*****
Rio de Janeiro - Brasil, 1991*****Um dia antes da data do casamento no Consulado Britânico do Rio de Janeiro, apesar de animada, Anytha daria seu último plantão e a primeira chamada que recebeu, deixou-a apreensiva. Conhecia o navio brasileiro que acabara de ancorar. Era o navio que Eduardo, onde seu ex-namorado, viajava. Alanis notou algo estranho em seu olhar e pediu que tivesse muita calma, pois não podia se impacientar, já que afinal de contas, estaria casada no dia seguinte. Mesmo chateada com a ideia de se encontrar com Eduardo, assumiu sua função, dando boas-vindas aos tripulantes. Após desligar seu transmissor, permaneceu examinando pela janela da cabine os marinheiros que desciam do navio com aquela farda branca. Avistou Eduardo, que se aproximava cada vez mais. Alanis continuou do lado, segurando sua mão em apoio, com Anytha sentindo até firmeza pela quentura do toque de sua maninha, como se quisesse dizer em silêncio que tudo estaria bem. Ambas eram muito unidas e davam suporte uma à outra. A farda de Eduardo era impecável e mantinha a pose de militar autoritário, exibindo sempre um sorriso cínico. Tinha uma pele bronzeada, que combinava bem com a coloração branca de sua farda, além de um par de olhos verdes, que escondia com seus óculos escuros. Eduardo era a última pessoa que Anytha queria ver naquele dia, mas como não podia evitar o encontro, prosseguiu esperando-o chegar.
— Mana, permaneça calma e evite discussões! — Alanis pediu-lhe com preocupação, não querendo que Anytha se irritasse. — Você se casa amanhã e não quero vê-la alterada por causa de Eduardo! Ok?— Pode deixar! Vou permanecer bem! — Anytha respondeu-lhe mais tranquila, respirando fundo. — Não quero conflitos mesmo, só quero paz e serenidade! Que Jesus me forneça isso!— Anytha! Finalmente encontramo-nos! — Eduardo cumprimentou Anytha, nem notando Alanis no local assim que adentrou na saleta. — Não sabia que trabalhava aqui, mas ao ouvir sua bela voz me desejando boas-vindas, reconheci na hora! Quero dizer, boas-vindas a tripulação! Por isso, vim te ver! Como você está?Eduardo veio beijando-a no rosto e Anytha deu um sorriso amarelo. Culpava Eduardo por toda desilusão que passara com Murillo e não gostava do seu modo de conquistador barato.— Estou muito bem! — Anytha achou os modos de Eduardo um tanto sebosos. — Como pode ver!— Olá, Eduardo! — Alanis alfinetou, sabendo que quando pediu que Anytha se sentisse calma, não gostou daqueles modos grosseiros de Eduardo, tentando não discutir. — Caso não tenha notado, estou aqui também!— Ah, desculpe, Alanis! Só vi você agora! — Eduardo respondeu-lhe por obrigação, passando a desprezá-la novamente. — Olá para você também!Alanis fechou os punhos com raiva. Nunca gostou de Eduardo e de sua pose, que considerava de malandro, tentando não soltar umas patadas, pois não queria dar crise de histeria.— Você está muito linda! — Eduardo aproveitou a deixa, para mais uma de suas cantadas baratas em Anytha, como se Alanis não existisse ali. — Gatinha, está com sorte! Como sempre! Eu estou de férias e pretendo visitar minha mãe!— Ah, né? — Anytha, não suportando sua prepotência, respondeu com desdém. — Que bom para você, pois hoje é meu último dia aqui, já que estou de férias também!— Que coincidência ótima! — Eduardo aqueceu as mãos, vibrando como se estivesse com sorte. — Podemos passar as férias juntos!Alanis experimentou a mão tremer para dar um tapa na cara de Eduardo, devido ser abusado, odioso e idiota. Além de fazer teatro, como se estivesse invisível, continuava incomodando Anytha com seus flertes imbecis. Mas respirou fundo, contando até dez segundos, tentando não cometer bobagem.— Já tenho com quem passar as férias! — aquilo era só o que faltava, Eduardo ainda nutria esperanças e Anytha não aguentando ter que ouvir tudo isso, respondeu super ríspida. — Uma boa companhia!— Não me diga que é com o falso Don Juan? — Eduardo olhou-a com mais cinismo, ainda retrucando. — É com Murillo?Em seguida, Anytha se levantou de onde estava sentada. Eduardo não tinha o direito de se meter na sua vida amorosa daquela forma. Ainda mais, se referindo a Murillo assim.— E se for com Murillo? — começou a se irritar muito. — Eu não te convidei para invadir minha sala de trabalho e se veio para me aborrecer, é melhor que siga seu roteiro!