DEENA
Boneca? Quem ele pensa que é? E como não pôde se lembrar de mim, mesmo depois de me ver arrumada? “De onde nos conhecemos Boneca?”
Com quantas mulheres ele já dormiu na vida, para não se lembrar que já me teve em seus braços?
Nos conhecemos na academia, quer dizer: eu o conheci na academia. Que azar o meu! Ele não fazia exercício nenhum, só ficava conversando com as pessoas e “cantando” as meninas. No início eu revirava os olhos, era apenas mais um convencido. Acontece que em uma noitada dessas, em uma boate, eu o conheci de verdade, quer dizer: ele me conheceu, nunca havia me notado na academia.
Me ofereceu um drink, dançou comigo, disse coisas bonitas, o clima esquentou e fomos para a casa dele. Estávamos bêbados e não conversamos sobre praticamente nada, apenas “nos pegamos” quase a noite toda e, assim que os primeiros raios da manhã invadiram o quarto eu “me mandei”. Fui embora o mais rápido que pude. Não queria ter que contar sobre nada muito profundo, como por exemplo: qualquer coisa sobre a porcaria da minha vida. Exceto por Eve, não estava no melhor momento da minha vida.
O problema foi que depois de alguns dias, comecei a pensar sobre as coisas que fizemos naquela noite, sobre como os seus lábios deslizaram sobre o meu pescoço ou como suas mãos me suspenderam tão facilmente pelos quadris, ou ainda a sensação de sua barba roçando por todo o meu corpo. Quando o vi novamente na academia, não consegui entrar. Seria muito para a minha cabeça cheia de problemas.
Mesmo agora em que tudo está tão calmo e que eu e Eve estamos tão felizes, um relacionamento não está em questão. E, pelo amor de Deus! Não é um relacionamento, é um tipo de tutela, só isso. Não posso ficar pensando nesse “cara” dessa forma. Afinal, ele é praticamente um “fora da lei”. Que horror!
— Mamãe!
— Ah! — grito de susto,
— Mamãe? — Eve me olha estranhamente. — Está tudo bem?
Forço um sorriso enquanto passo os meus dedos pelo seu cabelinho fino.
— Sim, Claro, meu amor! A mamãe só está um pouco distraída.
— Nós vamos plantar outra batata? — me pergunta com os olhos cheios de expectativa.
— Não. — digo secamente, me arrependendo logo depois. Respiro fundo abraçando minha garotinha. — Desculpa, filha. A mamãe estará bem ocupada durante o dia todo. Estou ajudando a Welma. Você sabe como ela é brava. — ela concorda.
Me sentindo vitoriosa, me levanto da cama e começo a tirar o pijama para me trocar para o dia.
— Mamãe, quem era o homem que estava com você?
Congelo por um momento. Pelo espelho que está a minha frente tento controlar minha expressão de pânico, pois percebo que Eve pode me ver pelo reflexo.
— Que... que... mas, que homem, querida? — gaguejo.
— Judith me perguntou se eu sabia quem era o homem que estava almoçando com você ontem, aí eu disse que não conhecia nenhum homem.
Judith fofoqueira! Bem que vi que ela estava de olho em nós quando foi pegar comida para as crianças. Judith era uma das monitoras que ficavam com as crianças depois da escola.
— Quem era mamãe? Meu novo papai? — engulo em seco.
— Claro que não, Eve! Você não lembra quantos homens trabalham aqui na fazenda? Harold, Tony, Leon, Egydio, Koren, Levi... Como vou me lembrar com qual deles almocei ontem? — desconverso.
— Bem que eu disse isso para ela, mas ela falou que não era ninguém daqui.
— A Judith está fazendo fofoca, Eve! — me irrito. — Chega dessa conversa ridícula, eu tenho que trabalhar e você tem que ficar com as monitoras. Sua roupinha está na cadeira, vá se trocar!
A menininha sai dando de ombros. Claro que eu vou ter uma conversinha com Judith quando for entregar Eve na Brinquedoteca.
...
Não preciso chegar muito perto do escritório, para vê-lo sentado no pequeno banco, próximo a porta. Suas longas pernas cobertas pela calça jeans clara, ficam em uma posição bem esquisita ali, dão a impressão de que Henry está de cócoras. Não consigo evitar um sorriso.
— Bom dia, Srta. Hoyth! — diz de uma maneira exageradamente polida.
— Bom dia, Sr. Delinquente! — respondo a altura. Ele leva a mão ao peito.
— Doeu!
— Tá, agora vamos! — digo me virando para o galpão. Caminho alguns passos até perceber que ele não está me acompanhando. Olho para trás e o vejo com o braço estendido em minha direção. “Só pode ser brincadeira!” Cruzo os braços. Ele que se levante sozinho. Ele continua ali, insistindo feito um bebê, como eu poderei aguentar isso, durante três longos meses? — Você está de brincadeira com a minha cara, né?
