COMPRADA
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Por: Lika
01

01 - Thomas

Eu tenho vontade de destruir cada parte do corpo daquele maldito.

Coloco os cotovelos na mesa do escritório, apoio o rosto nas palmas das mãos e puxo o cabelo com força. Eu falhei. Pela primeira vez em muitos anos, eu falhei.

Sempre administrei meus negócios muito bem, melhor do que as expectativas do meu pai. Melhor do que ele mesmo fez. Fiz o que devia fazer, sem me preocupar em ter que destruir algumas pessoas no caminho. No mundo do sucesso, empatia e compaixão não existem. Contratei gente de confiança e me certifiquei de que os transformaria em menos que nada se algum deles falhasse ou traísse a minha confiança. O que eu não fiz foi imaginar que ia ser traído pelo homem que está comigo desde que nós éramos pirralhos. Foi exatamente aí que falhei.

César Magalhães, meu quase irmão, amigo de longa data, estava me roubando há anos. Anos. Como gestor financeiro da minha empresa, ele tinha métodos de desviar o dinheiro sem que ninguém percebesse. E meu erro foi confiar nele cegamente. Mas isso não vai acontecer nunca mais. Com ninguém, sob hipótese nenhuma.

Escuto o telefone do escritório tocando alto e arrumo a postura antes de atender.

— Fala, Diana.

Senhor Thomas, ele está aqui. Peço para ele entrar?

— Sim, e não deixe ninguém chegar perto desse andar até eu abrir a porta, Diana. Entendido? — Não espero que ela responda e desligo na sua cara. Sinto meus músculos travados de tensão e meu corpo treme com ira crua e devastadora que toma conta de mim.

Nunca tive muito controle da minha raiva. Hoje mais do que nunca não consigo evitar ter pensamentos homicidas em relação ao sujeito lá fora.

Escuto uma batida de leve na porta e olho para lá. Apoio um cotovelo no braço da cadeira, coloco um dedo na bochecha e espero.

Assim que César entra na sala, tudo o que sinto é ódio do homem que sempre foi muito mais do que meu parceiro de negócios. É como se ali fosse o meu maior concorrente no meio dos negócios, meu maior inimigo. Uma das pessoas que entrou facilmente na lista de gente que não faço oposição nenhuma a deixar no fundo do poço, a deixar sem nada.

O homem alto, já grisalho apesar de não passar dos quarenta anos, de olhos castanhos e cabelos ruivos, se aproxima com a postura descontraída de sempre e se j**a na cadeira em frente à minha mesa.

Somos o completo oposto em muitos aspectos da nossa vida. Em relação à personalidade: eu sou explosivo e ele é descontraído. No jeito de levar a vida: eu sou libertino e ele é “família”. Mas uma coisa temos em comum: a ambição.

— Caralho, Thomas, você vai morrer congelado nessa sala. Precisa colocar o ar-condicionado para congelar desse jeito?

Não respondo, porque estou ocupado demais tentando controlar a explosão que ameaça vir, pela primeira vez. Mas ele me conhece bem demais. No segundo em que olha para meu rosto, inclina a cabeça para o lado e pergunta:

— O que aconteceu? Algum problema?

Eu me levanto e ando devagar até sua cadeira. César franze a testa e ergue a cabeça para me olhar. Fico de costas para ele, ando até a porta e a tranco para ninguém me interromper.

— Está planejando abaixar minha calça e comer meu rabo, porra? — pergunta e solta uma risada. Não consigo falar nada. Sinto minha boca amarga, meu estômago revirado, o nervo da minha testa tremulando. Cravo as unhas na palma da mão com força. Tento e falho controlar a raiva e a decepção. — Você está me preocupando, Thomas.

— Você me ensinou muita coisa, César — digo. Raspo a garganta e vou em direção às janelas de vidro que mostram a grande metrópole de São Paulo abaixo de mim. — Me ensinou que não devemos confiar em ninguém.

— O que você está falando?

Volto a olhar para ele e me aproximo devagar, com a mão esquerda dentro do bolso da calça social.

Sem conseguir mais um segundo de controle ao olhar para sua expressão dissimulada, eu o tiro da cadeira de forma abrupta e o seguro pelo seu colarinho.

— Que porra…

— Você vai calar a sua m*****a boca nesse instante, seu filho da puta desgraçado! Vai escutar tudo o que eu digo e fazer absolutamente tudo o que eu quero. Entendido? — esbravejo e sacudo seu corpo.

Seus olhos se arregalam e ele toca minhas mãos. Tenta se desfazer do aperto forte, mas eu não o solto.

