Capítulo 04 — Acordos De Última Hora

*****

Rio de Janeiro - Brasil, 1991

*****

Eram umas sete e meia da manhã quando Anytha acordou e tratou de tomar seu desjejum, pensando no pedido de Mark. "Como esconderia o verdadeiro motivo dos dois irem à França para seus pais?", pensou aturdida. Tinha conversado com Alanis e não chegaram à nenhuma conclusão, mas terminou dizendo-lhe para aceitar o pedido, porque com isso, seria uma chance de esquecer a dor que Murillo causou-lhe. E assim Anytha ligou para sua mãe Marina e avisou que iria com Alanis até Nova Iguaçu para visitá-los. Aquele bairro trazia-lhe muitas lembranças, boas e ruins, só que teria que de alguma maneira se despedir de vez daquele lugar, pois afinal de contas, seus pais moravam lá. Quando desligou o telefone, sentiu uma ansiedade tomar conta, querendo expor tudo à sua mãe Marina, talvez para que entendesse sua decisão. E seu pai Jules? Seria muito custoso convencê-lo dessa história toda. Porém, o pior é que Mark tinha se antecipado, inventando que a viagem seria a trabalho. Respirou fundo, porque decidiu que não se aborreceria com nada. Mark parecia tão certo do que pretendia. Então, arriscaria um pouco. A primeira visita que recebeu seria de um entregador de flores com um belo "bouquet" de rosas vermelhas. Assim com todas, havia um bilhete.

"Para minha querida noiva e salva-vidas, Anytha.

PS: Estarei aí daqui há pouco.

Beijos do seu Mark".

Um largo sorriso brotou nos lábios de Anytha, parecendo ter encontrado seu príncipe encantado, mas assim que colocou as flores num jarro, se lembrou de que tinha que ir à Nova Iguaçu e foi arrumar as coisas. Alanis achou lindas aquelas flores e ficou cheirando-as tanto até espirrar, parecendo ter contraído um resfriado. E desse modo, pouco tempo depois, Mark tocou a campainha. Quando Anytha abriu a porta, começou a rir sem controle, pois Mark estava com uma calça bege e uma camiseta com estampas florais em tons azuis, verdes e amarelos, se assemelhando a um típico turista no Brasil. Assim que Alanis viu-o também, não sabia se ria ou se chorava, colocando a mão na testa, como se estivesse vendo um doido varrido.

— O que houve? — Mark perguntou desconfiado e sem entender. — Alguma coisa errada?

— Nada! — Anytha continuou rindo e puxou-o para o sofá, disfarçando o sorriso e encarando-o. — Vai comigo para Nova Iguaçu conversar com meus pais?

— Anytha, tenho algumas coisas para fazer lá dentro... — Alanis percebeu que ambos precisavam permanecer sozinhos e fez um aceno leve com a cabeça. — Volto depois...

— Acho que sim... — Mark viu Alanis sumir nas sombras e se sentiu mais à vontade, se voltando para Anytha. — Se você não se importar com minhas roupas...

— Claro que não, Mark! Ai, tadinho! — Anytha segurou o riso. — Eu só queria ver você encabulado!

E beijou-o depois, mas como parecia que Mark estava gostando, resolveu se afastar, imaginando seus pensamentos.

— Mark, se vamos viajar... — Anytha questionaria séria. — Será essa próxima semana, né?

— Na verdade, preciso de um mês para arrumar tudo! — Mark arregalou os olhos como se não acreditasse. — Mas se está dizendo isso, é por que vai se casar comigo?

— Vou! — Anytha levantou e andou de um lado para o outro, voltando para Mark. — Mas tem um porém! Meus pais precisam saber! Apenas peço isso!

— Está bem! — Mark concordou e assentiu com a cabeça. — Mas como você acha que reagirão?

— Não sei... — Anytha comentou pensativa e cheia de incertezas ainda. — Pretendo ir lá para saber...

— Então vá, mas eu solicito a você uma coisa... — Mark fez pausa para aquilo. — Diga aos seus pais que não contem a ninguém sobre o nosso casamento...