— Não. A minha calça é muito apertada, não consigo me levantar. — ele choraminga. Contra a minha vontade, mas sabendo que não iriamos sair dali nunca mais se eu não ceder, caminho até ele e pego na sua mão. Puxo uma vez, mas ele não se move um milímetro. Pego o braço dele com as duas mãos, mesmo resultado. Apoio meu pé a frente de sua bota e o puxo novamente, enquanto com a outra mão, ele me ajuda se apoiando na parede. Assim que ele consegue se levantar, sinto um solavanco para trás, é tão rápido que me desequilibro, estou caindo, quando sinto o seu braço envolver a minha cintura, Estamos com os nossos corpos colados um no outro. Seus olhos risonhos encontram os meus apavorados. Ficamos assim, grudados, com os olhos cravados um no outro por alguns segundos, até que ele diz:
— Não se preocupe, Gata, te peguei!
Eu o empurro desajeitadamente imediatamente. Meu rosto queima, não sei se mais de vergonha ou mais de raiva.
— Há dois segundos, você estava precisando de ajuda para se levantar porque não sabe o que é uma calça de trabalho, não tem o direito de se gabar!
Me viro para o galpão novamente, caminhando o mais rápido possível, para que ele não perceba o quanto mexeu comigo.
HENRYTá na cara que essa Gata está na minha. Hoje, olhando naqueles olhos enormes e azuis, tive certeza que a conheço, me segurei para não beijar aquela boca gostosa, não preciso de mais problemas com a justiça, ela é responsável por mim, deve ter alguma lei contra isso. Mas, “cara”, ela é muito bonita, depois que toda essa “droga” de Serviço Comunitário acabar, com certeza vou chamá-la para sair.— Você é muito devagar! — ela diz irritada me levando a uma espécie de celeiro. Para irritá-la, caminho ainda mais devagar.— Bom dia! — escuto uma voz jovial passando rapidamente por mim.— Bom dia, Levi! — Deena responde. Ele para a frente dela. Ele é um rapaz de cabelos compridos, presos em um rabo baixo, está muito sujo, mas está muito perto da minha garota. Acelero o passo, quero saber quem ele é.— Ah, você chegou? — ela pergunta assinando algo em uma prancheta. — Obrigada, Levi. Entregue esse papel para o pastor Jhon da St. Peter.— Ok. — ele responde já se encaminhando para o outro
DEENAApós algumas trocas de farpas chegamos ao estábulo, onde Joyce, a veterinária da fazenda tenta acalmar Raio de sol, um cavalo cor de chocolate, com a crina mais linda de toda a fazenda, preta, um pouco frisada, com algumas tranças. Raio de Sol, como o próprio nome diz, não é um cavalo arisco, por isso, logo vejo que há algo errado.— O que foi? O que está acontecendo? — pergunto, me aproximando.— Cuidado! — Joyce me adverte. — Não chegue muito perto. Ele está com dor.— Por quê?— Está com uma ferida muito infeccionada na pata que eu preciso tratar. Acho que vou ter que colocá-lo para dormir.Enquanto conversamos, nem percebemos que Henry se aproxima do cavalo. Só nos damos conta disso, quando o cavalo se aquieta.— Você é tão lindo! O que há de errado com você? — escuto ele sussurrar para o cavalo estendendo a mão para que ele possa cheirar. Então, olho para Henry e tudo o que vejo é doçura, nem parece o folgado que tem se mostrado a vida toda. — Olha, amigo, precisamos cuida
HENRYA princípio não entendo a pergunto da menina, mas logo que olho para Deena percebo que se trata de sua filha. Eu sei que vocês vão me julgar, mas tenho que falar. “Pegar” mulher com filho é complicado. Por isso, minha reação imediata é se afastar enquanto ela diz:— Não, querida. Que ideia é essa? — ela parece muito nervosa e gagueja para a pequena, relanceando o olhar de mim para ela.— Vocês estavam de mãos dadas que nem namorados. — a pequenina replica de um jeito muito engraçado. Sorrio. Espero que ela diga alguma coisa, porém ela não sabe o que dizer. Abre e fecha a boca várias vezes, mas nenhuma palavra sai dela.— Na verdade... — me abaixo para olhar nos olhos dela. — Sua mãe é minha chefe e eu não deveria ter pegado na mão dela. Você pode me perdoar por isso?Ela suspira tristemente. Meneia a cabeça afirmativamente enquanto a mãe segue com ela para a mesa.Me levanto pensando que o problema já está resolvido, quando vejo a pequenina cabeça loira correndo em minha direção.
