DEENA
— Isso mesmo, meu amor, cave mais! — digo para minha filhinha Eve, enquanto a ajudo a abrir espaço na terra para plantarmos uma batata.
— Assim, mamãe? — ela pergunta com a mãozinha no ar, apertando a terra úmida entre os dedos. Sorrio afirmando com um movimento de cabeça.
— Isso mesmo, querida. Agora vamos colocar essa batata velha para dormir aqui e cobri-la com toda essa terra que tiramos. — vou dizendo enquanto minhas mãos trabalham. Eve b**e com as mãozinhas sobre a terra várias vezes animadamente, ela ama plantar e eu amo vê-la assim, tão feliz.
Olhar para ela tão contente me dá ainda mais certeza de que eu fiz a escolha certa ao vir para Red Springs. Aqui, Anton não pode me encontrar.
Eve tem três anos e é a coisa mais linda da minha vida, pena ela ser fruto de uma relação tão conturbada.
Conheci Anton quando trabalhava em um supermercado em New Jersey, eu tinha dezessete anos e ele vinte e dois. Ele me prometeu tantas coisas que pensei que ele realmente fosse o príncipe da minha vida. Pagava todas as contas quando saíamos, abria a porta do carro, me cobria de elogios e sempre dizia que me amava. Dentro de um ano nos casamos e fomos morar em uma pequena casa, quando os problemas começaram: ele saiu do emprego e começou a passar o dia inteiro em bares. Sempre que eu me irritava ele dizia que iria melhorar, que aquilo era passageiro e que ele poderia ser diferente. Eram tantas súplicas que, no fim, eu aceitava. Até que um dia, descobri que ele, não só gastava todo o dinheiro que eu colocava em casa, como passava o dia me traindo. Decidi que iria embora, peguei todas as minhas coisas e fui para a casa de meus pais, não poderia mais aceitar aquela vida.
Não foi nada fácil! Ele ia até a frente da casa de meus pais e ficava gritando e chutando a porta até que chamássemos a polícia. Foi desgastante para todos nós e no fim, não aguentava mais minha mãe dizendo que eu deveria voltar com o meu marido porque aos olhos de Deus seríamos sempre casados, por isso, com o apoio de uma velha amiga, consegui alugar uma casa. Qual não foi a minha surpresa, ao descobrir, dois meses depois que eu estava grávida de Eve.
— Mamãe, será que a gente pode plantar um papai, assim, que nem essa batata? — a voz de minha filha me arranca de minhas lembranças.
Ela não sabe que Anton é o pai dela, mesmo já o tendo visto várias vezes. Ele sabe que é pai dela, mas nunca se interessou e nem interagiu com ela como um pai deveria fazer. E eu, tampouco me importo. Todas as vezes que apareceu depois de saber sobre Eve foi para me chantagear dizendo que pegaria a guarda dela na justiça ou implorar por ajuda financeira para pagar suas dívidas de jogos. Eu não aguentava mais, precisava de ar. Foi então que fiquei sabendo da Fazenda Paterson em Red Springs, onde eu poderia morar em troca do meu trabalho.
Retiro a luva grossa e imunda com que revolvia a terra, suspiro e retiro delicadamente uma mechinha de cabelo do rosto dela.
— Eve, não é assim que funciona. — respondo.
— Então, como é que é? — pergunta com seus grandes olhos azuis cheios de expectativas. Movo-me desconfortável, penso um pouco.
—Bem... a mamãe teria que encontrar um homem que fosse bom com a gente, namorá-lo e conhecê-lo muito bem e, isso pode demorar muito tempo.
A pequena faz um muxoxo e se levanta batendo as mãozinhas na jardineira jeans, claramente decepcionada. Alcanço sua mãozinha em acalento.
— Então faça isso logo, mamãe. Daqui a pouco já serei grande e não vou precisar mais. — dizendo isso vira as costas e sai correndo em direção a nossa casa.