— O que é isso, fofinha? — nem assim Eduardo se intimidou, continuando as insinuações. — Não vim até aqui para discutir com você! Pelo contrário!— Dê o fora, Eduardo! Cale sua boca e vaze daqui! Você não passa de um otário mesmo! — Alanis não suportou e se intrometeu, permanecendo em seu caminho. — Você é surdo, além de burro?— Olhe, baixotinha, fique na sua e não se meta! Pois o papo é com Anytha, não com você! — Eduardo respondeu-lhe, pouco se importando com aquilo. — Você quem tem que vazar daqui! Aliás, se enfie numa garrafa, seu palito! Desaparece do mapa!Eduardo, cheio de arrogância, deu um empurrão em Alanis, que quase se desequilibrou, evitando se esborrachar no chão, sem reação alguma. Eduardo se aproximou e Anytha recuou, se sentando de novo, perplexa com o que tinha feito com Alanis.— Me deixe em paz, Eduardo! Você não entendeu que existe alguém muito importante para mim nesse momento? — Anytha disse em alto e bom som, se segurando para não avançar em sua direção. — E não volte a encostar um dedo em Alanis ou farei um escarcéu!— Ainda ama Murillo! — Eduardo deu uma risada vencido, meneando a cabeça. — Eu sabia disso!— Sim! Amo-o mesmo! E daí? — Eduardo estava querendo que Anytha confessasse a qualquer custo e conseguiu. — Você não tem nada a ver com minha vida!Anytha não sabia porquê estava dizendo tudo aquilo, mas preferiu não revelar seu casamento com Mark. Aquele homem poderia atrapalhar de algum modo. Por fim, Eduardo se rendeu, dando lugar à raiva.— A velha estória de quem eu quero, não me quer! — Eduardo assumiu a posição de chantagem de sempre. — Eu ainda espero que você deixe de se iludir por Murillo e reconheça a besteira que cometeu em me deixar!Dizendo isso, Eduardo arrumou seu quepe, bateu continência e saiu da cabine, mas não sem antes, golpear seu ombro contra Alanis de novo, que estava no caminho, terminando por colidir contra a parede.Anytha veio correndo em direção de Alanis, perguntando se estava bem, com as duas chorando de raiva por causa dos modos agressivos de Eduardo."Droga!", Anytha praguejou mentalmente, porque Eduardo sabia provocá-la. Não queria assumir que amava Murillo ainda, mas parecia evidente. Para que se enganar? Pensando nisso, Anytha e Alanis fecharam sua cabine mais cedo. Anytha tinha que se despedir de seus superiores. Sendo assim pediu que não informassem a ninguém onde trabalharia, indicando novamenteNo outro dia ao se encontrar com Mark para almoçarem juntos, Anytha se sentiu tão segura, que acabou esquecendo do episódio do dia anterior. O almoço foi descontraído. Mark, com sua simpatia e bom humor, conseguia tirar boas gargalhadas de Anytha, que parecia estar colocando uma pedra em seu passado com Murillo finalmente. Enquanto Alanis participava do banquete também, olhando para Mark e ficando perturbada pelos seus olhos verdes, baralhada pelo que estava sentindo, sem saber que sua vida seria alterada com aquele casamento também.Dada a hora do casamento, estavam os dois sorrindo um para o outro. Como seria um casamento apenas no Consulado Britânico do Rio de Janeiro, a bela Anytha não estava de noiva, mas vestia um lindo terninho azul-claro apenas. E Mark, apesar de estar muito elegante e bonito, usando um terno preto, parecia aéreo. A cerimônia foi rápida, apenas seus pais e Alanis estavam presentes como testemunhas. Anytha pensou em convidar alguns amigos ainda, que já eram poucos, só que Mark com sua bendita herança, pediu que não fizesse-o. Isso não deixou-a triste, pois o que importava agora era o presente. Anytha e Alanis se abraçaram enquanto colocavam suas testas uma na outra, prometendo manterem contato e que nunca estariam longe, já que eram inseparáveis. O vínculo que possuíam, ninguém poderia entender ou quebrar. Às seis horas da tarde, já estavam a caminho do apartamento no Leblon, com Anytha contemplando sua aliança. Anytha se encostou no ombro de Mark, sorrindo. Mark, por sua vez, cheirava seus cabelos e alisava suas coxas. Ao chegar no apartamento, Mark surpreendeu-a, colocando-a no colo e entrando com o pé direito. Ambos riram até Mark descê-la no sofá e o silêncio tomar conta. Mark começou a beijá-la e Anytha, se lembrando do que disse à Eduardo, afastou-o de repente.— Mark, me desculpe... — Anytha sentiu uma pontada no peito, com a lembrança inconveniente de Murillo. — Mas eu não queria que fosse agora...