— Mark... — Anytha encarou-o desconfiada, mas Mark beijou-a para calá-la. — Tudo bem...

— Não se preocupe... — Mark tranquilizou Anytha. — Vá na frente, que eu chego mais tarde...

— Está bem... — Anytha suspirou concordando, pois era necessário preparar o terreno. — Eu aceito isso...

Parecia mais um negócio do que o casamento dos sonhos, mas já estava cansada de devanear e a realidade era outra. Quem sabe ao lado de Mark, poderia se sentir segura?

Com isso, Anytha e Alanis estavam em sua antiga casa onde foram criadas, conversando com sua mãe Marina. Era uma Senhora simples, do lar mesmo.

— Tem certeza que é isso que você quer mesmo, minha filha? — Marina parecia estar muito apreensiva com a ideia de ver Anytha se casando de repente. — Você pretende isso realmente?

— Acho que sim, mãe... — Anytha engoliu em seco, pois precisava ser sincera. — Está certo que eu conheço Mark há pouco tempo, mas vou tentar ser feliz em outro país...

— Mãe, eu conversei com Anytha sobre isso... — Alanis disse, com Marina encarando-a de modo pesaroso. — Chegamos à conclusão que pode ser algo muito bom e não se preocupe com nada...

Marina bem sabia que Anytha não era nem um pouco nacionalista e para onde quer que fosse, não sentiria falta do Brasil.

— Bem! Você é quem sabe! — Marina suspirou conformada. — Agora como é que você contará isso para seu pai Jules?

— Meu pai já sabe... — Anytha limpou a garganta. — Não precisa avisá-lo de nada mais...

— Já? Como assim? — Marina arregalou os olhos. — Contou-lhe tudo desse modo intempestivo?

— Pelo menos, que eu partirei para França daqui um mês... — Anytha olhou suas unhas bem aparadas, tentando disfarçar o nervosismo. — Está tudo controlado...

— Anytha! — repreendeu-a de modo solene. — Você não me disse que seria imediatamente! E seu enxoval?

— Ah, mãe! Não se preocupe! — Anytha já estava sem graça com tantas explicações. — Casaremos no civil! E depressa, iremos para França! Lá, eu posso comprar tudo!

— Eu, hein! — Dona Marina suspirou. — Não é nenhuma criança! Mas quanto a Murillo?

— Mãe, olhe bem! Anytha é adulta bastante para saber que isso será muito bom para sua vida! Além do mais, Murillo desapareceu do mapa e não merece que ninguém espere-o para sempre! — Alanis deu uma bronca em Marina, que encarou-a estupefata. — Anytha precisa ser feliz de verdade e Murillo é passado!

— Desisti, mãe! — Anytha respondeu incomodada, completando depois de Alanis. — Não quero comentar de Murillo!

Assim Anytha e Alanis, seguidas de Marina, vieram para a saleta, porque Jules tinha acabado de chegar, aproveitando para comerem um lanche com suco de pera.

— Estão aproveitando o final de semana para passear? — Jules cumprimentou-as, sorrindo. — Como estão minhas princesas?

— Não, pai! Nada disso! — Anytha sabia que tinha que aguentar mais ladainha dos pais. — Eu vim para me despedir de vocês!

— O que? — Jules se inquietou perante sua resposta. — Vai para França mesmo?

— Vou sim, pai! É isso! — Anytha deu um gole no suco de pera e sorriu para Jules. — Recebi uma boa proposta!

— Como assim? — Jules se sentou à sua frente curioso, encarando Alanis, que deu de ombros. — Me conte tudo!

— Pai, é o seguinte... — Anytha respondeu devagar. — Eu e Mark vamos casar-nos nos próximos dias...

— Quem? — Jules se levantou exaltado. — Aquele marinheiro inglês da Fragata Naval?

— Pai, calma! Escute Anytha! É algo muito bom! — Alanis se intrometeu diante do susto de Jules. — Pode ter certeza que Anytha têm seus motivos também!

