Capítulo 4

Poucas coisas são tão assustadoras como passar várias horas preso em uma caixa fechada. O homem que estava nessa situação, sofria de claustrofobia. E mesmo assim foi colocado naquela situação. 

Não que sua sorte tivesse mudado recentemente. Já fazia um ano, ou mais, quem liga? Que ele estava preso. Foi capturado logo após o início do apocalipse zumbi, e ele sabia que tudo aquilo era culpa dele e somente dele. 

E o pior era a sensação de sofrer vários ataque cardíaco e mesmo assim não morrer. Sua capacidade de discernir entre o certo e o errado estava perto de acabar. Sabia que mais cedo ou mais tarde se tornaria num ser sem sentimento nenhum. Um ser que apenas quer matar.

Quando menos esperava, a caixa onde estava foi aberta. Seu corpo jogado no chão como se fosse lixo. Ele não conseguia olhar na cara das pessoas ali presente. Só sabia que eram muitas. Muitas vozes rindo e dando pequenos choques nele. Ele encolhido e assustado tentava se esconder e fugir dos seus algozes. Sem sucesso nenhum. Alguém puxou a barba dele e riu do grito de dor. Outro chegou por trás e chutou a cabeça do pobre homem.

As pessoas ali se divertiam com o sofrimento dele e até jogavam pedras nele. Até que um deles foi até ele o puxou pela barba. Arrastado e sem forças, foi jogado perto de um homem sentado. Ele levantou finalmente o rosto e se assustou. Tentou correr de medo e foi novamente chutado e atirado pra perto do homem sentado. Todos riam dele. Menos o homem sentado.

- Olá Victor! - falou o homem com uma voz robótica. Seu rosto era coberto por uma máscara de algum demônio. Ele usava uma capa com capuz verde e luvas pretas. Uma calça preta e botas também preta. Sem falar na camisa igualmente preta. - A quanto tempo?

- Onde estou? Que realidade é essa?. - Victor começou a chorar, o que causou uma série de risadas mais fortes ainda.

- Olha só! Não perdeu a capacidade mental ainda. Respondendo as tuas perguntas: 1) você está bem longe do Rio de Janeiro e 2) Essa é a tua realidade, Victor.

Victor não falou nada. Ele estava caído no chão e mal conseguiu se mexer.

- A Débora...

- Virou zumbi

- O que quer de mim? Dinheiro?

- Olha para o teu estado, Victor! Acha que tem dinheiro ainda?

- Quem é você?

O outro riu como se tivesse ouvido uma bela piada.

- Quem sou eu? Me diga, Victor, como se sente tendo viajado por outros mundos e realidades diferentes e ter terminado dessa forma? Viu e conheceu coisas que a maioria pensa ser apenas mito. Me diga como terminou dessa forma?

- Se tu sabe de outras realidades e mundos, sabe que tenho amigos importantes. Então sugiro que...

- E onde tu acha que estão eles? Fala de Azazel? - Ao ouvir esse nome, Victor fica chocado. Em sua mente, não esperava por isso. - Sim. Eu sou servo de Azazel. Mas sei o que aconteceu com o meu senhor. E por causa disso sirvo outro mestre. Já ouviu falar em Belial?

- Adianta dizer que sim? Parece que estou em total desvantagem aqui.

- Sabe? Eu admiro essa tua capacidade de tentar negar a realidade. Vê o teu caso: fedendo, barba comprida e suja, cabelo longo e também sujo. Roupas toda rasgada. Você é a imagem da decadência, e mesmo assim tenta se segurar na imagem de homem poderoso que foi um dia... deplorável! Vê esse mundo! Vivemos no que alguns chamam de apocalipse zumbi. Vivem como se alguma praga tivesse atingido a humanidade. Mas nós dois sabemos a verdade... Isso tem mais a ver com o sobrenatural do que com questões superficiais como pragas. É interessante notar as múltiplas realidades e universos paralelos existentes. Em um mundo a tua filha Débora é uma rica empresária, no outro uma líder de resistência... E em outro, apenas uma autista qualquer.

- Débora não é autista.

- Verdade. Erro meu. Débora é Asperger. Mas o que isso realmente muda? Faz diferença? Mas não se preocupe, o mundo não vai ficar assim por muito tempo. Chegará o momento que eles irão desfazer tudo isso e a humanidade poderá voltar ao normal. Nesse dia eu espero ter a cura para várias ou para todas as doenças...

- Para ganhar rios de dinheiro?

- Está vendo? É por pessoas como você que o mundo chegou onde chegou. Eu não quero um número ou um metal e nem papel. Eu quero a admiração, respeito e a adoração do mundo. Por isso que vou distribuir de graça para toda a humanidade. Mas sabe como é! Para fazer omelete, tenho que quebrar alguns ovos. Ou seja, preciso de cobaias de estudo. - O homem falou aquilo com um olhar de tristeza. Era como se realmente sentisse pelo que estava perto de fazer.

- Então tu me quer como rato de laboratório?

- Tu? Não. Você é importante de mais, Victor! Por que eu iria te dissecar? Sabe? Nós somos humanos. Eu sou humano, meus homens são humanos. Então precisamos nos divertir um pouco. Entende que estamos num momento onde a morte não acontece? Você pode fazer qualquer coisa, que ninguém morre... Está vendo aquela piscina? Ela está cheia de piranhas famintas. É engraçado... Nesse mundo, o corpo nunca para de trabalhar. As células mortas ainda continuam funcionando e outras células vão nascendo. Isso tudo causa uma camada de carne morta e outra viva. A parte boa que o processo de "cura" é mais rápido. A parte ruim? Você sofre como nunca pensou em sofrer antes. Eu realmente sinto muito em fazer isso. Ainda mais com a doppelganger do famoso arcanjo Rafael. - Victor arregalou os olhos. Já tinha notado que não sabia nada do universo como achava que conhecia. Mas não parava de se surpreender. - É. Tu é a doppelganger do Arcanjo Rafael. Nada de mais. Exceto que sempre quando um mundo está em estado de destruição, Deus escolhe de um até três humanos para serem anjos. São os humanos que de alguma forma fizeram o bem quando ninguém mais quis. São pessoas que mesmo sem nenhuma chance de sucesso, lutaram até o final. A parte engraçada nisso tudo é que em algum mundo ou realidade alternativa, você foi um homem bom que ganhou a chance de ser um arcanjo. Só que respondendo a tua pergunta de antes... Eu sou o diabo, Victor. E bem-vindo ao inferno!

O homem pela primeira vez se levantou de sua cadeira. Pegou Victor pela barba e puxou pra perto da piscina. Outros homens seguraram ele e o prenderam pelas pernas e de ponta cabeça. Victor começou a sentir vertigem por causa da posição. Mas seu desespero era maior pelo que estava perto de acontecer. Ele antes não queria acreditar naquilo, mas agora era forçado aceitar a verdade. Seu corpo começou a ser baixado em direção a piscina cheia de piranhas. Ele orava para que Deus tivesse misericórdia dele. Era tudo que ele pedia. Quando seu corpo encostou na água, sua Buchecha foi a primeira parte arrancada com uma mordida. Depois outras partes do rosto eram devoradas pelas piranhas. Seus berros e seu corpo contorcendo na água, de nada adiantava

Enquanto Victor era atacado por piranhas famintas e seus homens se divertiam com o sofrimento do mesmo, o homem da máscara de demônio foi até seu escritório. O local era bem confortável e versátil. Realmente ele não sentia falta de nada ali. Até poderia viver tranquilamente naquele local. Embora tivesse menos coisas que alguém considerasse como sendo confortável, ele vivia em paz. Nunca gostou de dinheiro e posses extravagantes... Ao chegar no escritório, viu que já tinha um homem sentado na sua cadeira. Ao chegar mais próximo, o outro se levantou e três pares de asas surgiram. O homem da máscara de demônio se jogou no chão em adoração ao mesmo tempo.

- Lorde Samael! O que devo a honra da sua visita?

- Diabo é? Gostei. Se levanta, meu filho.

O homem se pôs em pé, mas manteve a posição de respeito e reverência para o ser a sua frente.

- Belial me indicou você. Ele disse que foi um servo fiel para com o meu general Azazel. Preciso dos teus serviços e homens, meu filho.

- Eu sou teu, meu lorde. Meus homens são teus.

- Ótimo ouvir isso. Preciso que mate uma pessoa para mim.

- Meu lord, isso é...

