Dia: 365
Deise, uma mulher branca de olhos azuis e loira, estava vindo do mercado. Tinha ido fazer o que todos faziam diariamente, ou seja, comprar alimentos. Uma atitude considerada antigamente como normal. Porém não agora.
Um ano atrás uma praga atingiu todos os seres humanos e animais. A morte outrora tão comum, foi retirada. O motivo era desconhecido de toda a ciência. O que forçou um grande investimento em estudos para descobrir o que impedia que seres humanos e animais morressem.
Os teóricos da conspiração diziam que era culpa da indústria farmacêutica, os profetas do Apocalipse colocavam a causa nas sete pragas do apocalipse. "Úlceras malignas e perniciosas que afetam a todos os portadores da marca da besta e adoradores da sua imagem" (Apocalipse 16:2), era vista em várias placas por todas as cidades. Mas assim como o primeiro grupo, esse notou que algo não batia com a teoria.
Se a indústria farmacêutica era a responsável pela epidemia, não seria melhor aparecer uma cura? E se nenhum remédio adiantava no combate das doenças, não seria ruim para a mesma indústria? E no caso da primeira praga, a mesma só afeta os adoradores da besta e a sua imagem. Mas aquela afetou toda a humanidade. Sendo assim, tudo indicava outra coisa. Algo totalmente desconhecido.
Quando a praga se alastrou pelo mundo todo, a humanidade se viu num problema trágico. O aumento do consumo de alimentos pelo corpo. A fome se tornou maior que antes. Com o tempo, ninguém se importava em pegar algo para comer e se alimentar, mesmo sem pagar. E os donos de mercado e produtores pouco se importavam com isso também, afinal, tinham outras prioridades como não adoecer.
A praga impedia qualquer tratamento de doenças, mas não evitava a prevenção. Assim, o cuidado com a saúde se tornou algo extremamente importante.
O mercado onde Deise foi fazer as "compras", era numa fazenda. Os produtores seguiam com o plantio, graças a falta de vontade das autoridades para controlar a venda e distribuição de insumos agrícolas. Pelo menos nisso tudo parecia bom.
Mas só no caso dos humanos, pois em relação aos animais... A fome afetou eles também. Impossibilitados de serem mortos, a sua fome era tão grande quanto a humana. Com a exceção que não se importavam de atacar seres humanos.
Animais até o tamanho de ratos, poderiam ser evitados com uma excelente higiene. Os maiores, não seria possível. A sorte que esses animais se tornaram noturnos graças ao sol. Com uma baixa resistência a luz solar, a mesma se tornou um incômodo. Não que os humanos fossem resistentes, até eles se tornaram inimigos do sol. Com o diferencial que podiam se proteger da luz do astro. O que justificava a vestimenta ao estilo burca da Deise e o guarda-chuva dela em plena tarde ensolarada.
A mulher de mais ou menos quarenta anos, estava morando com a amiga. Isso desde o mês seguinte do início da praga. Ela se mudou para ajudar a cuidar de Amanda, a filha de Ellen, sua amiga.
A menina de 11 anos na época, estava doente desde então. Diagnosticada com leucemia, não tinha o que ser feito, já que nenhum tratamento funcionava.
Amanda usava uma toca já fazia seis meses. Todos os cabelos do corpo caíram e a sua resistência contra doenças também. A visão era de uma criança com a pele toda branca como papel, olhos vermelhos e corpo fraco. Quando abriu a porta da casa e se virou após fechar a mesma, a visão da menina a sua frente era exatamente essa, com algo mais. Amanda abria a boca e revelava os dentes pontudos. Deise revirou os olhos e mostrou um dente de alho.
—Eca! — Amanda disse ao fazer uma cara de nojo. — Odeio alho!
—Claro, tu é uma vampira.
— O que temos para hoje. — Ellen falou ao chegar perto.
—Verduras, legumes, carne de soja, tempero, arroz, feijão... E nada de carne de verdade.
-— Sangue, quero sangue... — Amanda dizia com a voz abafada pela dentadura falsa de vampiro.
— Eu também quero. — Deise caiu num sofá. — carne vermelha escorrendo sangue. Tão mal passada que o boi ainda berra.
Nessa altura, Deise já tirou quase toda a roupa, ficando apenas com as de baixo. A casa era toda fechada e a higiene extremamente exigente. Tão exigente que era jogou sua roupa numa churrasqueira que tinha ali. Algo interessante, já que até para fazer fogo, necessitava de todos os cuidados possíveis. Mas com o tempo se tornava fácil.
— O boi vai berrar se você comer a carne dele. — Amanda disse ao sentar no sofá também.
— Só que literalmente. E isso não é bom. Eu não assumi o topo da cadeia alimentar para viver de pasto.
— Não reclama! Pelo menos tem comida. — Ellen pegou as "compras" e começou uma nova limpeza.
— Até quando? Os recursos não são eternos.
— Tenha fé em Deus, Deise.
— Acho que Deus não se importa muito. Um ano inteiro e o mundo foi abandonado.
— Não foi Deus que nos abandonou. — Amanda pegou um livro na mesa. — Foi Azrael.
— O arcanjo da morte? — Deise falou ao levantar uma sombrancelha. — Vamos lá menina fã de terror. O que o arcanjo da morte tem a ver com isso?
— Azrael é o responsável pela morte em todo o universo. Ele estava com Deus na criação e ajudou o próprio Deus. Foi Azrael que pegou o barro usado para moldar o ser humano. Por isso Deus permitiu que Azrael desse um fim na vida do ser criado. Entre todos os arcanjos e anjos, só Azrael pode realmente matar.
— Interessante. Mas pelo que sei, Gabriel e Uriel também são chamados de anjos da morte. Então a tua história tem um furo.
— Não. Não tem. Gabriel e Uriel só podem matar se for a época da morte das pessoas. Já Azrael, pode decidir a hora da morte.
— Tá. Mas o que isso tem a ver?
— Simples. Azrael é a verdadeira personificação da morte. Ele decide a hora de todos os seres vivos. Isso graças ao livro da vida que Azrael sempre carrega consigo. E a pena da justiça. Por isso Azrael é chamado de anjo da justiça. Só ele pode mexer nesse livro e na pena. Sem isso, não há possibilidade de morte.
— Então por algum motivo Azrael nos abandonou? O que leva a personificação da morte, abandonar o posto?
— Não sei. Talvez ele esteja irado com a gente...
— Por que estaria?
— Nós vemos a morte como inimiga. Mas um mundo com maldade e sem a morte não tem Justiça e cura. Um mundo sem morte é cruel de mais.
Deise abraçou a menina. Sabia o que a Amanda mais queria no momento. Apesar da doença não ter tido uma evolução, o que intrigava os médicos, a menina não queria aquela vida. Ninguém queria.
Minutos depois, Amanda dormiu e foi posta na cama. Deise foi até a amiga.
— Vamos achar uma cura. Tenho fé nisso. — Ellen dizia ao cortar umas verduras.
— O pai dela. Tem notícias?
— Não. Ainda não. Já faz seis meses que ele sumiu do mapa... Tu tem sido uma grande bênção pra nós. Desde que veio morar aqui, a Amanda não teve uma piora no quadro. Até parece que tu impede da doença continuar.
Deise riu. Ela se sentou enquanto a amiga continuava o preparo da janta.
— Espero que isso acabe logo. - Ela falou. — Da vontade de desistir de tudo.
Ellen então parou o serviço e olhou a amiga.
— E vai fazer o quê? Se matar?
— Se eu pudesse.
Longe dali, um homem olha por um pequeno buraco na parede. A noite se aproximava e com ela os perigos de sair na rua.
Era um homem de 33 anos, viúvo. A morte chegou para a esposa quase 11 anos atrás. Naquele dia, o fruto do amor deles nasceu. Uma bela menina que receberia o nome de Zoé. Vida. Poderia parecer uma piada com a morte da esposa, mas não era. Zoé era a verdadeira vida para os gregos. A Bios é passageira, já a Zoé é eterna.
A menina de pele negra e cabelos crespos, estava brincando na sala. Na mesma época do início da praga, ele descobriu uma capacidade da filha. Algo extremamente perigoso para o momento. A menina tinha o dom da cura. Ela podia curar qualquer ser vivo, desde que a doença ou o machucado, fosse feito no mesmo dia. O mundo não podia saber daquilo. O que fariam se soubessem que uma menina de 10 anos podia curar? Fariam experiências? A humanidade não queria um deus ou Salvador. Queria a cura.
— Papai, por que não posso ir até a Amanda? Ou falar com ela?
— Já tivemos essa conversa várias vezes. Não é seguro.
— Por quê?
Jairo, o pai da Zoé, nada disse. A filha não sabia do próprio dom e nem podia saber. Com a melhor amiga doente, seria um problema se ela tentasse curar a garota. Não. Ele precisava proteger a filha.
Dia 465O dia foi extremamente cansativo. Amanda que era apenas uma criança, estava acabada do esforço de tentar se divertir sozinha. Sabe-se lá porque, sua doença não evoluía como as das outras pessoas, o que fazia ela achar que poderia em algum sentido, ter poderes como os personagens que amava. Já a Ellen, sua mãe, achava que era porque o mundo estava doído mesmo.Ellen acreditava no que os cientistas diziam, tudo se tratava de alguma praga. E seja como fosse, a praga estava poupando a Amanda ou preparando algo pior. Independente do que fosse, talvez a prevenção poderia ajudar.Deise, a amiga íntima da Ellen, levou a menina para o quarto. Como era de esperar, Deise tinha largadado tudo para ajudar a amiga, já que o pai da menina tinha sumido no mundo.Deise, uma loira de quase quarenta anos, era uma mulher bela em todos os sentidos. Poderia ter todos os homens aos seus pés, mas nunca teve cabeça para essas
- Já pegou a espingarda? - Ellen pegava as últimas coisas necessárias para ir atrás da filha. Seu desespero era totalmente visível.- Já. Podemos ir. - Deise falou de forma rápida.As duas saíram naquela noite e foram para onde achavam que a Amanda tinha ido. Para a Lomba Alta. Seguiram um caminho de terra, até chegarem na rodovia e seguiram para o sul, justamente para a direção da cidade. Amanda teria que passar por lá e obviamente encontraria centenas de infectados pela praga.- Droga! Essa pirralha não deve ter ido tão longe.- Calma Ellen!- Calma uma pinóia! Quando encontrar ela, deixarei um vergão na bunda. É última vez que foge assim. Quer que eu seja uma mãe durona, serei uma maldita mãe durona. Vou meter tanta porrada, que vai virar do avesso.- Calma Ellen! Ela tá bem. - Deise seguia os passos decididos da amiga. Sabia que a Ellen
Poucas coisas são tão assustadoras como passar várias horas preso em uma caixa fechada. O homem que estava nessa situação, sofria de claustrofobia. E mesmo assim foi colocado naquela situação.Não que sua sorte tivesse mudado recentemente. Já fazia um ano, ou mais, quem liga? Que ele estava preso. Foi capturado logo após o início do apocalipse zumbi, e ele sabia que tudo aquilo era culpa dele e somente dele.E o pior era a sensação de sofrer vários ataque cardíaco e mesmo assim não morrer. Sua capacidade de discernir entre o certo e o errado estava perto de acabar. Sabia que mais cedo ou mais tarde se tornaria num ser sem sentimento nenhum. Um ser que apenas quer matar.Quando menos esperava, a caixa onde estava foi aberta. Seu corpo jogado no chão como se fosse lixo. Ele não conseguia olhar na cara das pessoas ali presente. Só sabia que eram muitas. Muitas vozes rindo e dando pequenos choques nele. Ele encolhido e assus
Diário do fim do mundoAno: 2025Dia: 548Status: Vivíssima! Chorem haters! Haters gonna hate!Nuvens encobrem todo o céu. Já faz um ano que sol não é visto nesse mundo. Sei que devido as minhas experiências do passado, existem outros mundos e outras realidades. Creio fortemente que alguma doppelganger minha esteja em uma situação bem melhor.Está certo que Gabriel falou que todas as realidades sofrem do mesmo mal. Embora algumas bem mais que outras, mesmo assim, prefiro ter fé que em algum lugar desse emaranhado de realidades, existe alguma que esteja em paz.Infelizmente estou presa nesse mundo decadente e não posso como no passado, viajar entre as realidades. Sei que boa parte disso tenha a ver com a minha decisão. Já que um ano e meio atrás, quase ajudei a destruir o mundo. Hoje não vivemos melhor, porém ainda estamos vivos e com capacidade de luta. Infelizmente, sou a única que restou do