— Sim, pai! Eu sei que parece estranho! — Anytha precisava que Jules não fizesse oposição. — Mas Mark me ofereceu uma vida melhor na Europa! Gostamos um do outro e vamos fazer isso depressa!

— Desse modo súbito? — Jules parecia não querer aceitar aquela proposta. — Do dia para a noite?

— Ah, pai! Eu poderia ir apenas a passeio, mas aí, não estaria sendo sincera com vocês! — Anytha acarinhou a cabeça de Jules, que parecia ceder. — E pai, você melhor do que ninguém conhece a vida profissional de Mark! Sabe quem seria de verdade!

— Sei! Conheço sua vida profissional e não pessoal! — Jules contestou. — Mas aonde se casarão? E quando?

— Daqui há um mês... — Anytha continuou. — Por falar nisso, Mark vêm falar com vocês hoje no jantar...

— Esse inglesinho... — Jules deu o braço a torcer. — Ah, meu Deus! O que faço com você, Anytha?

— Como é esse Mark? — Dona Marina perguntou curiosa, ouvindo o comentário do esposo Jules. — Parece ser alguém bom?

— Mark é um marinheiro de terra! — Jules balançou a cabeça com desdém. — Que só sabe falar inglês!

— Mark é uma graça! — Anytha tentando ser apática à ressalva de Jules, abraçou Marina e sorriu. — Um gentleman! Vai gostar de conhecê-lo!

— E por favor, pai e mãe, sejam gentis! — Alanis disse, ansiando que entendessem tudo aquilo enquanto ambos encaravam-na com rostos meio inconformados ainda. — É a felicidade de Anytha que está em jogo! Ok?

E assim às oito horas da noite, Mark chegou, já com uma bela camisa branca e calça social azul. Como só sabia falar inglês, Anytha e Alanis se apressaram em apresentá-lo à Marina. Durante o jantar, Anytha e Alanis tiveram que traduzir os elogios e articulações que Mark tecia.

— Por que a pressa em se casar com minha filha Anytha? — Jules resolveu ir direto ao assunto, com todos na sala, prontamente sendo final da refeição, oferecendo um copo de uísque à Mark, perguntando de modo incisivo. — Hein, Senhor Wilson?

Mark deu um gole na bebida antes de responder, depois de Alanis traduzir tudo para Marina, com vergonha do tom de Jules, que sabia falar inglês.

— Bom, Senhor Jules, preciso voltar para França urgentemente, onde me encontrarei com meus superiores! — Mark disse calmamente. — Tenho uma herança para receber, da qual seria necessário estar casado! Não com uma brasileira, mas sim com uma garota da minha terra, só que ao conhecer sua filha Anytha, não tive dúvidas de que estaria fazendo a escolha certa!

— Bem, bem! — Jules bateu com as unhas na mesa. — Bom, espero que não exista algo por detrás de tudo isso!

Alanis traduziu e não se sentiu nem um pouco à vontade com as indiretas de Jules. Não sabia por quê, mas confiava em Mark, apesar de o casamento ser apressado.

— Não se preocupe, Senhor Jules! Prometo que sua filha Anytha estará em boas mãos! — Mark tentou disfarçar, mas engoliu em seco, resolvendo ser otimista em suas palavras, depois de ver o olhar de carinho que Anytha mandou-lhe. — Quando estiver tudo resolvido, voltaremos ao Brasil!

Senhor Jules tentou sorrir. Assim todos brindaram, comemorando o noivado. Depois daquilo, Andrew Wilson, Tio de Mark, um político influente na Inglaterra, auxiliou-o com as papeladas para se casarem mais rapidamente no Consulado Britânico do Rio de Janeiro um mês depois, com tudo sendo preparado para a viagem.

Dona Marina, chorona, se debulhou em lágrimas enquanto Anytha e Mark sorriram um para o outro. E assim casados, no outro dia, rumariam para a França.

"Enfim, tudo parece estar dando certo", pensou Anytha, querendo que sua vida nova valesse à pena realmente.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo