A semana se arrastou. Não consegui estudar direito. Meu aniversário de vinte e um anos é amanhã. Uma das secretárias do meu pai me mandou uma holomensagem durante a semana dizendo que era importante eu ir para a mansão da colina nesse fim de semana. Será que meu pai já preparou algum cargo para mim em uma de suas empresa? Espero que não. A história do Danilo não sai da minha cabeça. E toda vez que me lembro, aquele formigamento na minha cabeça começa e o calor toma conta do meu corpo. Muito estranho. Pensei até que podeira estar apaixonado por ele. Mais é impossível. Já estive apaixonado antes. Já tive algumas namoradas. Já me apaixonei, mais nunca foi assim. Quando o calor toma conta de mim eu sinto raiva de mim mesmo, por ter apagado o código bip do Danilo. Mas é estranho pois parece que eu estou com raiva de uma outra pessoa e ao mesmo tempo sinto que a raiva é de mim. Cheguei a pensar várias vezes em voltar no mesmo local no mesmo horário, com a esperança de que ele passe ali novamente. Mas isso é infantilidade demais. Nunca acontecerá. E quando eu penso nisso novamente parece que não sou eu, mesmo eu sabendo que sou.
Ouço duas batidas na porta do meu quarto.
- Entre. Está aberta.
- Filho? Tudo bem?
- Tudo mãe.
Estou deitado em minha cama. Meu quarto aqui não é como o da mansão do meu pai. Mais é muito mais aconchegante. E tem todo o aparato tecnológico de nossa época. Com a exceção da parede de vidro que se transforma em uma grande tela de transmissão de imagens.
- Você vai para a casa do seu pai hoje certo!? Uma das secretárias dele me mandou uma holomensagem. Pediu para que eu te levasse. O motorista dele não estará lá, pois seu pai tem alguns compromissos.
- Tudo bem mãe.
- O que você tem Vitor? Estou te achando estranho? Você não trabalhou no seu veículo essa semana. Não quis me acompanhar na fábrica nem na loja. Está muito quieto. O Bernardo me bipou hoje e disse que você ignorou todas as holomensagens dele.
- Não é nada mãe. Só não estou muito animado esses dias.
- Tudo bem filho. Se quiser conversar, sabe que sempre estarei aqui. Só não gosto de te ver triste. E não ligue se foi algo que seu pai fez ou falou. Você sabe como ele é. (Minha mãe sabia sempre como me consolar).
- Eu sei mãe. Não tem nada a ver com o papai. Nem com meus irmãos. Devo estar assim pelas responsabilidades que terei agora com vinte um anos.
Minha mãe apenas me observou. Sei que ela não engoliu minha resposta. Mas também entendi que ela não perguntaria mais nada.
Depois de um banho, desço para o térreo. Minha mãe já me esperava para irmos. Conversamos casualmente no caminho até a fábrica. O dia corre tranquilo.
Ao final da tarde saímos da fábrica e vamos em direção a mansão.
- Meu pai é um estraga prazer mesmo.
- Porque diz isso filho?
- Mãe! Amanhã é meu aniversário! Não tem nada para fazer naquela mansão. E ele quer que eu vá para lá. Queria ficar em casa com você. Sei lá. Irmos ao centro comercial talvez.
- É por uma boa causa Vítor. Fique tranquilo.
- O que a senhora está querendo dizer com isso? O que a senhora sabe, que eu não sei?
- Nada. Apenas confie em mim.
Que conversa estranha. O que será que vai acontecer? Não gosto de mistérios. Já tenho um monte de perguntas internas que não consigo responder agora minha própria mãe com enigmas.
Na entrada da primeira cúpula, um dos agentes aponta sua pequena haste prateada em direção ao aerocar para scanea ló por completo. Olho para o monitor que fica fixado na parede acima da cancela de entrada. A imagem do aerocar apareceu. Mostrando toda a estrutura dele e inclusive a nossa dentro dele. É até engraçado ver a imagem tridimensional do aerocar e a nossa, sentados dentro dele, como num aparelho de raio x. Nem um chip passa despercebido pelo scaneamento. Ao lado da imagem uma tela de dados se abre, mostrando todos os dados necessários para nossa entrada.