- Então existem outros mundos e realidades diferentes? - Jairo tentava entender as novas informações trazidas pelo anjo. Nada que parecia fazer sentido. Mas ele tentava entender. - E tu veio de uma delas?- É isso meu caro, Jairo. Exatamente isso.Gabriel era um arcanjo poderoso. Talvez um dos poucos que sempre esteve envolvido com os seres humanos. Para Gabriel, ajudar as pessoas era a sua grande missão.Não que Jairo e a pequena Zoé poderiam entender. Todos ali e no mundo, além de várias realidades, estavam vivendo problemas diferentes com causas iguais. Gabriel era um só para bilhões de pessoas. E mesmo assim, nunca iria abandonar os seres humanos.- E o que a Zoé tem a ver com isso?Gabriel pegou uma maçã e começou a descascar. Tudo isso sem ter pedido uma fruta. Algo que Jairo poderia ter entendido como uma falta de educação, se não tivesse co
Algumas horas atrásCom a incapacidade atual de morrer, as pessoas doentes eram atiradas e abandonadas nas cidades. Com isso, raramente se via alguém que não fosse doente caminhando por ruas asfaltadas.Naquele dia, a cidade amanheceu como fazia a quase dois anos. Pessoas saiam para as ruas sem se importar com o tempo. Quem iria se importar com a falta de resistência do corpo com os raios solares?Toda a humanidade até onde se sabe, sofre com porfiria, e por isso não podem sair a luz do sol. Mesmo assim alguns são mais privilegiado que outros. Embora sofrendo igualmente com a porfiria, ninguém nas cidades se preocupava em temer as bolhas na pele causado pelo sol. A dor que as pessoas privilegiadas temiam, ninguém ali ligava.Por isso a presença de dois homens usando capa azul e máscara branca, chamou a atenção das pessoas. Aquilo simbolizava dois privilegiados andando e
Gabriel pousou com a Mônica perto de uma casa enorme no meio de uma floresta. Mônica queria saber onde estavam e que lugar era aquele, mas Gabriel nada disse. Segundos depois, Uriel surgiu no mesmo lugar. Avisou que tinha enterrado o homem e mais tarde levaria a menina para o local.O problema atual era deixar a garota segura. Afinal, ela não poderia viver sozinha. Uriel que estava tenso, pegou a sua espada e começou a andar com cuidado. Ele visivelmente não gostava do lugar.- Está com medo, Uriel?- E não é para estar? Doppelgangers podem ser perigosos. Ainda mais quando sabem de mais.- Doppelganger? - Mônica perguntou curiosa.- Existem outros mundos, Mônica. Cada mundo tem pessoas iguais a esse mundo. Ou seja, duplicadas de pessoas desse mundo. Ou em outras palavras, várias Mônicas. - Gabriel explicou de forma tranquila.- E elas fazem a mesma merda que eu faço.<
Poucas coisas são fáceis de explicar. Anjos, doppelgangers, realidades alternativas, sumiço da personificação da morte, não estavam entre elas. Por isso já faziam três horas que Gabriel e Uriel tentavam explicar para o pequeno grupo reunido em uma casa perto de uma floresta.Anteriormente, Gabriel conseguiu levar Jairo e Zoé até onde Uriel, Ellen, Deise e Amanda estavam. Apesar da alegria das meninas pelo reencontro depois de mais de um e meio, nada seria como antes ou como esperado.Gabriel concordava com a Denise, sua chegada sempre era acompanhada de alguma coisa ruim. Talvez fosse ele a causa secreta de tudo. Mas agora não tinha como pensar nisso. Com os cinco em conversas agitadas, Uriel chamou Gabriel de canto.- Eu não consigo mais me teletransportar.- Eu também não. Como isso é possível?- Não sei.- Eu sei. - Uma mulher loira e de olhos azuis esverdeados estava deitada e de forma bem espaçosa num sofá. A