— Achou mesmo que eu não ia descobrir seu roubo, hein? Você já foi mais inteligente, César. Achou mesmo que podia me fazer de idiota dentro da minha própria empresa por anos, seu filho da puta? Por anos!

Eu o sacudo mais uma vez antes de levar uma mão à sua garganta para sufocá-lo.

— Eu… Me deixa ex…

— Te deixar explicar o que, César? Que você é um traidor de merda? Que você ria pelas minhas costas enquanto afundava cinco hotéis de uma vez? Você tem noção do prejuízo que me causou? Vou ser obrigado a recorrer a investidores que nunca precisei contar por sua culpa, seu merda! Se eu não fosse tão bom no que faço, teria ido à falência!

— Vou explicar, Thomas. Não traí… você. Eu não… — diz com as frases entrecortadas por causa da falta de ar causada pelo meu apertão.

Eu o jogo no chão e arrumo as mangas da minha camisa social. Sinto a respiração acelerada, as narinas inflamadas e o coração saltando. Sinais da minha ira. Às vezes sinto que vou me dividir em mil pedaços.

— Vou te deixar explicar, César. Vamos, te dou um minuto em nome da nossa bela amizade — falo com ironia e abro um sorriso predador enquanto o olho.

Eu quero matar esse verme. Desde que ele pisou no escritório, não o vejo mais como o cara que compartilhou bons momentos comigo. Quero destruir tudo o que existe de melhor na sua vida. Quero fazer com que o resto dos anos sejam de pura dor, sofrimento e amargura. Quero que César nunca mais descubra o que é confiar e nem ter a confiança de ninguém. Quero que sofra.

— Eu estava precisando de dinheiro. Você sabe que a Paula tem gostos caros e acaba extrapolando nos gastos. Não queria pedir dinheiro para minha família. Começou com um empréstimo pequeno, você nem ia notar… — fala, se senta no chão e coloca a mão no pescoço marcado pelo meu aperto. — Mas… as coisas se descontrolaram. Eu não fiz de propósito. Você é meu mano, cara. Qual é… Acha que eu ia te foder de propósito?

— Seu mano… — debocho. Sorrio abertamente e sacudo a cabeça. Me aproximo mais dele e o chuto. Ele arregala os olhos de surpresa ao mesmo tempo em que leva à mão até a barriga.

Monto nele e o acerto com vários socos no rosto. César não reage, e não acho que ia conseguir se quisesse.

Estou cego pela fúria, mas paro minutos depois quando me lembro de que, se ele morrer agora, vai fácil demais. Não vai ter o sofrimento que merece.

Sinto meus dedos fodidos e doloridos. Aperto a mão e vejo a vermelhidão do sangue do seu nariz ali.

Não me importo se ele está com o rosto fodido, não me importo se está pedindo ajuda através de gemidos. Não me importo com mais nada, só com o fato de que esse homem quase destruiu uma empresa de anos, um império. O meu império. A rede de hotéis de luxo não era nada quando meu avô a criou quando ainda era novo. Não era muito mais quando meu pai a assumiu muitos anos depois, mas se transformou na maior rede de hotéis do Brasil e alcançou diversos países do mundo quando eu assumi. Tenho orgulho de tudo o que construí e absolutamente ninguém vai me tirar isso.

Tiro um lencinho de dentro do paletó do terno e limpo meus dedos.

— Nós vamos ter uma conversa séria agora. Consegue me ouvir?

— Seu filho da…

— Não, César. O filho da puta aqui é só você.

Me ajoelho em frente ao seu corpo ainda estirado no chão e o encaro. Patético.

— Passei todos esses dias tentando pensar em uma maneira de te presentear pelo que você me fez — falo, ouvindo seus gemidos de dor. — Shh, quietinho porque ainda não acabei de falar.

— Eu vou…

— Pensei em pegar a sua mulher. Uma troca, sabe? — interrompo e ele tenta me atingir com um chute. — Aquilo que mais importa para mim por aquilo que mais importa para você. Ou melhor, por quem mais importa para você.

— Não vai… — diz com uma careta de dor. Seus olhos já começam a ficar inchados pelos socos que dei e eu sorrio.

— Mas aí eu pensei… Você ama a sua mulher, tanto que quase faliu a minha empresa por ela. — Aperto o maxilar de raiva. Quero partir para cima dele de novo. Bater nele até ele se acabar, mas preciso terminar o que planejei. Vou até o fim com isso. — Mas quem você ama mais no mundo não é a sua mulher, nem a sua mãe. Quem você mais ama no mundo é Cecília, sua queridinha filha. Aliás, como ela está?