MODELO: Famíliar 8 lugares
MARCA: MC AeroMotors
REGISTRO: M.983.609.587
OCUPANTES: 2
ACESSO: Liberado
A cancela se levanta e entramos na primeira cúpula. Drones de monitoramento passam por nós. Claro todos nós scaneiam. No portão da mansão, um novo scaner faz a mesma coisa. Com a diferença de não haver nenhum agente, apenas o monitoramento internos dos seguranças do meu pai. O portão se abre e seguimos pela pequena estrada até a mansão. Toda arborizada, parece até a imagem de algum filme que assistimos em nossas telas de transmissão de imagens. Uma pequena curva a esquerda e se abre uma clareira onde a imponente mansão da colina repousa, no meio de uma montanha. Apoiada em estruturas de aço com suas enormes paredes de vidro.
Já é noite e percebo que a luz da sala da minha célula habitacional está acesa. Minha mãe para o aerocar na frente da garagem privada. A porta da garagem começa a subir. Estranho ainda estou dentro do aerocar da minha mãe e não teria como dar o comando de voz para a abertura da garagem. Olho para minha mãe e ela não parece estar assustada com isso. Pelo contrário, um leve sorriso se forma em seu rosto. Ela está maquiada como se fosse a uma festa. Agora que me dei conta disso. Lábios num leve tom avermelhado. Sombras cinza nos olhos, silios imponentes e cheios. Seu cabelo é curto com alguns fios num leve tom prateado está no mesmo penteado de sempre. Olho em direção a garagem novamente. Vejo os pés de um homem aparecendo. Ao lado dele a parte de baixo de um aerocar começa a fica a mostra. Percebo que é o Bernardo. Olho novamente para minha mãe e o sorriso dela é bem maior. Olho para o Bernardo novamente, a porta da garagem já tinha levantado completamente. Ele sorri, com aquele sorriso largo que ele só mostra quando estamos longe do meu pai e do Cristian. Ao lado dele um lindo aerocar esportivo está estacionado. Percebo que Bernardo está dando uma voz de comando para que as luzes da garagem se ascendam, o aerocar reluz num tom azul petróleo metalizado. Não consigo identificar o modelo e também não entendo o que está acontecendo. Minha mãe desce do aerocar e eu a acompanho. Ela e Bernardo são só sorrisos.
- Porque dessa alegria toda?
- Feliz aniversário estressadinho.
- Meu aniversário é amanhã Beh.
- Eu sei. Mas a gente queria comemorar hoje. Seu chato.
- O que esse aerocar tá fazendo aí?
Os olhos da minha mãe brilham como duas jabuticabas hidropônicas. O sorriso do Bernardo quase não cabe em seu rosto.
- É seu presente de aniversário.
Fico em silêncio. Ainda não estou acreditando. Um aerocar esportivo só para mim. Minha mãe percebe meu silêncio e fala:
- Entendeu a boa causa agora?
- Si, sim... É meu mesmo?
- Sim maninho... É seu... Presente do papai.
Me espantei quando ele disse que era presente do meu pai. Ele raramente lembrava do meu aniversário.
- Não acredito Beh.
- Claro que... Eu que escolhi né maninho. É da próxima geração de aerocars desenvolvido pelos engenheiros do papai em parceria com uma fábrica de aerocars. Fiz algumas pequena modificações. Óbvio. São chamados de Hidrocars. O seu será um dos poucos Hidrocars de passeio. Pois ele será destinado apenas as forças especiais das ilhas.
- OK. (Foi a única coisa que consegui responder).
- Vamos aos outros presentes. Depois eu te explico melhor sobre seu hidrocar. Mãe...? (E ele deu a ênfase para minha mãe falar).
