03 - Cecília
Parece que foi ontem que eu me mudei para cá, que minha mãe estava chorando no aeroporto e prometendo que ia me ligar todos os dias. Eu fiquei com muito medo no começo porque nunca tinha morado sozinha, ainda por cima em um país onde não conhecia ninguém. Foi por isso que eu decidi morar em uma sororidade, igual às meninas dos filmes das universidades americanas que eu adorava assistir quando era mais nova. Pelo menos assim eu não ia ficar sozinha.
Meu pai não queria. Ele é muito ciumento e cismou que eu ia passar todo o meu tempo livre enfiada em festas e bebendo ao invés de estudar. Precisei prometer que ia me comportar para ele concordar. César Magalhães nunca conseguiu dizer não para mim mesmo. Mas era verdade, eu realmente ia me comportar. Até porque nunca me interessei em ir em festas nem encher a cara.
Eu terminei o ensino médio bem cedo, com dezesseis anos, e sempre quis estudar para poder trabalhar com ele, então quando ele decidiu que ia me mandar aqui para Nova Iorque para estudar, eu já sabia o que queria fazer: contabilidade.
Nem acredito que já faz quase quatro anos e faltam seis meses para eu me formar!
— Você está linda, Cecília! Vinho é sua cor.
Eu sorrio para a minha melhor amiga, Kelly, que mora na sororidade comigo. Ela está em frente ao espelho ao meu lado com um vestido verde que tem a mesma cor dos seus olhos e fica lindo com o seu cabelo preto e longo. Olho para o meu reflexo e mordo o lábio.
— Você acha? Eu não sei.
Eu sou pequena e magra demais, então é difícil achar alguma coisa que faça parecer que eu não sou uma criança. O vestido até que ficou bonito, pelo menos faz parecer que eu tenho algum peito para encher o decote. E a cor combina com o meu cabelo ruivo.
— O Josh vai ficar doido quando te ver dentro disso — ela diz, mexendo as sobrancelhas de um jeito insinuativo, e eu me vejo corar pelo espelho.
— Não quero nada com ele, Kelly — digo e volto andando para a cabine para trocar de roupa de novo.
— Porque é idiota! — Kelly grita do lado de fora do provador. — Ele está correndo atrás de você há meses. Não entendo por que não dá uma chance para ele.
Abro a cortina depois que tiro o vestido e coloco minha calça jeans e camiseta de novo. Ela para na minha frente e me impede de passar.
— Ele é lindo, inteligente, rico e está doido por você.
— Já disse que não quero nada com ele! — reclamo e ela cruza os braços, me olhando irritada. — O quê?
— E por que não? Me dá um bom motivo para isso. Você passou a faculdade inteira fugindo de todos os caras gatos!
— Não estou interessada em nenhum deles! — digo e tento passar, mas ela me embarreira de novo.
— E por que não? — ela pergunta e eu começo a bater o pé no chão.
— Você fez alguma promessa para morrer virgem?
— Shh! — Coloco a mão na boca dela porque Kelly tem a mania de falar alto e atrai a atenção de todo mundo ao redor. Que vergonha! — Fala baixo!
Eu a empurro para o lado e fico parada no meio da loja com o vestido na mão. Ela me olha emburrada e vai trocar de roupa. Depois de pagar pelos vestidos, nós seguimos para o Starbucks para tomar um café, e Kelly continua insistindo.
— Se você acha o Josh tão maravilhoso, por que você não sai com ele? — pergunto.
— Porque eu já tenho namorado — ela diz, e eu mostro a língua. Kelly ri e segura as minhas mãos em cima da mesa da cafeteria. — Mas é sério, Cecília. Eu só me preocupo com você. Você está sempre enfiada no quarto estudando, a gente tem que te arrastar para os lugares. Você não sai, não se diverte, não faz nada!
— Eu já te disse que preciso estudar — falo e coloco uma mecha do cabelo atrás da orelha. — Papai não vai me deixar trabalhar na empresa se eu não for muito boa. Ele leva aquele lugar muito a sério. E o sócio dele então, acho que é capaz de matar alguém por causa da empresa — digo, pensando em Thomas. Ele é amigo do meu pai desde sempre e eu só me lembro da sua cara fechada e séria o tempo inteiro. Não sei nem se o homem sabe sorrir. E eu sei que ele não vai me deixar trabalhar lá só porque sou filha do seu amigo. — O que tem de bonito, tem de assustador.
Só noto que falei em voz alta quando Kelly ergue as duas sobrancelhas.
— Você tem um crush no amigo do seu pai, Cecília? — ela pergunta, e eu sinto meu rosto pegando fogo.
— É claro que não! — respondo e bebo um gole do meu café gelado. — Ele só é… bonito. Você sabe, para um cara da idade dele. Não importa! A questão é que eu preciso estudar. Esse é meu último semestre, não posso ferrar com tudo.