— Você não vai tocar na minha filha, seu desgraçado!

— Será que não vou, César? — falo. Sorrio para ele e dou um soco no seu braço como costumávamos fazer. — Sua princesinha doce, meiga, seu anjinho. Como você a chama mesmo? Seu cristal…

Me levanto e o deixo tentar lutar para se levantar, mas a dor o impede. Gosto de vê-lo ali, rastejando como um verme. Vou até o armário de bebidas e tiro uma garrafa de conhaque. Encho um copo e viro a bebida quente de uma vez. Repito o gesto e volto a me sentar na cadeira, esticando o pescoço para vê-lo.

— Por que ainda está aí no chão, cara? Senta aqui para eu te ver melhor… — falo. Ele xinga, resmunga, tenta se mover, mas a dor o vence. Volto a me levantar, vou até ele e o levanto de uma vez.

Praticamente o arrasto em direção ao sofá de couro preto no canto do escritório e o jogo ali. Me sento ao seu lado no outro assento e apoio a lateral do pé sobre um joelho.

— Como ela está, hein, César? — pergunto, mas não o deixo responder, porque tudo o que eu quero é deixá-lo irado. Não existe nada que ele não faça por sua preciosa filha, para a proteger. — Quando ela volta dos Estados Unidos? Lembro de como ela era um anjinho. Vai ser bom ter uma pessoa doce e recatada assim do meu lado.

— Do seu lado? — diz e passa a manga do paletó no nariz que está escorrendo sangue. — Que porra você está falando, Thomas? Não mexe com a minha família!

— Ah, César… Você mexeu com a minha vida, por que eu não vou mexer com a sua?

— Ela… É diferente, cara. Aqui é só dinheiro. Eu te devolvo tudo! Consegui multiplicar com investimentos e você sabe como minha família é rica. Eles podem me…

— Ah, você devolve? Simples assim? — pergunto e sacudo a cabeça. — Escuta bem, as coisas não vão ser fáceis para você daqui para frente. Não basta me devolver tudo o que me roubou, você vai ter que sentir o que eu senti quando quase perdi tudo.

— Você está louco.

— Você não viu nada, César. Não viu nada. — Estico o braço e pego o contrato meticulosamente planejado com meu advogado. — Vamos deixar de falar de família. Vamos para o que mais gosto: negócios. Aqui está o que você vai precisar fazer. Vou ser bondoso e ler enquanto você está impossibilitado.

Ele se remexe no sofá e me encara com raiva, mas não ligo e leio o que está escrito no papel.

— Cecília Magalhães será obrigada a se casar com Thomas de Albuquerque e realizar todos os seus desejos — falo e paro só para apreciar a expressão de surpresa e revolta em seu rosto. — Não é o máximo, César? De tudo o que a gente foi na vida, amigos, irmãos, parceiros de negócios, eu vou ser seu genro. A vida é irônica demais, não acha?

— Casar? Você está louco? A minha Cecília é uma menina! Ela só tem dezenove anos, Thomas. Não faz uma besteira.

— Besteira, eu? Não se preocupe. Jamais ia fazer alguma coisa para te machucar, amigo!

Ele me olha cético e eu explodo em uma risada pela sua expressão. Se tem algo que me dá mais prazer além de pisotear quem se mete no meu caminho é brincar com a presa como se fosse um filhotinho. Amo ver a ira, a esperança e o desespero se misturarem enquanto faço o que eu quero.

— Você acreditou, não foi? Ai, César, parece que não me conhece.

— O que você quer? Faço tudo, mas não mexe com a minha filha.

— É exatamente por isso que eu a quero — falo e jogo o contrato de lado. — E eu vou ter, porque eu tenho tudo o que quero, César. Você devia ter pensado nisso antes. Agora vai embora daqui. Vou te procurar daqui uns dias. Não tente fugir com sua filha, porque acho todo mundo nem que seja no inferno. E aí vai ser pior.

— Você vai se arrepender.

Me levanto e não respondo. Volto para a minha cadeira e começo a trabalhar para recuperar o prejuízo. Vou ter que me desdobrar para não perder os hotéis que demoraram anos para serem reconhecidos e renomados, mas não desisto do que quero.

César se levanta com dificuldade e anda até a porta devagar, tocando a costela.

— Até mais, sogro! — provoco com um sorriso, que se fecha assim

que ele destranca a porta e sai dali.

O primeiro passo já dei, agora falta o resto.

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