Respiro fundo, me sentindo frustrada. Sempre me sentia assim quando Eve me pedia um pai. Queria poder realizar o seu desejo, mas como eu poderia fazer isso, sendo que estava tão machucada? As vezes eu saio para curtir com as minhas amigas e acabo ficando com alguém, mas é sempre momentâneo, não estou pronta para um relacionamento. E se eu escolher errado novamente? Agora é diferente, eu tenho uma filha e não posso decepcioná-la ainda mais.
— Senhorita, Hoyth! — escuto, as minhas costas, a voz da gerente da fazenda me chamar. Era uma das cinco senhoras Paterson, Welma Paterson é uma mulher de meia idade e está sempre séria, por isso me levanto rapidamente espalmando minhas mãos pela calça jeans para tirar a terra e me volto para ela. — Senhorita Hoyth, — ela começa arfando um pouco por ter vindo correndo. E, sim. Eu sou Deena Hoyth. — você sabe como estamos tão ocupados com as igrejas vindo buscar as... — parou um pouco para respirar novamente.
— Doações. — completo.
— Sim, querida. Por isso, não estou podendo atender, ficarei no estoque o dia todo. Tem uma assistente social lá no escritório, pode atender para mim?
— Eu estou imunda sra. Paterson. — fingindo não me ouvir, volta para o caminho de onde veio. Bato um pouco mais as minhas roupas, o que de nada adianta, porque estou quase igual a batata que acabamos de plantar.
Chegando ao escritório vejo uma moça de terninho com uma pasta na mão, cabelos pretos bem presos em um coque e maquiada. Me encara de cima a baixo, denotando uma certa repulsa em seu olhar. Penso em estender a mão em um cumprimento, mas depois de sua reação, enfio as mãos nos bolsos da calça jeans larga.
— Bom dia! — digo educadamente.
— Bom dia! Você é uma das Paterson? — me questiona séria.
— Não, sou assistente de Welma Paterson. — Minto. — Vamos entrar?
Espero que ela entre e se acomode, antes de fazer o mesmo atrás da velha escrivaninha de madeira clara.
— Sou Cloe Madder, assistente social. Eu vim até aqui pelo sr. Henry Denis. — assinto com a cabeça para que prossiga. — Ele vai cumprir a pena dele com Serviço Comunitário e eu vou precisar dos dados de quem vai acompanhá-lo.
Sinto meu sangue esquentar e congelar. Um criminoso na fazenda?
— Eu preciso saber se ele é perigoso, você sabe, há crianças na fazenda.
Ela respira fundo e revira os olhos.
— Não o traríamos para cá se fosse perigoso. Você pode me passar seus dados? Eu não tenho o dia todo.
Que mulherzinha irritante! Tenho vontade de mandar para que volte de onde veio, porém ela é uma autoridade. Pego os documentos de sua mão e os preencho rapidamente atirando-os de volta para ela em seguida. Ela percebe minha irritação e se levanta. Abro a porta do escritório para que ela saia, mas o que acontece é que dou de cara com um homem alto de barba e cabelos escuros. Olho bem para aqueles olhos verdes. Eu os conheço. NÃO!
— Você, aqui?!