— Um beijinho só não vai te fazer mal — ela implica, e eu reviro os olhos rindo.
Não estou mentindo, preciso mesmo estudar. Mas não vou repetir para
ela a outra parte da verdade. O Josh é legal, ele é muito bonito e divertido, inteligente, mas… Não é o cara. É idiota, mas eu quero meu príncipe encantado, um cara que me tire do chão e por quem eu vou me apaixonar tanto que vai doer até respirar sem ele. Esse cara que vai ser meu futuro marido, e ele com certeza não é o Josh. Então para que vou perder meu tempo?
— Ah, eu acabei de lembrar! — digo. — Tenho que comprar um celular. O meu quebrou tem alguns dias e eu preciso de um novo. Minha mãe deve estar desesperada achando que eu morri porque não falo com ela há três dias.
Kelly e eu voltamos para o shopping e depois de algum tempo escolhendo um modelo novo, precisamos correr para a aula para não chegarmos atrasadas.
04 - CECÍLIAAs aulas começaram tem pouco mais de um mês, mas já é começo de outubro e está começando a esfriar. O inverno aqui é muito diferente do que o que eu cresci acostumada em São Paulo, e eu simplesmente amo a neve. Mal posso esperar para a cidade estar toda coberta em branco.Quando saio da aula já está no final da tarde e eu ando pelo campus da faculdade em direção à casa da minha sororidade. Só então lembro do celular que comprei mais cedo e vasculho a minha bolsa atrás do aparelho que ainda está desligado. Vou caminhando e configurando o celular, e só termino quando já estou na porta de casa.Tudo finalmente conecta e meu celular sincroniza. Dezenas de mensagens dos meus pais começam a pular na tela. Eu estranho. Tudo bem que fiquei alguns dias sem celular, mas nem eles tentam falar tanto assim comigo. Abro as mensagens enquanto entro na casa. Várias delas só pedem para eu ligar para casa e dizem que precisam falar comigo.Começo a ficar preocupada e estou tão distraída qu
Cecília— Pronto, a gente pode conversar aqui.Eu fecho a porta do meu quarto e o lugar parece muito pequeno. Não é, é bem espaçoso que nem todos os quartos dessa casa, mas Thomas é grande, alto e forte, e parece que toma todo o lugar. Ele está olhando ao redor, para a decoração do quarto, e eu não sei por que fico tão nervosa, mas fico. Ele anda pelo quarto e vai até a penteadeira que fica no canto da parede. Pega um porta-retratos com uma foto minha com meus pais e abre um sorriso que arrepia a minha espinha. Parece maldoso, mas não faz sentido que seja, já que ele sempre foi um ótimo amigo da família.— Está tudo bem? — eu pergunto. Ele não fala nada. Só faz que sim com a cabeça e continua olhando para a foto por mais alguns segundos.— Então seu pai não te ligou? — ele pergunta e eu começo a ficar preocupada. Pego o celular da bolsa e começo a ler rapidamente as mensagens que perdi nos últimos dias.— Meu celular estragou há alguns dias, só consegui comprar outrohoje — digo sem o
ThomasEscuto com atenção enquanto Cecília conversa com seu querido pai pelo telefone. Vejo o segundo em que seu rosto se transforma de preocupação para puro desespero. Sento, espero e olho para o relógio com impaciência. Estou entediado.— Como você pôde fazer isso, papai? — a garota sussurra em um fio de voz e as lágrimas escorrem pelo seu rosto pálido.Espero.Acompanho toda a raiva despejada de um jeito até meigo, até que Cecília desliga o telefone.— Oh, querida, eu sinto muito. Sabe que sempre tive seu pai como um irmão. Estou tão decepcionado quanto você. — Abro um sorriso cínico, porque sei que vou usar a tristeza que vejo no seu rosto agora contra seu pai.— Como você pôde? — ela explode enquanto limpa as lágrimas com raiva do rosto.— Como eu… — Olho para ela com surpresa pela explosão. — Como eu pude? Como o seu pai pôde seria a pergunta certa, garota!— Você se acha muito melhor do que ele, não é? Acha que pode simplesmente sair comprando as pessoas para pagar os erros das
Quando estou livre de todos os compromissos, volto para o hotel. Espero encontrar a ruivinha nervosa ali, então vou direto para a suíte presidencial onde ela está. Bato na porta, mas ninguém me responde. Volto a bater, impaciente com a atitude adolescente.— Cecília, abre essa porta!Como não tenho resposta, pego meu celular e ligo para o motorista que ficou encarregado de levar a garota até a sororidade onde ela mora. Ele atende no primeiro toque.— Sim, senhor?— Onde ela está? Onde está Cecília? — pergunto, impaciente.— Eu a deixei lá, senhor. Ela disse que ia precisar de tempo para organizar tudo, mas que depois me ligava.— E quanto tempo faz isso?— Al-Algumas horas, senhor — o idiota gagueja e eu praguejo. Desligo o telefone na sua cara e ando a passos largos até a saída do hotel.Pirralha irritante.O que era para ser uma coisa tranquila está se transformando em uma maldita dor de cabeça. Preciso que aquela garota entenda de uma vez que a vida do seu pai está nas minhas mãos.
