04 - CECÍLIA
As aulas começaram tem pouco mais de um mês, mas já é começo de outubro e está começando a esfriar. O inverno aqui é muito diferente do que o que eu cresci acostumada em São Paulo, e eu simplesmente amo a neve. Mal posso esperar para a cidade estar toda coberta em branco.
Quando saio da aula já está no final da tarde e eu ando pelo campus da faculdade em direção à casa da minha sororidade. Só então lembro do celular que comprei mais cedo e vasculho a minha bolsa atrás do aparelho que ainda está desligado. Vou caminhando e configurando o celular, e só termino quando já estou na porta de casa.
Tudo finalmente conecta e meu celular sincroniza. Dezenas de mensagens dos meus pais começam a pular na tela. Eu estranho. Tudo bem que fiquei alguns dias sem celular, mas nem eles tentam falar tanto assim comigo. Abro as mensagens enquanto entro na casa. Várias delas só pedem para eu ligar para casa e dizem que precisam falar comigo.
Começo a ficar preocupada e estou tão distraída que não noto ninguém até que esbarro em uma das garotas que mora comigo.
— Desculpa — digo e olho para ela.
A menina tem os olhos arregalados e a boca aberta em animação.
— O que foi? — eu pergunto e ela aponta para a sala.
— Você tem visita.
— Eu? — pergunto confusa. Ela faz que sim com a cabeça e eu vou para lá. Vejo mais três ou quatro meninas circundando o sofá e me pergunto quem está aqui para ter essa recepção toda.
Travo no lugar quando vejo o homem bonito dentro de um terno elegante, com o cabelo preto bem arrumado e um sorriso sedutor para uma das garotas, que nem disfarça que está toda derretida por ele.
— Anh…
Perco as palavras, mas o som atrai a atenção dele. Thomas de Albuquerque me olha e franze o cenho, como se não me reconhecesse.
— Cecília? — pergunta com a voz confusa.
Aperta os olhos e me olha de cima a baixo com interesse no olhar. Estremeço no lugar. Conheço o amigo de papai há muitos anos, mas ele nunca me olhou assim. Quando ele volta a olhar para o meu rosto, tem uma sobrancelha arqueada. Sinto um arrepio na coluna quando um sorriso malicioso corta o seu rosto de ponta a ponta.
Ele se levanta.
— Thomas? — falo finalmente quando recupero a voz. Sinto meu rosto pegar fogo, porque ele não desvia o olhar enquanto dá alguns passos na minha direção. Aperto a bolsa na frente do corpo como se pudesse me proteger do brilho malicioso nos seus olhos claros, mas decido que devo estar ficando maluca. É claro que estou entendendo tudo errado e ele não está me olhando com desejo nenhum. — O que você está fazendo aqui?
— Seu pai não te disse? — ele pergunta em português, abrindo ainda mais o sorriso no rosto. — Eu vim te buscar.
Cecília— Pronto, a gente pode conversar aqui.Eu fecho a porta do meu quarto e o lugar parece muito pequeno. Não é, é bem espaçoso que nem todos os quartos dessa casa, mas Thomas é grande, alto e forte, e parece que toma todo o lugar. Ele está olhando ao redor, para a decoração do quarto, e eu não sei por que fico tão nervosa, mas fico. Ele anda pelo quarto e vai até a penteadeira que fica no canto da parede. Pega um porta-retratos com uma foto minha com meus pais e abre um sorriso que arrepia a minha espinha. Parece maldoso, mas não faz sentido que seja, já que ele sempre foi um ótimo amigo da família.— Está tudo bem? — eu pergunto. Ele não fala nada. Só faz que sim com a cabeça e continua olhando para a foto por mais alguns segundos.— Então seu pai não te ligou? — ele pergunta e eu começo a ficar preocupada. Pego o celular da bolsa e começo a ler rapidamente as mensagens que perdi nos últimos dias.— Meu celular estragou há alguns dias, só consegui comprar outrohoje — digo sem o
ThomasEscuto com atenção enquanto Cecília conversa com seu querido pai pelo telefone. Vejo o segundo em que seu rosto se transforma de preocupação para puro desespero. Sento, espero e olho para o relógio com impaciência. Estou entediado.— Como você pôde fazer isso, papai? — a garota sussurra em um fio de voz e as lágrimas escorrem pelo seu rosto pálido.Espero.Acompanho toda a raiva despejada de um jeito até meigo, até que Cecília desliga o telefone.— Oh, querida, eu sinto muito. Sabe que sempre tive seu pai como um irmão. Estou tão decepcionado quanto você. — Abro um sorriso cínico, porque sei que vou usar a tristeza que vejo no seu rosto agora contra seu pai.— Como você pôde? — ela explode enquanto limpa as lágrimas com raiva do rosto.— Como eu… — Olho para ela com surpresa pela explosão. — Como eu pude? Como o seu pai pôde seria a pergunta certa, garota!— Você se acha muito melhor do que ele, não é? Acha que pode simplesmente sair comprando as pessoas para pagar os erros das
Quando estou livre de todos os compromissos, volto para o hotel. Espero encontrar a ruivinha nervosa ali, então vou direto para a suíte presidencial onde ela está. Bato na porta, mas ninguém me responde. Volto a bater, impaciente com a atitude adolescente.— Cecília, abre essa porta!Como não tenho resposta, pego meu celular e ligo para o motorista que ficou encarregado de levar a garota até a sororidade onde ela mora. Ele atende no primeiro toque.— Sim, senhor?— Onde ela está? Onde está Cecília? — pergunto, impaciente.— Eu a deixei lá, senhor. Ela disse que ia precisar de tempo para organizar tudo, mas que depois me ligava.— E quanto tempo faz isso?— Al-Algumas horas, senhor — o idiota gagueja e eu praguejo. Desligo o telefone na sua cara e ando a passos largos até a saída do hotel.Pirralha irritante.O que era para ser uma coisa tranquila está se transformando em uma maldita dor de cabeça. Preciso que aquela garota entenda de uma vez que a vida do seu pai está nas minhas mãos.