DEENADepois da confusão do almoço, evito me aproximar, bem como ter qualquer contato visual com ele. Que papel ridículo pegar a minha mão daquele jeito, na frente de todo mundo e, principalmente na frente de Eve! Fico me perguntando agora, como eu vou tirar essa visão da cabecinha dela, que já está tão confusa, achando que estou procurando um pai para ela, e pior, que eu tenha escolhido o mais irresponsável da face da terra, depois do pai biológico dela, claro!A questão é que agora eu terei que ter ainda mais cuidado com a porcaria dos meus sentimentos quando estou perto dele, e mais, ser muito mais resistente as suas aproximações.É pensando nisso que caminho para a casa principal, quando vejo a sra. Paterson conversando com Henry. Por um momento paro e penso em fugir, entretanto, precisávamos conversar sobre o que aconteceu na estrebaria e sobre Eve.Quando estou a uma distância segura, paro e cruzo os braços. Olho no relógio: São mais de quatro horas da tarde, não era para ele es
HENRY“Se a Gata já estava difícil, agora se tornou intocável.”Penso ao vê-la se afastando, sem nem olhar para trás. Tudo bem! Eu só preciso acabar essa d***a de Serviço Comunitário e voltar para a minha vida. Sinto o celular vibrar no meu bolso traseiro. É uma mensagem de Otto, meu motorista.“Estou aqui”Uma parte minha quer ir embora para nunca mais voltar e é esta parte que estou ouvindo agora, enquanto caminho a passos duros para o carro, resmungando comigo mesmo por ser tão i****a, mas ao avistar o banco a porta do escritório, me lembro de como nos colamos um ao outro, quando ela me içou de lá. Então a raiva se torna arrependimento. Não deveria ter dito aquelas coisas para Deena, ser mãe solteira deve ser uma “barra pesada”, eu não queria magoá-la... ou queria?Sim, é claro que eu queria! Quando estou com ela, quero irritá-la, tirá-la do sério, abaixar aquele nariz empinado, só que depois, tudo o que eu quero é puxá-la para mim pelos cabelos e beijar aquela boca gostosa que ela
DEENA— Um Babaca, isso é o que ele é! — digo andando de um lado para o outro entre a pia e a pequena ilha, enquanto Judith e Lana me encaram bebericando de seus sucos de laranja, se entreolhando de vez em quando. — Disse que não fica com mulheres que tem filhos, ele nem consegue dizer a palavra MÃE!Paro de falar as encarando, esperando que comentem algo, mas elas continuam olhando para minha cara, completamente inexpressivas.— Vocês não vão dizer nada? — digo espalmando as mãos sobre a madeira clara da ilha. As duas se entreolham pela última vez e Lana pousa seu copo sobre a madeira.— Querida, você não está exagerando um pouco? Afinal, o que ele significa para você? Para começar, isto nem deveria estar acontecendo.Lana tem a calma e o acolhimento de uma mãe, nunca se exalta. É uma morena de altura mediana, que não aparenta em nada a idade que tem: 30 anos e mentalmente parece ter 50.Tateio com a mão direita a procura do encosto da banqueta, assim que a encontro, deslizo o meu tr
HENRYO que fazer em uma situação dessas? A menina está tão carente de pai que me colocou nesse lugar, que eu não faço a mínima ideia de como sair, ou melhor, como dizer: “Sai fora, menina. Eu não sou seu pai.”Quem conseguiria? Claro que não quero reforçar a estranheza de toda essa situação, dando a ideia de que aceito este papel, mas como dizer que não aceito sem feri-la. Cara! As coisas já são tão difíceis quando lidamos com adultos, mas Eve é apenas uma criança. O que será que deve ter acontecido na vida destas duas para que esta figura seja tão desejada pela menina e tão inexistente para Deena. Quero muito perguntar, quero muito saber mais sobre elas.Quando me dou conta, a garotinha está esperneando e estendendo os bracinhos em minha direção. Não consigo apenas observar essa cena, vou até as duas e pego a menina, que grata, abraça o meu pescoço. Tento acalmá-la, mesmo com os protestos da mãe e decido que vou acompanhá-las.Vejo que a loira se atrapalha toda para pegar todas aque
DEENANão acredito que me deixei levar novamente! Estou tão confusa, e esse comportamento de Eve é tão preocupante. Se pelo menos Anton se comportasse como um pai eu poderia dizer a verdade a ela, mas ele não se importa nem um pouco com ela, nunca fez questão de ser apresentado como tal. Não sei o que fazer, não posso deixar que ela se envolva com esse i****a dessa forma, basta eu, nesse papel ridículo! O que há comigo? Sou mãe, não posso me derreter dessa forma.Como estamos no Outono, o dia está bem frio, por isso, caminho para o escritório envolvendo meu corpo com os braços. De longe posso ver cinco homens que me esperam para assinarem as entregas. Hoje o trabalho é interno, terei que catalogar entregas e carregamentos, definir para onde vai cada coisa e etc.Normalmente, não gosto muito deste trabalho, mas acho que hoje vem muito bem a calhar. Pelo menos, não terei que olhar para a cara do Sr. Denis.— Bom dia, meninos! Vamos entrar! — cumprimento amigavelmente. — Querem café? — p