UM FLASH ESTRANHO

   Caminhamos até a garagem, abro a porta do lado do piloto e o andróide abra a outra do outro lado. As portas do hidrocar se abriam como asas, para cima. Entramos no hidrocar e o Bernardo começou a falar através do andróide e explicar tudo o que hidrocar era capaz de fazer.

   - Vítor esse será o único hidrocar de passeio. Eu não quis falar perto da mamãe porque... Você sabe... Ela começa com um monte de perguntas. E já foi difícil convencer o papai de que você tinha que ter um. Imagina ter que ficar com os mesmo discursos para a mamãe. (O andróide fez uma cara de insatisfação).

   - Imagino! Ele com certeza não ia querer nem que eu tivesse um aerocar comum. Quanto mais um que será "raro". Agora me diz. O que diferencia um aerocar de um hidrocar? 

   - O hidrocar usa o mesmo sistema de impulso de um aerocar, a mesma tecnologia. Porém ele tem um sistema de propulsão turbo que dá mais força aos propulsores que sustentam seu peso para que ele possa andar sobre a água. Ao sair de uma alameda e andar pela areia da praia, você pode simplesmente dirigir em direção ao mar que ele reconhece a mudança da superfície e se adapta em questão de segundos. 

   Observo os detalhes do painel do hidrocar, ouvindo cada palavra do Bernardo que saia pela boca do andróide. 

   - Alguma pergunta? Porque você está com uma cara de quem quer perguntar alguma coisa. 

   - Na verdade tenho. Mas não sei se é uma pergunta ou uma curiosidade. E as ondas? Ou o balanço do mar? Não vão desestabilizar ele? 

   - Pensei que não fosse perguntar. (Ele deu um sorriso satisfeito com minha pergunta. Estranho o andróide reagir com expressões faciais. Achei que o Beh apenas controlava movimentos corporais básicos. Andar, sentar, pegar objetos). - Ele tem um sistema estabilizador que mesmo que uma onda se quebre por cima dele os sensores são acionados em milionésimos de segundos fazendo ele entender que precisa manter a posição. 

   - Nossa você fez mesmo a lição de casa hein. 

- Não maninho... Eu ajudei a projeta ló. Eu já fiz o d******d em seu andróide então qualquer dúvida ou o que você quiser saber sobre o hidrocar é só perguntar para ele.

   - Então se ele atravessa uma onda que se quebrar em cima dele, isso o torna um veículo subaquático?

   Por uma fração de segundos tive a impressão de ter um flash em minha cabeça. Como se eu estivesse vendo o Bernardo saindo do quarto de hóspedes com uma cara de insatisfação ao ouvir minha pergunta. O que foi isso? Olho para a janela lateral a minha esquerda e Bernardo está parado me olhando. Acho que foi coisa da minha cabeça. Abri a porta e sai do habitáculo. 

   - Que alívio falar com você de verdade agora. (Rimos juntos). 

   - Só vim te falar tchau Vitinho. Ia ser estranho dizer tchau através do andróide e sair de mansinho da sua célula habitacional. (Nos abraçamos bem forte, como ele só me abraçava longe do papai e do Cristian). 

   - Beh?! Preciso saber. Porque disso tudo? Porque um andróide que pode se tornar meu segurança? Um aerocar das forças especiais adaptável para mim? Porque?

   - Temo pela sua segurança irmãozinho. Você fica muito exposto. O papai é muito poderoso. São muitas coisas que você não sabe. E é melhor não saber. Apenas confie em mim. 

   - Quando é que vocês vão parar de me tratar como um bebê? Já tenho vinte um anos. Sou um adulto.

   - Tecnicamente você ainda tem vinte. Seu aniversário é só amanhã. Mas confie em mim. Não acredito que possam tentar algo com a mamãe. Porém já tomei minhas providências quanto a isso. Mas isso tudo é só uma forma de manter você em segurança. Você sabe que te amo e sou diferente do papai e do Cristian. Então confie em mim.

   - Tudo bem Bernardo. Mas me promete me tratar mais como adulto...(dou uma pausa). - E me contar se tiver acontecendo alguma coisa?

   - Prometo.

   Nos abraçamos novamente.

   - Obrigado pelos presentes Beh. 

   Ele apenas assentiu com a cabeça e deu um sorriso.

   - Use os com sabedoria. Você merece tudo de bom maninho. Você... É tudo para mim, para mim e para a mamãe. Se cuida viu. Te amo muito.

