"Temos um problema para resolver."
Foi a mensagem que chegou em meu celular às três da manhã.Sim, às três, quando eu deveria estar dormindo mas estava acordada resolvendo outros mil problemas que estávamos tendo.As coisas na Calisto não iam tão bem quanto queríamos.Benedict era um ótimo diretor, seu pai nunca errou em colocá-lo para conduzir a empresa, no entanto, problemas e processos sempre vinham.Sendo sua secretária e meio que um braço direito há três anos, era eu quem precisava cuidar da maioria desses tais problemas."Um enorme, imenso e gigantesco problema." Ok. Algo estava fugindo do controle.Meu chefe era calmo, nem um pouco exagerado, então se usou três adjetivos com praticamente o mesmo significado para definir a situação, as coisas não estavam mais correndo em uma linha reta e sim, já haviam capotado em uma curva a duzentos quilômetros por hora.O celular em minhas mãos era a única coisa que iluminava o quarto.Saí do aplicativo de mensagens e logo digitei o número de Bene.Ao levar o aparelho até o ouvido, o quarto entrou em uma escuridão que quase me fez fechar os olhos e dormir, sem nem ouvir as palavras do homem.Contudo, no terceiro toque ele atendeu, e então entendi que a situação tinha realmente fugido do controle.— Tyler Legard entrou com um pedido para mudar o diretor de operações da Calisto. A nossa Calisto. Nosso negócio. Nossa empresa. A porra da única coisa boa que conquistei na vida — soltou, irritado.Merda.— Tem certeza disso? — Cocei o olho e quase cedi ao peso do sono que caía sobre eles e sobre todo meu corpo.Benedict riu com desgosto do outro lado da linha e resmungou algo que não consegui entender.— Ele quer a diretoria, Hope! Quer tomar o que me pertence por merecimento. Como é que ele pode fazer isso? Que porra! — bramou, e eu simplesmente afastei o celular do ouvido, tendo agora a dor de cabeça mais forte que antes.— Bene, olha só, ele não pode fazer isso. O Tyler está comandando a Hayans, você sabe que seu pai foi muito específico quanto à distribuição de cargos. Ninguém pode aceitar que ele também seja o CEO das Joalherias. Nem sua mãe, nem qualquer outra pessoa vai concordar com isso — tentei acalmar com fatos.A Calisto era uma empresa enorme, começou com Kalel Hughes no comando, avô materno dos dois, passou pelas mãos da tia deles, depois se tornou um negócio exclusivo de Chloe Clinton, mãe dos homens que atormentavam os meus dias.Neste ponto tínhamos a revista Hayans, que sempre foi o negócio principal dos Legards, e depois a Grife que surgiu com os anos, que também seguiu com o logo da Hayans.Haviam muitas pessoas competentes para assumir os cargos de diretores das três, porém, Paul foi muito específico ao dizer que para comandar cada uma delas, teria que haver merecimento, como Benedict disse, e ele conseguiu isso depois de se esforçar como qualquer outro dos netos.Era certo que coisas haviam fugido do controle nos últimos meses.O designer de jóias nos traiu próximo à exposição anual, cedendo nossos modelos exclusivos para a concorrência, o que gerou um processo extenso contra ela mas uma dor de cabeça enorme para nós.Com modelos expostos antes mesmo de estarem conjurados, tivemos que nos virar para arrumar outro designer e modelos suficientemente bons.Mas isso não poderia ser motivo para Tyler tentar tomar o controle total das Joalherias.Isso era só uma gracinha dele, só mais um jeito de provocar, exatamente como sempre fazia.Um suspiro pesado pôde ser ouvido por mim. Benedict não estava bem e provavelmente não ficaria tão cedo.— Posso ir para o seu apartamento? — questionou baixinho.Olhei para o lado e avaliei o corpo deitado na escuridão, em um sono profundo.Óbvio que estaria exausto depois do que fizemos horas antes, mas isso não vinha ao caso, a questão era que ele continuaria não entendendo e faria o máximo para entrar em uma discussão por conta das exigências e falta de senso do meu chefe.— Hope...? — chamou, me despertando de quase adormecer pensando demais.— Você está aonde? Posso ir até você — afirmei, tirando o edredom de cima das minhas pernas, me apressando a sair do quarto sem fazer barulho.— Na empresa ainda.Que caralho!— Às três da manhã, Bene?Só podia ser brincadeira.Ele estar entrando nessa fossa mais uma vez, apenas por pensar pequeno demais não era nem um pouco bom.— Eu não quero sair daqui. Não quero perder isso. Não posso deixar ele tomar a Calisto. Simplesmente não posso — justificou, o que não foi tão útil assim.Acendi a luz ao chegar na cozinha e pensei por mais dois segundos.— Você por acaso bebeu?— Não — disse de um jeito que desconfiei.— Consegue ir para o loft e me esperar lá?Benedict demorou para responder, uns trinta segundos depois achei que ele havia desligado.— Não demora? — perguntou manhoso. Bem a cara dele.— Não... Chego em vinte minutos.