- Impossível? Não. Humanamente é. Mas não sou humano já faz muito tempo. Como sabe, essa é a época que me tornei anjo. Fui tão respeitado pelos meus atos que me tornei um Serafim. E a minha doppelganger que ganhou essa chance, vive nesse mundo e em breve se tornará eu. 

- Entendo, meu lorde! Mas quem eu devo matar?

- Quem mais? A minha doppelganger.

- Mas se eu fizer isso, então o senhor... Exceto se... - O homem da máscara de demônio deu uns pulinhos de alegria. - Isso é tão genial. Isso é tão... O senhor merece toda a reverência do universo, meu lorde!

Samael colocou uma mão sobre a cabeça do homem da máscara de demônio. Fechou os olhos e o abençou.

- Sabe então como fará isso?

- Sei meu senhor. Mas devo saber primeiro o nome dessa doppelganger.

- Deise. Ela mora atualmente aqui em Restinga Sêca.

- Sim. Eu a conheço bem, meu lorde!

- Ótimo. Você deverá matar ela no dia 29 de junho, às 3 horas e 30 minutos da madrugada.

- Entendo meu lorde!

Longe dali, Jairo cortava lenha. Ele tinha consciência do que podia acontecer se ficasse doente. Mas tendo a filha que tinha... Isso justificava o fato dele estar sem camisa em um sol escaldante. O suor cobria o seu rosto e corpo negro. Não tinha tempo para perder, logo a noite cairia e os doentes saiam pra fora. 

Num mundo onde animais se tornaram inimigos dos humanos, todo o cuidado era pouco. O machado cortava toras grossas quando um barulho de passos foram ouvidos. Jairo parou na mesma hora e ficou alerta. Fosse vivo ou doente, ele estaria preparado. Porém não necessitou de muito. Um homem caiu desmaiado no chão. Ele correu para ver quem era. Não o reconheceu. Provavelmente era alguém de longe.

Estava com poucas roupas, o que justificava o problema dele. Nem as que o governo dava, o homem tinha. O que fazia a teoria de ser um completo idiota ter sentido. Quando o homem abriu os olhos e pediu ajuda, ele sem pensar duas vezes levou o moribundo para dentro de casa. Sabia que tinha tomado uma decisão idiota, mas era a educação que ele tanto deu pra filha. Se alguém precisasse de ajuda, ele iria ajudar no que pudesse.

- Zoé! - ele gritou. O nome era de origem grega, um nome que ele sempre amou. Deu pra filha quando a esposa morreu no parto. "Vida", Zoé era vida e era assim que ele iria querer se lembrar do fruto do amor dele com a esposa. Apesar que Zoé era apenas em referência a vida, a menina se mostrou digna do nome. - Ele está morrendo. - falou quando a filha chegou.

Zoé não disse. Apenas olhou para o pai, colocou as mãos no homem e fechou os olhos. Quando suas mãos encostaram no homem, ela abriu os olhos assustada e se afastou como se tivesse visto algo assustador. Jairo não entendeu o que tinha acontecido e quando fez sinal de ir até a filha, ouviu o homem misterioso rir. 

Jairo ficou em silêncio enquanto as feridas do outro eram curadas. O homem que até pouco tempo estava perto da morte, se sentou e mexeu o corpo como se tivesse acabado de acordar.

- Devo confessar que isso foi sinistro. - falou olhando para a menina assustada num canto. - Então tu vê toda a vida de quem está curando? Não sei se isso é bom ou ruim.

- Asas... - Zoé falou em fim. Jairo sem entender olhou para a filha.

- Que asas, Zoé? E quem é você?

- Creio que a Zoé está falando das minhas asas. Bonitas elas, né? Ah o meu nome... Gabriel. Sou Gabriel.

- Tá isso ajuda explicar muitas teorias e faz nascer outras.

- É, meu caro Jairo. - Gabriel se levantou e continuou mexendo as costas e fazendo cara de dor. - Devo dizer que nunca estive perto da morte. Tava bem melhor alguns minutos atrás. Fiquei assim só para testar uma coisa. Sabe, alguns seres humanos nascem com dons que podem mudar a vida das pessoas. Se vão fazer o bem ou o mal com isso, depende delas. Sabia do dom da Zoé, mas precisava saber se iria ajudar algum necessitado. 

- Foi um teste?

- Sim. Vocês foram aprovados. E preciso da ajuda da tua filha.

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