CecíliaNão sei o que é pior, se é a dor de cabeça que me faz querer chorar ou a vergonha que me impede de sair da cama. Meu Deus, onde eu estava com a cabeça? Tento me lembrar do que aconteceu na noite passada, mas só me lembro de alguns pedaços.Ouço a batida na porta e uma senhorinha entra trazendo remédio para dor de cabeça. Agradeço e fico olhando confusa para o comprimido na minha mão quando ela sai. Não achei que Thomas fosse mesmo trazer remédio para mim. Parece que existe uma pessoa decente embaixo daquela pose de homem arrogante, no fim das contas.Me arrasto para fora da cama e tomo um banho. Quase choro quando me olho no espelho e vejo o estado horrível que eu estou. Sofro para conseguir tirar a maquiagem toda borrada do rosto e desisto de tentar ficar pelo menos um pouquinho apresentável. Prendo o cabelo de qualquer jeito em um coque frouxo e visto a primeira coisa que vejo dentro da minha mala, uma blusa qualquer e calça jeans.Mordo a unha dentro do elevador enquanto de
Cecília Magalhães— Eu estava preocupada com você.Abraço o travesseiro e suspiro quando Kelly se arruma na cama do meu lado.Faz alguns dias desde que minha vida virou do avesso e eu estou sem saber o que fazer. Estou ficando desesperada por estar perdendo aulas, mas mandei e-mail para alguns dos professores e eles me deixaram repor depois. Só que eu quero minha vida de volta. Não quero ficar presa em um quarto de hotel esperando pela boa vontade de um tirano arrogante que decidiu me fazer de fantoche.Meu pai não para de ligar, mas não atendi o telefone nenhuma vez. Não quero falar com ele, não quero ouvir suas desculpas. Da última vez que falei com mamãe, ela disse que ele está sofrendo muito com toda essa situação, mas e eu? Estou pagando por um erro que não é meu e eles não estão fazendo nada para me ajudar.— Eu estou bem — minto e tento sorrir para a minha melhor amiga.— Não entendi nada quando aquele cara foi te buscar na festa. Só te deixei ir com ele porque ele falou o nome
Thomas de AlbuquerqueEspero por Cecília na sala de reuniões do hotel. O advogado está do meu lado, revendo a papelada que solicitei que revisasse e trouxesse pronta para hoje. A maldita garota está atrasada e preciso controlar a vontade de ir atrás dela e sacudi-la até que entenda que precisa agir diferente do que está acostumada a partir de agora. Não vou me envolver com alguém que corre o risco de manchar a boa imagem que sempre passei para a mídia. A garota vai ter que andar na linha.Escuto uma batidinha leve na porta minutos depois e sei que é ela.— Entra.Estou de costas para a porta e ouço os passos hesitantes se aproximando.— Você está atrasada, Cecília. Quando eu marcar um horário com você, chegue nele. Nem um minuto depois.— Eu me perdi. Não sabia onde era a sala de reunião — ela sussurra e anda até a cadeira do outro lado da mesa, oposto ao meu.Arqueio a sobrancelha quando vejo que ela se produziu toda. A roupa folgada não existe mais e muito menos o pijama horrível e
Thomas de AlbuquerqueAssim que cheguei a São Paulo, vim direto para a empresa porque agora, mais do que nunca, o descanso não faz parte da minha vida. Consegui investidores em Nova Iorque, mas a confusão está longe de acabar. O prejuízo deixado nos cofres da empresa foi grande. O homem além de roubar grande parte do caixa destinado à mão de obra, sabotou a compra dos materiais, trocando os de boa qualidade para uma inferior, mas não era isso o que apareciam nas notas fiscais.Só de pensar na pilantragem daquele desgraçado, fico mais motivado ainda a destruí-lo. A dor de cabeça que estou tendo agora não vai ficar por isso mesmo.Estou trabalhando concentrado, relendo e-mails, revendo relatórios, quando escuto uma batidinha na porta.— Pode entrar.— Senhor… — Diana parece agitada. — Os seguranças entraram em contato dizendo que César está tentando falar com o senhor lá embaixo. Ele parece furioso, e como proibiu sua entrada… — Pode o deixar entrar, Diana.Ela acena, prestativa, e sai
Cecília MagalhãesImaginei que fosse ficar mais fácil depois do primeiro porre, mas não ficou. Minha cabeça parece a ponto de explodir e tudo dói. Parece que está tudo claro demais, barulhento demais. Demoro alguns segundos para reconhecer onde estou e percebo que estou na minha cama na casa da sororidade.Desde que o arrogante de marca maior do Thomas voltou para o Brasil e me deixou em paz, voltei a morar aqui. Mas agora tudo parece meio estranho. Diferente. Como se minha vida fosse outra. E é outra mesmo. Tudo que eu conhecia ruiu como se fosse feito de areia e agora estou tão perdida que não sei o que fazer comigo mesma. Perdi a motivação de ir para as aulas que tanto amo. Para quê? Não vou nunca poder trabalhar na empresa de papai, se bobear não vou poder trabalhar nunca. Não duvido que o idiota do Thomas me tranque em casa como se eu fosse um enfeite de mesa.Ainda vou me formar, porque não vou jogar fora todo o meu trabalho duro. Vou terminar o semestre e pegar meu diploma, mas