— Ok. Te espero na porta.Antes que desligasse, precisava evitar um acidente.Por muitas razões inexplicáveis ou nem tanto assim, ele confiava em mim de modo que eu poderia mudar a situação, pelo menos até ele chegar inteiro no loft.— Bene, nós vamos resolver isso bem rápido e a única coisa que precisaremos nos preocupar depois será em deixar a exposição perfeita a ponto de ter o país inteiro falando sobre ela. Tudo vai entrar nos eixos... E, peça um táxi caso não esteja apto para dirigir. Você precisa estar inteiro para receber sua recompensa.— Tudo bem, vou chamar o táxi — informou e finalizou a ligação.Passei as mãos no rosto assim que bloqueei a tela do celular e deixei na bancada da cozinha.Exausta nem de perto era a palavra que me definia.Eu estava tão esgotada que não sabia se conseguiria passar por tudo aquilo sem pedir arrego.Amava meu serviço e principalmente meu salário, mas aquilo já não era algo natural que eu conseguisse guiar meu corpo e minha mente para executar.Era difícil.E conviver tanto tempo com meu chefe, era um tanto quanto complicado para mim.Não que ele fosse um monstro, era só um chefe, que pega no pé e às vezes é folgado, mas nunca havia me maltratado de forma alguma, o que não mudava as dificuldades de estarmos juntos.Ele e Tyler não cansavam de brigar diariamente, mesmo não se vendo, eles davam o jeitinho deles e isso era super cansativo.E então, mais uma vez estava eu a caminho de tentar ajeitar a situação.Era sempre a mesma coisa, e eu só clamava aos céus para que, dessa vez, não fosse uma situação tão desastrosa.Amava meu trabalho, mas suportar aqueles dois se tornava uma tarefa bem complicada.Sem esperar mais, fui até o armário, peguei um dos casacos que estavam pendurados ali e o vesti por cima do conjunto de pijama cinza. A calça não era lá tão fina e eu não tinha tempo para ficar me arrumando. Não seria nada surpreendente afinal. Não tinha essa frescura com meu chefe, tanto que estava indo até seu loft às quase quatro da manhã para só o acalmar.As coisas entre nós eram naturais demais, mais do que profissionais.Só percebi que saí dirigindo sem pegar meu celular quando já estava chegando na residência de Benedict. Se o homem lá em casa tentasse contato comigo, não teria êxito. No fim, não dei muita importância para isso, e sim para a situação do meu chefe quando enfim cheguei.Bene estava sentado na frente da porta, onde disse que iria me esperar. Suas mãos estavam enroscadas nos fios de cabelo um tanto quanto longos e escuros, sua cabeça curvada quase no meio de suas pernas e de longe pude notar a camisa desabotoada, com as mangas emboladas na altura dos cotovel
Eu amava respirar ar puro, sentir a brisa da manhã tocando meu rosto, me deixar levar apenas pelos sons das árvores chacoalhando e dos pássaros cantando, era o meu calmante natural.Fazia isso com tanta frequência para fugir do caos, para me ver longe dos problemas, e esse era o único jeito de encontrar uma fonte de paz dentro de mim mesma, porque um ponto fora era inexistente, sempre foi depois que ele foi embora.Fechei os olhos e senti a brisa acariciar minha face, abraçar meu corpo, e me trazer as melhores sensações do mundo. Aquilo era tudo o que eu mais queria fazer. Estar no silêncio, em contato com a natureza, fugindo de um mundo turbulento… Não tinha como desejar mais.— Hope? Abri os olhos e virando minha cabeça, vi Benedict se aproximando apenas de calça jeans, sem camisa, com os cabelos bagunçados e a barba sem aparar.Era terrível e insano vê-lo daquele jeito.Não respondi ao seu chamado, apenas encarei por tempo demais seu abdômen e sua boca, sempre intercalando o olh
Dirigi até meu apartamento em tempo recorde, e ao chegar, me deparei com algo que não pensei em ver jamais. Meu estômago doeu e não foi só pela fome. Um medo e um incômodo se fez presente quando meus olhos viram aquilo.O homem de cabelos claros e corpo atlético estava com duas caixas grandes cheias perto de si, uma delas ainda aberta sobre a mesa da cozinha enquanto ele terminava de guardar uma de suas jaquetas preferidas ali.— O que está fazendo? — Bati a porta forte para que notasse minha presença na sala.Meu namorado me olhou com aparente desprezo, quase fazendo uma ânsia de vômito ao me ver. Ele voltou sua atenção para a caixa e se empenhou em fechá-la, fingindo que eu não estava me juntando a ele em nosso apartamento. Fingindo que minha existência não tinha importância alguma.Ah, mas ele não ia agir dessa forma comigo. Não mesmo!— Josh, por que está arrumando suas coisas? Eu só estava trabalhando, você sabe disso, sabe que não tem motivos pra ir embora — continuei com os