— Tudo bem, querida! Eu não tenho pressa! — apesar de ofegante, Mark respondeu controlado. — Temos alguma coisa para comer?— Já quer provar meu tempero? — Anytha sorriu aliviada, porque Mark parecia tão compreensivo. — Você vai adorar! Eu garanto!Os dois partiram para a cozinha, parecendo duas crianças. Mark se assemelhava mais a um amigo do que um homem apaixonado. Será que tudo que Mark queria era sua companhia? Afinal, Anytha estava precisando de alguém ao seu lado também, mesmo que não fosse um grande amor. Concluiu isso sentada à mesa com Mark, degustando a macarronada com vinho, o mesmo prato que comeram na primeira vez que estavam no restaurante quando se conheceram naquela desordem toda.Mais tarde, foram para a sala e Anytha se sentou no chão do tapete. Mark apagou as luzes, deixando só o abajur ligado e se sentou ao seu lado, oferecendo-lhe mais vinho.— Mark... — depois de darem um gole no vinho e seu marido beijar-lhe o pescoço, deixando Anytha estremecer, encarou-o séria e disse num sussurro. — Eu... Eu estou um pouco indisposta...— Já sei... — Mark colocou os dedos em seus lábios, interrompendo-a. — Você não me ama ainda...— Não me sinto pronta para fazer amor com você hoje... — Anytha baixou o olhar e comentou embaralhada. — Me desculpe por isso...— E quem disse que temos que fazer amor hoje? — apesar daquela revelação, Mark se manteve firme e erguendo seu queixo com carinho, encarou Anytha. — Posso esperar por isso!— E você não me quer? — Anytha indagou, se assustando daquela vez. — Não me deseja?— Querida! — Mark emendou, notando sua agitação. — Não se preocupe! Vamos deixar para fazer amor na França! Será melhor! Está bem assim?Anytha continuou olhando como se não entendesse nada, sem saber como reagir ou o que comentar.— Ah, meu amor... — Mark sorriu e abraçou-a. — Vamos dormir... Temos uma longa viagem pela frente...E apesar de achar sua atitude estranha, Anytha agradeceu a Deus pela sua compreensão. Assim foi repousar sossegada. Já deitada ao lado de Mark, sentiu uma ponta de arrependimento tomar conta. Mark parecia tão especial, não merecia essa desilusão. Mas como seria fazer amor com um homem que não amava? Pensando em sua lua de mel na França, terminou pegando no sono.*****Rio de Janeiro - Brasil, 1991*****Já pela manhã, Anytha percebeu que Mark não estava mais na cama. Se levantou e viu um bilhete escrito em francês."Fui comprar as passagens e volto em breve, Madame Anytha.Um beijo do seu Mark".Anytha tratou de arrumar suas malas e dar uma vistoria no apartamento. Parou um pouco e permaneceu analisando as pessoas pela sacada. Da altura em que se encontrava, pareciam formigas indo para a praia, para aquele mar imenso. Assim sorriu e continuou decidida nas suas tarefas. Sentiria falta do Brasil, mas nem tanto. Quando estava terminando de fechar a última mala, Mark chegou.— Bom Dia, querida! — Mark se aproximou e deu-lhe um beijo no rosto. — Desculpe não ter chamado você, mas trouxe umas coisas para beliscarmos na viagem!— Que horas é o voo? — Anytha se sentiu meia ansiosa. — Estou muito animada c
*****Paris - França, 1991*****Ao chegarem no centro de Paris, na França, Anytha e Mark desembarcaram do avião aninhados. E assim pegaram um táxi direto para o Hotel Ritz. No caminho, Anytha contemplava a cidade pela janela do carro. Tinha que se conformar com a pressa de Mark para chegar logo. Mas quando atingiram seu destino, Mark deixou-a no quarto escolhido e prometendo que voltaria depressa, saiu sem dar maiores explicações. Se sentindo cansada da viagem, Anytha desfez as malas e se deitou. Olhou para o relógio, notando que já eram cinco da tarde. Com isso, aproveitou o friozinho da capital europeia e a cama macia para dar um cochilo. No momento que despertou, com o telefone tocando, descobriu ser o recepcionista. — Madame? Quer que sirvamos seu jantar no quarto? — o recepcionista disse. — O Senhor Mark Wilson deu permissão para perguntar-lhe!