- Bom... Como a mamãe já te ensinou a pilotar um aerocar. Eu mesma fiz questão de ir pessoalmente ao departamento de aerotransito e assinar a sua autorização como piloto. Aproveitei e registrei o seu VLL com rodas. Agora você pode se locomover entres as cúpulas com seus veículos de locomoção.
Meus olhos brilham.
- Obrigado mãe. Nem sei como agradecer. (A abraçava enquanto falava).
- Calma maninho não acabou. Vamos que lá dentro tem mais.
Andamos pelo pequeno jardim da entrada da minha célula é atravessamos a porta da sala.
Ao entrarmos na sala, Beh dá uma voz de comando. - Tela ligar. (A parede da frente escurece, não deixando transparecer mais a entrada da minha célula). - Monitoramento da mansão colina. (Várias telas de monitoramento se abrem cobrindo toda a parede de cinco metros de largura por dois e meio de altura). - Entrada da célula habitacional 3. (Era a minha célula. Por questão de privacidade. Nem todos os cômodos da casa são liberados para o monitoramento de todos. Dentro da minha célula só eu consigo acessar as câmeras. Assim como as outras células cada um tem seu acesso privado). Uma pequena tela de vinte centímetros no canto direito da parede de vidro se expandiu tomando toda a parede. Um adolescente de mais ou menos dezessete ou dezoito anos está parado na porta da minha célula que dava acesso a mansão. Aparenta ser pouco mais baixo que eu. Cerca de 1,75 de altura. Eu tenho 1,81. Cabelos lisos num corte curt
Caminhamos até a garagem, abro a porta do lado do piloto e o andróide abra a outra do outro lado. As portas do hidrocar se abriam como asas, para cima. Entramos no hidrocar e o Bernardo começou a falar através do andróide e explicar tudo o que hidrocar era capaz de fazer. - Vítor esse será o único hidrocar de passeio. Eu não quis falar perto da mamãe porque... Você sabe... Ela começa com um monte de perguntas. E já foi difícil convencer o papai de que você tinha que ter um. Imagina ter que ficar com os mesmo discursos para a mamãe. (O andróide fez uma cara de insatisfação). - Imagino! Ele com certeza não ia querer nem que eu tivesse um aerocar comum. Quanto mais um que será "raro". Agora me diz. O que diferencia um aerocar de um hidrocar? - O hidrocar usa o mesmo sistema de impulso de um aerocar, a mesma tecnologia. Porém ele tem um sistema de propulsão turbo que dá mais força aos propulsores que sustentam s
- Holomensagem para Danilo Albuquerque. (Nada aparecia. Apenas a pequena claridade que o minusculo ponto de luz da mini tela de pulso incide para cima, no formato de uma pequena piramide de ponta cabeça onde se forma o holograma da holomensagem. De repente o holograma do Danilo aparece. Aquele sorriso lindo e branco se abre. Tinha esperança de que ele não atendesse. Mais o Igor sabia que ele atenderia. Por muitas vezes eu queria realmente ser o Igor. Por sua astúcia, sua força e sua determinação. Mas seria isso o certo? Seria isso uma boa ideia? Já que eu sei quais são as intenções do Igor? - Igor!? Ao falar o nome do meu outro eu, sinto o calor e o formigamento aumentar e a descarga de adrenalina percorrer meu corpo. - Oi Danilo. Sou eu mesmo. (Não dava mais para voltar. Igor já estava de volta. Mais firme e confiante do que antes).