   Meus olhos começam a encher de lágrimas. Mas fico firme. 

   - Ah! Não esqueça de dar um nome ao MXT. 

   Ele atravessa a pequena cozinha da minha célula é sai pela porta que dá acesso ao interior da mansão. Me viro na direção do Androide.

   - Pois é andróide... Agora somos apenas eu e você. (O andróide está em pé na minha sala. Ele dá um pequeno sorriso). - Imagino que sua inteligência artificial seja de última geração certo? 

   - Sim. Senhor Vitor. 

   - Não! Senhor... Não. Apenas Vitor! OK? 

   - OK. 

   - E não quero que você fique agindo como um criado ou um empregado. Tudo bem?

   - Tudo bem Vitor.

   - Pesquise na nova rede. Tudo o que você conseguir sobre o comportamento entre amigos, melhores amigos, amor de irmãos. Tudo ligado a família. Amor de família. 

   - Pesquisa completa. 

   - Mais já? 

   - Enquanto você falava, eu apenas lembrei que o senhor Bernardo já havia me pedido para que pesquisasse sobre esses assuntos. Pois é assim que ele disse que seremos. Como melhores amigos e irmãos. Vamos aprender um sobre o outro e guardarei todos os nossos segredos. 

   - Que bom. Porque você vai ter que me ajudar em algumas coisinhas. 

   - O que vamos fazer Vitor? (Ao falar ele faz uma espresso de empolgação, o que é muito estranho).

   - Preciso recuperar um código bip que sem querer apaguei da minha mini tela de pulso. (O calor e o formigamento voltam só de pensar no Danilo. Não posso contar nada sobre ele ao MXT. Pelo menos não agora. Não sei exatamente ainda a que tipo de acesso o Bernardo tem dele ou não). - Será que você consegue encontrar, na nova rede, como recuperar dados perdidos de uma minitela de pulso? Sem querer eu apaguei o código bip de um colega do curso avançado.

   - Claro. Me dê a minitela. (Tirei a fina pulseira de metal prateado do meu pulso esquerdo e entreguei ao MXT. Ele segurou com o dedão e o indicador esquerdo e olhou fixamente para o objeto. (Imagino que está scaneado a). - Código bip: K13/5318-78F3H, de Danilo Albuquerque. Deletado da minitela de pulso no dia 22 de maio do ano 132 G.C. (Após a grande catástrofe a contagem de anos se iníciou novamente. Pois chegou se a um consenso comum entre todos os sobreviventes de que uma nova terra teria de ser iniciada. G.C. = Grande Catástrofe), - Ás 23:48hs. Recuperar dados? 

   - Sim MXT. Recupere. Por favor. (Ele estica o braço e me entrega a minitela).

   - Dados recuperados. 

   Só de pensar que ele recuperou o código bip do Danilo o calor e o formigamento na minha cabeça começam.

   - MXT! Procure na medicina. Formigamento na cabeça e temperatura do corpo elevada. Veja se são sintomas de alguma doença. 

   Sei que ele é rápido nas pesquisas pela nova rede. Vou na cozinha tomar um copo d'agua. Volto para sala com um pacote de biscoito salgado nas mãos. 

   - Não fique aí em pé no meio da sala. Sente se em algum lugar. 

Ele apenas caminhou e se jogou em um puff no canto da sala sem falar nada. Ele já estava pesquisando. O calor e o formigamento não passam. Porém eu ainda sei que eu, sou eu. Ele ainda não está no controle. Tenho medo de falar o nome dele e perder o controle. Preciso m****r uma bip mensagem de voz para o Danilo. Não... Talvez uma bip mensagem de texto ou que tal uma holomensagem? Uma bip mensagem de texto é melhor. Vai que ele está com alguém. Assim eu não o incomodo. Preciso fazer alguma coisa. Sinto que os dois estão dentro de mim. Eu e o Igor. Por uma semana consegui controlar o Igor preso aqui dentro. Mesmo com o forte formigamento na cabeça e o calor pelo corpo. Mais agora já estou sem forças. Num impulso a decisão é tomada rapidamente. Sinto a força é a liberdade dentro de mim, não como eu, Vítor... Cheio de interrogações. E sim como eu... Igor.

Posiciono o braço a frente do meu rosto e dou uma voz de comando a minitela de pulso. 


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