"Vou me atrasar. Tenha paciência." Foi a mensagem que enviei para Benedict.E que ele tivesse muita paciência.Fazia quarenta minutos que eu estava do outro lado da cidade, na empresa de Tyler, apenas esperando que ele me atendesse.O único jeito de resolver as coisas de forma rápida, era fazer tudo com agilidade e sem enrolação. Tyler tinha que ser colocado contra a parede para que eu começasse a agir e impedir que a diretoria fosse tirada de Benedict.Não que isso fosse uma ameaça real, porém, nem mesmo riscos nós deveríamos correr.Permaneci batendo os saltos no piso brilhante enquanto aguardava ser chamada. Além de ser um idiota de patente maior, Tyler me fez esperar por ele na recepção, como se eu fosse qualquer pessoa. E no caso, deveria dar mais valor visto que quem estava prestes a resolver seu problema era eu.Mas não. Com o homem tudo era uma grande brincadeira quando ele queria. Podia ser muito competente como CEO, mas como pessoa ele não me agradava.— Senhorita Lisbon,
Caos.A sede das Joalherias Calisto estava um caos.Havia tantas pessoas circulando pelo andar principal que eu quase não consegui chegar no setor desejado. O gestor, o diretor, toda a assessoria, os designers, e todo o marketing estavam caminhando de um lado para o outro, com papéis nas mãos, com caixinhas que portavam jóias, e com mais mil coisas que eu nem sequer gostaria de pensar.A pré-exposição daria um trabalhão, podia sentir isso logo de cara.— Ah, Hope. Aí está você! — Carly se aproximou com um bocado de papéis. — Os novos designs chegaram e o Benedict disse que você precisa aprovar cada um deles.Franzi as sobrancelhas ao ouvir o que a moça disse.— Eu?— Sim. Ele disse que se não houver aprovação da sua parte, os modelos não poderão ser desenvolvidos nem apresentados na pré-exposição — contou com ingenuidade.— Certo. E onde está o responsável designado para fazer isso? Aquele que decidimos na reunião? — Cruzei os braços já querendo gritar para ela não me encher com cois
— Você não está falando sério, não é? Você não pode ter transado com todas as mulheres que pertenciam aos homens que conviviam com você.Isso era totalmente inacreditável. Ele não podia estar falando sério! Por mais que no fundo eu não conseguisse duvidar de verdade de uma informação assim.Benedict suspirou pesado e continuou com cara de bosta.— Sim. Eu transei com a namorada do meu melhor amigo. E sim, eu sei que sou um otário.Por Loki! Nem o deus da trapaça era tão baixo.— Você já passou por um psiquiatra? Já pensou em fazer algum tratamento? Porque sinceramente, você deve ter problemas sérios relacionados à sexo com mulheres que pertencem a pessoas que se importam com você.Meu chefe lançou um olhar feio, repreendendo minha fala.Não abaixei a cabeça. Estava certa de que ele só podia ser doido. Outra explicação para fazer tanta merda não parecia existir.— Eu já disse várias vezes que tinha um caráter de merda no passado, o que não significa que acho lindo tudo o que já fiz
Depois de três dias andando em círculos eu tomei uma decisão.Usamos todos os números disponíveis na empresa para falar com Carl Terris, mas com nenhum deles tivemos êxito já que o homem se recusava a falar conosco. Então, tive que bolar um plano.Benedict tentou marcar uma reunião. Lauren tentou dez minutos do tempo do homem. Eu tentei uma frase. E nada. Ele não quis saber de nada referente à Hayans e à Calisto, então tive que apelar e usar meu lado mais persistente.Precisei entrar em contato com umas três pessoas para enfim saber onde Carl estava, e quando descobri que tinha uma reunião com possíveis investidores em um de seus hotéis, fui para a porta do estabelecimento o esperar.Ele tinha que dar uma chance ao meu chefe. Só uma. Nós precisávamos dela, não tinha como ser de outra forma.Fiquei parada por talvez duas horas, apenas aguardando o momento certo. Entrar no hotel não era o mais indicado visto que ele havia evitado até as minhas tentativas, então teria que aguardar
A tentativa de manter tudo em ordem na Calisto não estava tendo muito êxito. Nós tínhamos poucos dias para terminar os preparativos pois a pré-exposição aconteceria muito em breve. Era um evento importante, sempre foi desde que a tia de Benedict o fez ser memorável, então não podia deixar passar nenhum detalhe mal resolvido.Quando cheguei na empresa para dar a ótima notícia para Benedict, todos os presentes estavam na mesma correria de dias atrás, e aquela desordem me encheu de angústia. Contudo, colocaria ordem na bagunça depois que anunciasse minha conquista para meu chefe. Uma coisa de cada vez e então tudo ia se resolvendo.— Boa tarde, senhorita Lisbon — Lauren desejou, simpática.— Boa tarde! O Benedict ainda está aqui?— O dia em que ele sair cedo dessa empresa, algo de muito errado vai estar acontecendo. — Riu do fato. Eu também.Sem bater, abri a porta e encontrei meu chefe rodeado de papéis em cima da mesa, e cara de poucos amigos. Os olhos claros deixaram de encarar u