Piloto até a mansão. Entro e vou direto ao banheiro. Tomo uma ducha. Ouço barulho da tela de transmissão de imagens se ligar. Quem será que ta aqui? Me lembro do meu novo irmão adolescente, MXT. Deve ser ele. Saio do banheiro e dou de cara com o MXT parado na porta. - Putz! Quer me matar de susto?! (Acabei dando risada da expressão de susto que ele fez com meu grito). - Desculpa. Achei que seria legal fazer algo que aprendi sobre amigos e e irmãos nas minhas pesquisas. - Tudo bem. - Você achou engraçado. Está rindo. - Estou rindo da sua cara de bobão! (Ele sorriu). - Que horas são? - Meia noite e dez! - Me dê os parabéns MXT. Hoje já é meu aniversário! (Ele me abraçou. Ainda é estranho porque ele parece humano). - Meus par
Continuei minha rotina durante a semana, vivendo minha vida como eu fazia antes. Ajudando minha mãe, freqüentando o curso avançado de robótica. Aprendendo e ensinando o Icky. Minha mãe já está até começando a se acostumar com ele. Danilo não sai da minha cabeça. E sempre que penso nele, sinto que o Igor e todas as vontades se afloram. Principalmente a vontade de vê-lo novamente. Esse formigamento e esse calor não passam. Outro flash. Estaciono o hidrocar rapidamente. Vejo em minha mente a imagem do Danilo. Ele está em sua casa, o vejo se levantar do sofá preto que vi na sala. Um tapete creme quadrado cobre o chão perto do sofá, deve ter uns três metros e meio de largura. O tapete e o sofá ficam um degrau mais baixo que o resto da sala, com piso em madeira clara. Ele para em frente a grande janela ao lado da porta de entrada. Ele olha para seu aerocar esportivo vermelho estacionado na garagem. Da grande janela ele tem a visão da rampa de ace
A noite passou rapidamente. Acordo leve como se andasse nas nuvens. Minha cabeça já não se atrapalha mais com as indas e vindas de Vítor e Igor. Sim eu era o Vítor realizado e também era o Igor realizado. Era como se os dois começassem a se fundir em um só. Mas minhas indagações começam a mudar. Como vai ser de agora em diante. E com minha família... Vou agir naturalmente? Quem sou? O que sou? Essas perguntas rondam minha mente e eu tenho plena consciência de que essas perguntas são do Vitor. Resolvo deixar acontecer. Porém quando resolvo deixar acontecer percebo que o Igor toma conta da situação. Mesmo achando que os dois começavam a se tornar um só, meus dois eu, se tornando apenas EU, se fundindo. Eu ainda sei quando é um e quando é o outro. Não procurei mais o Danilo naquela semana. Mas sabia que queria vê lo. Na semana seguinte sai novamente mais cedo do estudo avançado. E dessa vez sem avisar fui direto
Paro o hidrocar na frente da casa do Danilo. O portão já está aberto e ele está no alto da rampa de acesso a garagem. Apesar das minhas dúvidas e perguntas, sinto a força, a coragem e a astúcia do Igor dentro de mim. Ainda sinto que sou os dois. Imagino que ele deve ter chegado de algum lugar. Está com o mesmo sorriso lindo no rosto, um boné branco, camiseta cinza, calça jeans azul clara e um tênis quase na mesma cor da camiseta. Engraçado... Temos o mesmo estilo de se vestir. Ele percebe que parei o carro mas não entrei, o sorriso desaparece. Abro a porta. - Seu nível de temperatura está alto... - Eu sei Icky. Eu sei. Estou sentindo o calor pelo meu corpo. - Você tem certeza que não quer que eu fique? Em quanto conversavamos dentro do hidrocar vejo que Danilo desce pela rampa. - Não ir
- Através de um exame detalhado de DNA. E toda a cadeia de cromossomos. - Me explica melhor isso Danilo. (Ainda estou confuso). - Após a grande catástrofe, restabelecimento e reconstrução do que restou do planeta. Foi criada as forças especiais. Seus líderes juntamente com os governadores das 32 ilhas que se formaram entraram em um consenso onde ficou estabelecido que o planeta seria "limpo" de tudo o que era anormal. Todo tipo de pesquisa foi feita para erradicar todas as doenças. - Isso eu sei Danilo. - Sim. Eu sei que você sabe. Porque isso é o que todos nós aprendemos. O que você não sabe é que: a trinta e cinco anos atrás, quando eles conseguiram realizar o "grande feito" e inventaram a tal vacina da cura, ela na verdade, era apenas um pretexto para implantar duas células. Uma delas para fazer o mapeamento genético onde é identificado se a pessoa