HENRY— Está falando comigo? — pergunto a mulher de cabelos loiros, sujos e desgrenhados a minha frente. Por que aquela mulher coberta de terra estava falando comigo como se me conhecesse? Ela abre a boca, mas não ouço som nenhum sair dos seus lábios.— Sr. Henry Denis, essa é a senhorita Deena Hoyth e ela vai acompanhá-lo durante o cumprimento de sua sentença. Todos os dias, das seis da manhã às duas da tarde. — a assistente comunica, já passando entre nós dois para nos deixar.Me dirijo a escrivaninha e me sento a cadeira mais próxima. A loira continua em pé, em choque, junto a porta.— Bom dia... — começo para que repita o seu nome. Não é que eu não tenha ouvido, é só que eu quero saber como ela prefere ser chamada.— Deena. — responde sem olhar para mim.— Então, Deena... o que eu tenho que fazer por aqui?— Muitas coisas. — ela diz saindo pela porta. Me levanto para segui-la, mas ela sai correndo. Que mulher maluca! O que eu estou pensando? Todas as mulheres são doidas! Por isso
DEENA Boneca? Quem ele pensa que é? E como não pôde se lembrar de mim, mesmo depois de me ver arrumada? “De onde nos conhecemos Boneca?”Com quantas mulheres ele já dormiu na vida, para não se lembrar que já me teve em seus braços?Nos conhecemos na academia, quer dizer: eu o conheci na academia. Que azar o meu! Ele não fazia exercício nenhum, só ficava conversando com as pessoas e “cantando” as meninas. No início eu revirava os olhos, era apenas mais um convencido. Acontece que em uma noitada dessas, em uma boate, eu o conheci de verdade, quer dizer: ele me conheceu, nunca havia me notado na academia.Me ofereceu um drink, dançou comigo, disse coisas bonitas, o clima esquentou e fomos para a casa dele. Estávamos bêbados e não conversamos sobre praticamente nada, apenas “nos pegamos” quase a noite toda e, assim que os primeiros raios da manhã invadiram o quarto eu “me mandei”. Fui embora o mais rápido que pude. Não queria ter que contar sobre nada muito profundo, como por exemplo: q
HENRYTá na cara que essa Gata está na minha. Hoje, olhando naqueles olhos enormes e azuis, tive certeza que a conheço, me segurei para não beijar aquela boca gostosa, não preciso de mais problemas com a justiça, ela é responsável por mim, deve ter alguma lei contra isso. Mas, “cara”, ela é muito bonita, depois que toda essa “droga” de Serviço Comunitário acabar, com certeza vou chamá-la para sair.— Você é muito devagar! — ela diz irritada me levando a uma espécie de celeiro. Para irritá-la, caminho ainda mais devagar.— Bom dia! — escuto uma voz jovial passando rapidamente por mim.— Bom dia, Levi! — Deena responde. Ele para a frente dela. Ele é um rapaz de cabelos compridos, presos em um rabo baixo, está muito sujo, mas está muito perto da minha garota. Acelero o passo, quero saber quem ele é.— Ah, você chegou? — ela pergunta assinando algo em uma prancheta. — Obrigada, Levi. Entregue esse papel para o pastor Jhon da St. Peter.— Ok. — ele responde já se encaminhando para o outro
DEENAApós algumas trocas de farpas chegamos ao estábulo, onde Joyce, a veterinária da fazenda tenta acalmar Raio de sol, um cavalo cor de chocolate, com a crina mais linda de toda a fazenda, preta, um pouco frisada, com algumas tranças. Raio de Sol, como o próprio nome diz, não é um cavalo arisco, por isso, logo vejo que há algo errado.— O que foi? O que está acontecendo? — pergunto, me aproximando.— Cuidado! — Joyce me adverte. — Não chegue muito perto. Ele está com dor.— Por quê?— Está com uma ferida muito infeccionada na pata que eu preciso tratar. Acho que vou ter que colocá-lo para dormir.Enquanto conversamos, nem percebemos que Henry se aproxima do cavalo. Só nos damos conta disso, quando o cavalo se aquieta.— Você é tão lindo! O que há de errado com você? — escuto ele sussurrar para o cavalo estendendo a mão para que ele possa cheirar. Então, olho para Henry e tudo o que vejo é doçura, nem parece o folgado que tem se mostrado a vida toda. — Olha, amigo, precisamos cuida
HENRYA princípio não entendo a pergunto da menina, mas logo que olho para Deena percebo que se trata de sua filha. Eu sei que vocês vão me julgar, mas tenho que falar. “Pegar” mulher com filho é complicado. Por isso, minha reação imediata é se afastar enquanto ela diz:— Não, querida. Que ideia é essa? — ela parece muito nervosa e gagueja para a pequena, relanceando o olhar de mim para ela.— Vocês estavam de mãos dadas que nem namorados. — a pequenina replica de um jeito muito engraçado. Sorrio. Espero que ela diga alguma coisa, porém ela não sabe o que dizer. Abre e fecha a boca várias vezes, mas nenhuma palavra sai dela.— Na verdade... — me abaixo para olhar nos olhos dela. — Sua mãe é minha chefe e eu não deveria ter pegado na mão dela. Você pode me perdoar por isso?Ela suspira tristemente. Meneia a cabeça afirmativamente enquanto a mãe segue com ela para a mesa.Me levanto pensando que o problema já está resolvido, quando vejo a pequenina cabeça loira correndo em minha direção.
