquanto limpa as lágrimas com raiva do rosto.— Como eu… — Olho para ela com surpresa pela explosão. — Como eu pude? Como o seu pai pôde seria a pergunta certa, garota!— Você se acha muito melhor do que ele, não é? Acha que pode simplesmente sair comprando as pessoas para pagar os erros das
Quando estou livre de todos os compromissos, volto para o hotel. Espero encontrar a ruivinha nervosa ali, então vou direto para a suíte presidencial onde ela está. Bato na porta, mas ninguém me responde. Volto a bater, impaciente com a atitude adolescente.— Cecília, abre essa porta!Como não tenho resposta, pego meu celular e ligo para o motorista que ficou encarregado de levar a garota até a sororidade onde ela mora. Ele atende no primeiro toque.— Sim, senhor?— Onde ela está? Onde está Cecília? — pergunto, impaciente.— Eu a deixei lá, senhor. Ela disse que ia precisar de tempo para organizar tudo, mas que depois me ligava.— E quanto tempo faz isso?— Al-Algumas horas, senhor — o idiota gagueja e eu praguejo. Desligo o telefone na sua cara e ando a passos largos até a saída do hotel.Pirralha irritante.O que era para ser uma coisa tranquila está se transformando em uma maldita dor de cabeça. Preciso que aquela garota entenda de uma vez que a vida do seu pai está nas minhas mãos.
CecíliaNão sei o que é pior, se é a dor de cabeça que me faz querer chorar ou a vergonha que me impede de sair da cama. Meu Deus, onde eu estava com a cabeça? Tento me lembrar do que aconteceu na noite passada, mas só me lembro de alguns pedaços.Ouço a batida na porta e uma senhorinha entra trazendo remédio para dor de cabeça. Agradeço e fico olhando confusa para o comprimido na minha mão quando ela sai. Não achei que Thomas fosse mesmo trazer remédio para mim. Parece que existe uma pessoa decente embaixo daquela pose de homem arrogante, no fim das contas.Me arrasto para fora da cama e tomo um banho. Quase choro quando me olho no espelho e vejo o estado horrível que eu estou. Sofro para conseguir tirar a maquiagem toda borrada do rosto e desisto de tentar ficar pelo menos um pouquinho apresentável. Prendo o cabelo de qualquer jeito em um coque frouxo e visto a primeira coisa que vejo dentro da minha mala, uma blusa qualquer e calça jeans.Mordo a unha dentro do elevador enquanto de
Cecília Magalhães— Eu estava preocupada com você.Abraço o travesseiro e suspiro quando Kelly se arruma na cama do meu lado.Faz alguns dias desde que minha vida virou do avesso e eu estou sem saber o que fazer. Estou ficando desesperada por estar perdendo aulas, mas mandei e-mail para alguns dos professores e eles me deixaram repor depois. Só que eu quero minha vida de volta. Não quero ficar presa em um quarto de hotel esperando pela boa vontade de um tirano arrogante que decidiu me fazer de fantoche.Meu pai não para de ligar, mas não atendi o telefone nenhuma vez. Não quero falar com ele, não quero ouvir suas desculpas. Da última vez que falei com mamãe, ela disse que ele está sofrendo muito com toda essa situação, mas e eu? Estou pagando por um erro que não é meu e eles não estão fazendo nada para me ajudar.— Eu estou bem — minto e tento sorrir para a minha melhor amiga.— Não entendi nada quando aquele cara foi te buscar na festa. Só te deixei ir com ele porque ele falou o nome
Thomas de AlbuquerqueEspero por Cecília na sala de reuniões do hotel. O advogado está do meu lado, revendo a papelada que solicitei que revisasse e trouxesse pronta para hoje. A maldita garota está atrasada e preciso controlar a vontade de ir atrás dela e sacudi-la até que entenda que precisa agir diferente do que está acostumada a partir de agora. Não vou me envolver com alguém que corre o risco de manchar a boa imagem que sempre passei para a mídia. A garota vai ter que andar na linha.Escuto uma batidinha leve na porta minutos depois e sei que é ela.— Entra.Estou de costas para a porta e ouço os passos hesitantes se aproximando.— Você está atrasada, Cecília. Quando eu marcar um horário com você, chegue nele. Nem um minuto depois.— Eu me perdi. Não sabia onde era a sala de reunião — ela sussurra e anda até a cadeira do outro lado da mesa, oposto ao meu.Arqueio a sobrancelha quando vejo que ela se produziu toda. A roupa folgada não existe mais e muito menos o pijama horrível e
Thomas de AlbuquerqueAssim que cheguei a São Paulo, vim direto para a empresa porque agora, mais do que nunca, o descanso não faz parte da minha vida. Consegui investidores em Nova Iorque, mas a confusão está longe de acabar. O prejuízo deixado nos cofres da empresa foi grande. O homem além de roubar grande parte do caixa destinado à mão de obra, sabotou a compra dos materiais, trocando os de boa qualidade para uma inferior, mas não era isso o que apareciam nas notas fiscais.Só de pensar na pilantragem daquele desgraçado, fico mais motivado ainda a destruí-lo. A dor de cabeça que estou tendo agora não vai ficar por isso mesmo.Estou trabalhando concentrado, relendo e-mails, revendo relatórios, quando escuto uma batidinha na porta.— Pode entrar.— Senhor… — Diana parece agitada. — Os seguranças entraram em contato dizendo que César está tentando falar com o senhor lá embaixo. Ele parece furioso, e como proibiu sua entrada… — Pode o deixar entrar, Diana.Ela acena, prestativa, e sai
Cecília MagalhãesImaginei que fosse ficar mais fácil depois do primeiro porre, mas não ficou. Minha cabeça parece a ponto de explodir e tudo dói. Parece que está tudo claro demais, barulhento demais. Demoro alguns segundos para reconhecer onde estou e percebo que estou na minha cama na casa da sororidade.Desde que o arrogante de marca maior do Thomas voltou para o Brasil e me deixou em paz, voltei a morar aqui. Mas agora tudo parece meio estranho. Diferente. Como se minha vida fosse outra. E é outra mesmo. Tudo que eu conhecia ruiu como se fosse feito de areia e agora estou tão perdida que não sei o que fazer comigo mesma. Perdi a motivação de ir para as aulas que tanto amo. Para quê? Não vou nunca poder trabalhar na empresa de papai, se bobear não vou poder trabalhar nunca. Não duvido que o idiota do Thomas me tranque em casa como se eu fosse um enfeite de mesa.Ainda vou me formar, porque não vou jogar fora todo o meu trabalho duro. Vou terminar o semestre e pegar meu diploma, mas
Não sei se foi o álcool que ainda não saiu do meu organismo, a noite mal dormida, a preocupação com o que vai acontecer daqui para frente ou a completa vergonha que estou sentindo, mas estou a ponto de desmaiar.O jantar foi uma tortura e a viagem da casa dos pais de Kelly até o hotel também. Estou tonta e preciso me segurar na parede do elevador para não cair. Thomas manteve uma distância gigantesca de mim desde o… incidente no quarto mais cedo e mal olhou na minha direção. Acho que a primeira vez que tira a cara do celular e olha na minha direção.— O que foi? — ele pergunta com um vinco entre as sobrancelhas. —Você está pálida.— Não é nada — digo baixinho, sem querer dar o braço a torcer. Ele me olha de cima a baixo como se tentasse decidir se acredita em mim e dá um passo na minha direção.— Cecília? — pergunta e me segura bem a tempo antes que eu desabe no chão. — Puta que pariu, garota teimosa do cacete. Por que não disse que estava passando mal? — pergunta e me pega no colo.