- Como andam os estudos Vitor? (Meu pai pergunta. Era apenas isso que ele perguntava)
- Bem pai. Falta só mais alguns meses para terminar o estudo avançado de robótica. (Ao conversar comigo, ele não me olha. Apenas degusta sua refeição. Me sinto como um de seus empregados).
- Quais são seus planos quando acabar o estudo avançado?
Eu ainda não sabia o que faria. Bernardo, meu irmão do meio, percebendo meu silêncio, rapidamente me da um chute por baixo da mesa. Sutil, apenas para que eu olhasse para ele, e com uma expressão rápida de olhar, apontou para o papai, como se ele mesmo quisesse responder. Apesar da distância entre eu e meus irmãos, sempre tive uma certa sintonia maior com o Bernardo. Acho que é o que dizem sobre ser coisas de irmãos. Entendi o que ele queria e disse.
- Se o senhor me permitir gostaria de iniciar uma carreira em alguma de suas empresas. Assim como meus irmãos.
Senti um alívio na expressão do Bernardo e espanto no rosto de Cristian, meu irmão mais velho. Mas não consegui ler nada na expressão do meu pai.
- Ótimo! (Foi apenas o que ele exclamou. Acho que em vinte anos essa foi a primeira vez que o agradei).
Ficamos novamente em silêncio. Sempre era o Bernardo quem quebrava o gelo durante as conversas do jantar, apesar do olhar desaprovador do Cristian.
- Seu aniversario é semana que vem Vitor, quais os planos? Terá uma festa?
- Não sei ainda Bernardo. Acho que vou sair com alguns colegas do estudo avançado. Você sabe que não tenho muitos amigos. Mas não é certeza ainda.
Não sei o que teria sido de mim se tivesse sido criado pelo meu pai. Seria quase como estar nas forças especiais da ilha país. Tudo sempre muito rígido e cheio de regras. Meus pais se separaram eu ainda era bem pequeno. Meus irmãos preferiram ficar com o papai, porque pensavam que com a mamãe eles seriam pobres. Meu pai é um dos homens mais ricos e influentes de nosso tempo, ele é dono da maior empresa de transportes da ilha país em que vivemos, além de empresas em outros ramos. Nossa ilha país fica ao centro do que um dia foi o continente americano. Depois da grande catástrofe do aquecimento do planeta e o derretimento das calotas polares, muitos continentes foram praticamente dividos em ilhas. Não tenho ideia de como era o cotidiano das pessoas a 100 ou 150 anos atrás, mas pelo que já pesquisei em artigos antigos da nova rede, acredito que não seja muito diferente de hoje. E não gosto de como as coisas são.
Minha mãe sofreu muito com o abandono dos filhos. Mas ela sabia como eles eram, mãe sempre sabe.
Meu pai não nos deixou completamente desamparados. Ficamos com uma bela casa na terceira cúpula e minha mãe acabou assumindo o controle total de uma fábrica de tecidos e roupas, na qual ela já era sócia do meu pai, além de uma boutique na principal avenida comercial da terceira cúpula. Para mim não foi um grande susto vir morar aqui. Meus pais se separaram eu ainda era muito pequeno por isso só vejo a diferença entre a terceira cúpula e a primeira, onde meu pai mora com meus irmãos, quando os visito.As cúpulas são como bairros ou condomínios que existiam antes da grande catástrofe de inundações. Nelas, além das mansões e casas também há comércios, escolas e hospitais para seus moradores.
A primeira cúpula é destinada apenas aos milionários, ao nosso governador e seus ministros. Claro meu pai mora lá, pela fortuna e pelo império que ele levantou em mais de quarenta anos trabalhando com o transporte de cargas e outros investimentos. Seus navios transportam cargas comerciais entre as grandes ilhas. Desde alimentos a veículos de locomoção local. Não sei muito sobre as empresas dele, mas a imprensa diz que ele é mais poderoso que nosso governador.
A primeira cúpula é a mais imponente e bonita, localizada no alto de uma colina. O ponto mais alto da nossa ilha país. Tem avenidas largas e arborizadas, onde os milionários desfilam em seus aerocars e aerociclos de última geração. Também é de lá que nosso governador e as forças especiais controlam e monitoram toda a ilha país 12.