DEENADepois da confusão do almoço, evito me aproximar, bem como ter qualquer contato visual com ele. Que papel ridículo pegar a minha mão daquele jeito, na frente de todo mundo e, principalmente na frente de Eve! Fico me perguntando agora, como eu vou tirar essa visão da cabecinha dela, que já está tão confusa, achando que estou procurando um pai para ela, e pior, que eu tenha escolhido o mais irresponsável da face da terra, depois do pai biológico dela, claro!A questão é que agora eu terei que ter ainda mais cuidado com a porcaria dos meus sentimentos quando estou perto dele, e mais, ser muito mais resistente as suas aproximações.É pensando nisso que caminho para a casa principal, quando vejo a sra. Paterson conversando com Henry. Por um momento paro e penso em fugir, entretanto, precisávamos conversar sobre o que aconteceu na estrebaria e sobre Eve.Quando estou a uma distância segura, paro e cruzo os braços. Olho no relógio: São mais de quatro horas da tarde, não era para ele es
HENRY“Se a Gata já estava difícil, agora se tornou intocável.”Penso ao vê-la se afastando, sem nem olhar para trás. Tudo bem! Eu só preciso acabar essa d***a de Serviço Comunitário e voltar para a minha vida. Sinto o celular vibrar no meu bolso traseiro. É uma mensagem de Otto, meu motorista.“Estou aqui”Uma parte minha quer ir embora para nunca mais voltar e é esta parte que estou ouvindo agora, enquanto caminho a passos duros para o carro, resmungando comigo mesmo por ser tão i****a, mas ao avistar o banco a porta do escritório, me lembro de como nos colamos um ao outro, quando ela me içou de lá. Então a raiva se torna arrependimento. Não deveria ter dito aquelas coisas para Deena, ser mãe solteira deve ser uma “barra pesada”, eu não queria magoá-la... ou queria?Sim, é claro que eu queria! Quando estou com ela, quero irritá-la, tirá-la do sério, abaixar aquele nariz empinado, só que depois, tudo o que eu quero é puxá-la para mim pelos cabelos e beijar aquela boca gostosa que ela
DEENA— Um Babaca, isso é o que ele é! — digo andando de um lado para o outro entre a pia e a pequena ilha, enquanto Judith e Lana me encaram bebericando de seus sucos de laranja, se entreolhando de vez em quando. — Disse que não fica com mulheres que tem filhos, ele nem consegue dizer a palavra MÃE!Paro de falar as encarando, esperando que comentem algo, mas elas continuam olhando para minha cara, completamente inexpressivas.— Vocês não vão dizer nada? — digo espalmando as mãos sobre a madeira clara da ilha. As duas se entreolham pela última vez e Lana pousa seu copo sobre a madeira.— Querida, você não está exagerando um pouco? Afinal, o que ele significa para você? Para começar, isto nem deveria estar acontecendo.Lana tem a calma e o acolhimento de uma mãe, nunca se exalta. É uma morena de altura mediana, que não aparenta em nada a idade que tem: 30 anos e mentalmente parece ter 50.Tateio com a mão direita a procura do encosto da banqueta, assim que a encontro, deslizo o meu tr