CecíliaNão sei o que é pior, se é a dor de cabeça que me faz querer chorar ou a vergonha que me impede de sair da cama. Meu Deus, onde eu estava com a cabeça? Tento me lembrar do que aconteceu na noite passada, mas só me lembro de alguns pedaços.Ouço a batida na porta e uma senhorinha entra trazendo remédio para dor de cabeça. Agradeço e fico olhando confusa para o comprimido na minha mão quando ela sai. Não achei que Thomas fosse mesmo trazer remédio para mim. Parece que existe uma pessoa decente embaixo daquela pose de homem arrogante, no fim das contas.Me arrasto para fora da cama e tomo um banho. Quase choro quando me olho no espelho e vejo o estado horrível que eu estou. Sofro para conseguir tirar a maquiagem toda borrada do rosto e desisto de tentar ficar pelo menos um pouquinho apresentável. Prendo o cabelo de qualquer jeito em um coque frouxo e visto a primeira coisa que vejo dentro da minha mala, uma blusa qualquer e calça jeans.Mordo a unha dentro do elevador enquanto de
Cecília Magalhães— Eu estava preocupada com você.Abraço o travesseiro e suspiro quando Kelly se arruma na cama do meu lado.Faz alguns dias desde que minha vida virou do avesso e eu estou sem saber o que fazer. Estou ficando desesperada por estar perdendo aulas, mas mandei e-mail para alguns dos professores e eles me deixaram repor depois. Só que eu quero minha vida de volta. Não quero ficar presa em um quarto de hotel esperando pela boa vontade de um tirano arrogante que decidiu me fazer de fantoche.Meu pai não para de ligar, mas não atendi o telefone nenhuma vez. Não quero falar com ele, não quero ouvir suas desculpas. Da última vez que falei com mamãe, ela disse que ele está sofrendo muito com toda essa situação, mas e eu? Estou pagando por um erro que não é meu e eles não estão fazendo nada para me ajudar.— Eu estou bem — minto e tento sorrir para a minha melhor amiga.— Não entendi nada quando aquele cara foi te buscar na festa. Só te deixei ir com ele porque ele falou o nome
Thomas de AlbuquerqueEspero por Cecília na sala de reuniões do hotel. O advogado está do meu lado, revendo a papelada que solicitei que revisasse e trouxesse pronta para hoje. A maldita garota está atrasada e preciso controlar a vontade de ir atrás dela e sacudi-la até que entenda que precisa agir diferente do que está acostumada a partir de agora. Não vou me envolver com alguém que corre o risco de manchar a boa imagem que sempre passei para a mídia. A garota vai ter que andar na linha.Escuto uma batidinha leve na porta minutos depois e sei que é ela.— Entra.Estou de costas para a porta e ouço os passos hesitantes se aproximando.— Você está atrasada, Cecília. Quando eu marcar um horário com você, chegue nele. Nem um minuto depois.— Eu me perdi. Não sabia onde era a sala de reunião — ela sussurra e anda até a cadeira do outro lado da mesa, oposto ao meu.Arqueio a sobrancelha quando vejo que ela se produziu toda. A roupa folgada não existe mais e muito menos o pijama horrível e
Thomas de AlbuquerqueAssim que cheguei a São Paulo, vim direto para a empresa porque agora, mais do que nunca, o descanso não faz parte da minha vida. Consegui investidores em Nova Iorque, mas a confusão está longe de acabar. O prejuízo deixado nos cofres da empresa foi grande. O homem além de roubar grande parte do caixa destinado à mão de obra, sabotou a compra dos materiais, trocando os de boa qualidade para uma inferior, mas não era isso o que apareciam nas notas fiscais.Só de pensar na pilantragem daquele desgraçado, fico mais motivado ainda a destruí-lo. A dor de cabeça que estou tendo agora não vai ficar por isso mesmo.Estou trabalhando concentrado, relendo e-mails, revendo relatórios, quando escuto uma batidinha na porta.— Pode entrar.— Senhor… — Diana parece agitada. — Os seguranças entraram em contato dizendo que César está tentando falar com o senhor lá embaixo. Ele parece furioso, e como proibiu sua entrada… — Pode o deixar entrar, Diana.Ela acena, prestativa, e sai