A segunda cúpula é destinada a artistas. Inclusive artistas de outras ilhas que tem suas mansões de férias aqui na ilha país. Até já conheci alguns em uma das festas que de vez em quando meu pai realiza, com a presença do nosso governador e alguns ministros. A terceira cúpula é onde eu moro com minha mãe. Meu pai deixou uma grande casa para nós, com um grande jardim e piscina, além de uma ampla garagem onde passo boa parte do meu tempo montando, desmontando e arrumando um veículo de locomoção local com rodas que adquiri em uma das minhas visitas em um ferro velho de sucatas na quinta cúpula. Temos apenas duas empregadas. Minha babá, que cuida de tudo para minha mãe e ainda cuida de mim e a nossa governanta, que cuida de todos os afazeres da casa. Algumas pessoas tem andróides ou robôs como empregados, mas minha mãe é avessa e isso. A quarta cúpula é onde moram os empregados das cúpulas mais altas. Empregadas, jardineiros, motoristas, agentes das forças especiais, entre outros. Poucos moram na casa dos seus empregadores. A quinta cúpula é o destino dos que fazem tudo funcionar na ilha país, todo tipo de empregado dos mais diversos ramos da indústria. A quinta cúpula já não é tão bonita como a primeira, segunda e terceira cúpulas, pois todas as fábricas e indústrias estão localizadas ali. A sexta cúpula é onde quase ninguém quer ir. É o lar dos pobres e esquecidos pelas cúpulas mais favorecidas. Dizem que lá os hospitais vivem em situações precárias e as crianças não tem estudos, pois nenhum mestre tem coragem de dar aulas lá. Acho isso muito errado. Somos todos iguais portanto todos deveríamos ter as mesmas condições de moradia estudos e alimentação. Eu e minha mãe temos o mesmo pensamento talvez por isso sempre nos entendemos. Ela não gosta de chamar os trabalhadores da fábrica de empregados, ela os chama cada um pelo nome e eu também quando vou ajuda lá. Isso fica fácil pois ela faz questão que todos tenham seus nomes bordados em seus uniformes. Temos que tratar todos de igual para igual foi o que ela me ensinou. Temos livre acesso a todas as cúpulas assim como todos da primeira e segunda. Porém moradores da quarta, quinta e sexta cúpulas só podem entrar na primeira, segunda e terceira se forem empregados ou se estiverem acompanhados de moradores. Caso contrário a entrada é proibida e havendo uma invasão são condenados a duras penas na pequena ilha prisão ao sul de nossa ilha país 12.Estudo e ajudo minha mãe nas horas vagas. Pode se considerar que sou o filho perfeito. Sem vícios. Sem amigos. Sem graça nenhuma. Sem diversão na vida. Minha distração é trabalhar em meu veículo de locomoção local com rodas. Mas existe dentro de mim uma vontade escondida. Algo que não sei explicar, apenas sinto, mesmo não sabendo bem o que é.
As vezes visito meu pai, mas ele nunca tem tempo para mim, apenas para meus irmãos. Mais eu gosto de ir para a mansão da colina, até tenho um quarto só meu lá. Na verdade é praticamente uma casa só para mim. A mansão tem três andares que se parecem com cubos de montar, uns sobre os outros tudo muito grande e reto, amplo e com uma ótima iluminação, em grande parte por ter quase todas as paredes externas feitas de vidro. Por onde andamos vemos todo o lado norte da ilha país 12, até o horizonte. Nossa ilha é uma das maiores da região central.Minha célula habitável fica no primeiro andar. É bem grande com um quarto todo branco e duas paredes de vidro que vão do chão ao teto uma cama grande e confortável, um banheiro, além de sala, cozinha e até um quarto de hóspedes. Sem contar a garagem privativa que também fica ali. Tudo foi decorado e escolhido por mim e minha mãe. Meu pai não economizou dinheiro na reforma da minha célula. Disse que queria que eu tivesse tudo do bom e do melhor. Não sei se ele fez isso na intenção de que eu ficasse na mansão e deixasse minha mãe, como meus irmãos fizeram ou apenas queria se redimir da sua ausência na minha vida. A célula habitável dos meus irmão é do outro lado da mansão.