— Mar
*****Paris e Giverny - França, 1991*****Quando Anytha despertou, o Sol estava encoberto de nuvens. Já eram mais de sete horas da manhã e Mark ainda não havia chegado. Sentiu uma ponta de preocupação, mas se lembrou da carta e do desabafo com Alanis. Olhou pela janela de seu quarto e viu densas nuvens se aproximarem. Mesmo assim estava resoluta. Se agasalharia e poria a carta no correio. Colocou o casaco de pele sobre o conjunto de lã bege e desceu direto para a rua, nem querendo tomar desjejum. Já fora, vendo o movimento das pessoas na rua, suspirou. Não se sentia bem sozinha, mas adorava caminhar. No dia anterior, Mark havia mostrado-lhe uma agência de correios bem próximo dali. O que Anytha não sabia, seria que Mark estava correndo perigo. Naquela mesma noite, Mark foi se encontrar com um agente, seu amigo da Inglaterra. Juntos, passaram a noite esquematizando como
*****Giverny, França - 1991*****Como a casa já tinha sido faxinada um dia antes, Anytha nem teve o que fazer depois do almoço. Então, resolveu ir deitar quando ouviu um barulho estranho na sala.— Mark! — Anytha olhou tudo aquilo assustada. — O que é isso? O que está fazendo? Mark!Mark estava sentado no chão, junto da porta, com uma furadeira na mão. Anytha teve que se aproximar para ver se Mark estava bem mesmo.— Olá, querida! — Mark desligou a máquina. — O que houve? Algum problema, meu amor?— O que é tudo isso? — Anytha olhou aquela bagunça, sem compreender nada. — O que está acontecendo aqui?— Ah! — Mark colocou a mão na testa, tirando uma gota de suor. — Estou colocando umas trancas para o nosso bem!— Não sabia que aqui era t&atil
*****Rio de Janeiro, Brasil - 1991*****E num escritório do Rio de Janeiro, alguém tinha planos para mudar a vida de Anytha, onde quer que estivesse.— Tem certeza de que quer isso realmente, Murillo? — o homem que estava à sua frente coçou o queixo. — Não mudará de opinião?— Claro, Carlos! — respondeu, cheio de animação. — Você lembra daquelas promessas todas? Eu disse à Anytha que voltaria!— E não voltou... — Carlos continuou incrédulo. — E parece que nunca voltaria, pelo tempo que passou…— Tudo bem! — Murillo se sentou na cadeira, em frente à sua mesa. — Me atrasei, apenas isso! Eu amo aquela garota! Não tem solução! Nunca consegui esquecê-la! Estava dando um tempo para mim mesmo! Você sabe que eu não queria me c
*****Rio de Janeiro, Brasil - 1991*****Quando Alanis voltou, Eduardo já tinha ido embora, dando graças a Deus. Nem percebeu sobre sua agenda na mesa. Antes de atender seu superior, Alanis lavou seu rosto e tomou uma água bem rapidamente. Agora suspirando, resolveu telefonar para Jules e Marina, sabendo que pelo tempo, Murillo não tinha chegado em Nova Iguaçu ainda.— Pai, é Alanis! — disse quando Jules atendeu. — Preste atenção no que direi, pois é importante! Murillo reapareceu! Esteve aqui e queria saber onde Anytha estava! É claro que nada contei! O problema é que está indo até aí, para tentar arrancar algo! Por favor, não diga nada! Peça para minha mãe permanecer calada também, já que sei que Dona Marina gosta de dar com a língua nos dentes!— Mas até isso agora! &mda
*****Rio de Janeiro, Brasil - 1991*****Já na rua, Murillo caminhou ao lado de Alanis por alguns momentos até olhá-la, pretendendo se despedir.— Bem, vou indo agora, Alanis! — disse com nó na garganta, devido não haver conseguido o que queria. — Até qualquer hora!— Murillo, só um segundo! — segurou em seu braço até notar Murillo se retesar. — Está sendo sincero? Podemos conversar em algum lugar ou precisa ir trabalhar?— Tem certeza? — Murillo sentiu uma pontada no peito. — Podemos ir num restaurante que frequento!— Tudo bem! — Alanis concordou. — Me diga o endereço, para seguir você com meu carro!— Eu costumo ir ao Restaurante do Hotel Copacabana Palace... — respondeu normalmente. — Vamos conversar lá...— Como? — Alanis engasg
*****Giverny, França - 1991*****"Era só o que faltava!", pensou Anytha e olhou para o relógio. A janta não estava dando certo, talvez fosse seu nervosismo por Mark, que estava causando aquilo tudo. Estava entediada e resolveu continuar frequentando o templo local para orar e pedir que Jesus desse-lhe uma solução para sua agonia. Desde a noite anterior que Mark não se encontrava em casa. Porém, do outro lado da cidade, Mark estava mais preocupado do que Anytha, depois de suportar a noite com seu agente federal Basil Morris, com ambos passando a manhã discutindo. Tudo que aconteceria, com aquilo que examinaram, inundou a tarde e a noite.— Eu não sei o que seria, mas nada do que descobrimos prova quem é o chefão... — Mark suspirou. — Estou cansado de esperar...— É só uma questão de tempo, colega! — Basil deu