Sempre fui afastado deles, apenas o Bernardo era mais próximo, porém quando estava com meu pai e o Cristian ele mudava e ficava distante como se fosse outra pessoa. Quase não os via quando estava na mansão, apenas na hora do jantar, pois meu pai fazia questão de todos a mesa.Após o jantar cada um se retirou a sua célula em determinada ala da mansão. A noite está quente, resolvo dar uma volta a pé pelas alamedas próximas a mansão. Já não tem mais ninguém andando pelas alamedas a essa hora, quase meia noite, apenas alguns aerocars de última geração passam de vez em quando. Um drone de monitoramento das forças especiais acabou de passar. Ele não me parou porque deve ter me scaneado lá do alto e me identificado pela mini tela de pulso. Todas as minha informações estão nela, desde meu tipo sanguíneo, altura, peso até minhas notas do curso avançado de robótica. Vejo os faróis de um aerocar vindo em minha direção. Passou devagar e o motorista ficou me observando. No próximo quarteirão percebo que o mesmo aerocar vem novamente ao meu encontro. Ele para ao meu lado. Na minha inocência até então o motorista estaria perdido e queria uma informação. Porém até os aeroc
A semana se arrastou. Não consegui estudar direito. Meu aniversário de vinte e um anos é amanhã. Uma das secretárias do meu pai me mandou uma holomensagem durante a semana dizendo que era importante eu ir para a mansão da colina nesse fim de semana. Será que meu pai já preparou algum cargo para mim em uma de suas empresa? Espero que não. A história do Danilo não sai da minha cabeça. E toda vez que me lembro, aquele formigamento na minha cabeça começa e o calor toma conta do meu corpo. Muito estranho. Pensei até que podeira estar apaixonado por ele. Mais é impossível. Já estive apaixonado antes. Já tive algumas namoradas. Já me apaixonei, mais nunca foi assim. Quando o calor toma conta de mim eu sinto raiva de mim mesmo, por ter apagado o código bip do Danilo. Mas é estranho pois parece que eu estou com raiva de uma outra pessoa e ao mesmo tempo sinto que a raiva é de mim. Cheguei a pensar várias vezes em voltar no mesmo local no mesmo horár
Ao entrarmos na sala, Beh dá uma voz de comando. - Tela ligar. (A parede da frente escurece, não deixando transparecer mais a entrada da minha célula). - Monitoramento da mansão colina. (Várias telas de monitoramento se abrem cobrindo toda a parede de cinco metros de largura por dois e meio de altura). - Entrada da célula habitacional 3. (Era a minha célula. Por questão de privacidade. Nem todos os cômodos da casa são liberados para o monitoramento de todos. Dentro da minha célula só eu consigo acessar as câmeras. Assim como as outras células cada um tem seu acesso privado). Uma pequena tela de vinte centímetros no canto direito da parede de vidro se expandiu tomando toda a parede. Um adolescente de mais ou menos dezessete ou dezoito anos está parado na porta da minha célula que dava acesso a mansão. Aparenta ser pouco mais baixo que eu. Cerca de 1,75 de altura. Eu tenho 1,81. Cabelos lisos num corte curt
Caminhamos até a garagem, abro a porta do lado do piloto e o andróide abra a outra do outro lado. As portas do hidrocar se abriam como asas, para cima. Entramos no hidrocar e o Bernardo começou a falar através do andróide e explicar tudo o que hidrocar era capaz de fazer. - Vítor esse será o único hidrocar de passeio. Eu não quis falar perto da mamãe porque... Você sabe... Ela começa com um monte de perguntas. E já foi difícil convencer o papai de que você tinha que ter um. Imagina ter que ficar com os mesmo discursos para a mamãe. (O andróide fez uma cara de insatisfação). - Imagino! Ele com certeza não ia querer nem que eu tivesse um aerocar comum. Quanto mais um que será "raro". Agora me diz. O que diferencia um aerocar de um hidrocar? - O hidrocar usa o mesmo sistema de impulso de um aerocar, a mesma tecnologia. Porém ele tem um sistema de propulsão turbo que dá mais força aos propulsores que sustentam s
- Holomensagem para Danilo Albuquerque. (Nada aparecia. Apenas a pequena claridade que o minusculo ponto de luz da mini tela de pulso incide para cima, no formato de uma pequena piramide de ponta cabeça onde se forma o holograma da holomensagem. De repente o holograma do Danilo aparece. Aquele sorriso lindo e branco se abre. Tinha esperança de que ele não atendesse. Mais o Igor sabia que ele atenderia. Por muitas vezes eu queria realmente ser o Igor. Por sua astúcia, sua força e sua determinação. Mas seria isso o certo? Seria isso uma boa ideia? Já que eu sei quais são as intenções do Igor? - Igor!? Ao falar o nome do meu outro eu, sinto o calor e o formigamento aumentar e a descarga de adrenalina percorrer meu corpo. - Oi Danilo. Sou eu mesmo. (Não dava mais para voltar. Igor já estava de volta. Mais firme e confiante do que antes).
Piloto até a mansão. Entro e vou direto ao banheiro. Tomo uma ducha. Ouço barulho da tela de transmissão de imagens se ligar. Quem será que ta aqui? Me lembro do meu novo irmão adolescente, MXT. Deve ser ele. Saio do banheiro e dou de cara com o MXT parado na porta. - Putz! Quer me matar de susto?! (Acabei dando risada da expressão de susto que ele fez com meu grito). - Desculpa. Achei que seria legal fazer algo que aprendi sobre amigos e e irmãos nas minhas pesquisas. - Tudo bem. - Você achou engraçado. Está rindo. - Estou rindo da sua cara de bobão! (Ele sorriu). - Que horas são? - Meia noite e dez! - Me dê os parabéns MXT. Hoje já é meu aniversário! (Ele me abraçou. Ainda é estranho porque ele parece humano). - Meus par
Continuei minha rotina durante a semana, vivendo minha vida como eu fazia antes. Ajudando minha mãe, freqüentando o curso avançado de robótica. Aprendendo e ensinando o Icky. Minha mãe já está até começando a se acostumar com ele. Danilo não sai da minha cabeça. E sempre que penso nele, sinto que o Igor e todas as vontades se afloram. Principalmente a vontade de vê-lo novamente. Esse formigamento e esse calor não passam. Outro flash. Estaciono o hidrocar rapidamente. Vejo em minha mente a imagem do Danilo. Ele está em sua casa, o vejo se levantar do sofá preto que vi na sala. Um tapete creme quadrado cobre o chão perto do sofá, deve ter uns três metros e meio de largura. O tapete e o sofá ficam um degrau mais baixo que o resto da sala, com piso em madeira clara. Ele para em frente a grande janela ao lado da porta de entrada. Ele olha para seu aerocar esportivo vermelho estacionado na garagem. Da grande janela ele tem a visão da rampa de ace
A noite passou rapidamente. Acordo leve como se andasse nas nuvens. Minha cabeça já não se atrapalha mais com as indas e vindas de Vítor e Igor. Sim eu era o Vítor realizado e também era o Igor realizado. Era como se os dois começassem a se fundir em um só. Mas minhas indagações começam a mudar. Como vai ser de agora em diante. E com minha família... Vou agir naturalmente? Quem sou? O que sou? Essas perguntas rondam minha mente e eu tenho plena consciência de que essas perguntas são do Vitor. Resolvo deixar acontecer. Porém quando resolvo deixar acontecer percebo que o Igor toma conta da situação. Mesmo achando que os dois começavam a se tornar um só, meus dois eu, se tornando apenas EU, se fundindo. Eu ainda sei quando é um e quando é o outro. Não procurei mais o Danilo naquela semana. Mas sabia que queria vê lo. Na semana seguinte sai novamente mais cedo do estudo avançado. E dessa vez sem avisar fui direto