A mulher que me deu à luz conseguia ser extremamente irritante quando queria. Durante o café da manhã, a detetive Ana insistiu em reunir pistas, segundo ela havia acontecido algo muito sério, digno de um apocalipse para eu perder a fome e não me importar com o fato de ela comer dois dos meus chocolates preciosos. Embora achasse um absurdo todo o exagero, também buscava uma desculpa para me esquivar naquela manhã.
Devo admitir, com um pesar doloroso, que quase presenciar Ellen pagando um boquete para David me golpeou. Ele confessou seu envolvimento com a executiva, bem como seu modo, momentos de viver, mas ver a olho nu tamanha intimidade mexeu comigo mais que devia, talvez se tivesse me excitado com a cena, me sentiria melhor. Não foi o caso. Fora o castigo que recebi pela curiosidade aflorada, o confronto na praça entregou a ele todas as minhas fraquezas. Só faltou eu escrever na testa o quanto me senti traída, mesmo não tendo direito algum a tal sentimento.
Virei um
— O que você acha do Lucca?— Você disse que não gosta de branquelo. Ela revirou os olhos, divertida.— Estou revendo meus conceitos. — Rimos. — Fala, Aurora, o que acha dele?— Ele é um cara legal, foi a primeira pessoa que conheci na WUC.— Ela abraçou o próprio corpo e me olhou com certa dúvida. — Tá rolando algo entre vocês? — Quis saber, pois Raica parecia indecisa e as carícias dos dois na sala deram a entender que sim.— Ah, Aurora, ele tá de chamego com a preta aqui, mas não sei.— Então curte. — Olha quem estava aconselhando a irmã mais velha, a pessoa mais encrencada do universo. Aff! — Ou você não gosta de pegar sem compromisso?Ela uniu as sobrancelhas.— Sou moderna, Aurora, se eu quiser rola sem neuras depois — falou com uma segurança digna de inveja. — Só não tenho certeza se quero, estou confusa, difícil, fazer charminho deixa mais excitante.— Hahahaha! Charminho, tá bom! Não foi você quem disse ser mode
Cheguei em casa cerca de uma da manhã, quase não consegui me despedir dos irmãos, a cena lamentável, machista, homofóbica, traumatizou a todos. Deixá-los remoendo o acontecimento quebrou o meu coração em mil pedaços. Quando Raica mencionou a não aceitação dos pais, jamais calculei a gravidade da negação, até presenciar o episódio. O homem em seu porte troncudo lembrou Renan, e visivelmente o olhar de revolta também se compartilhou entre pai e filho.Num país racista, muitas vezes ou quase sempre impiedoso diante de escolhas que ferem o padrão imposto pela sociedade, é frequente assistir notícias desumanas, como mais um homossexual espancado, por si só já gera uma revolta. Imensurável, em todas as suas proporções, é testemunhar algo do tipo. Se colocar no lugar do agredido e sem tempo de recuperação, erguer a cabeça, consciente que irá encarar cedo ou tarde outra covardia como aquela.Evitando qualquer ruído, pisei de mansinho indo em linha reta para o meu quarto, assim
— As coisas não são bem assim, Aurora — ele sussurrou, e o pedido cálido que veio a seguir explodiu em faísca no meu corpo e, principalmente, no meio das minhas pernas. — Acha mesmo que foi só mais uma para mim? Garota, você realmente não compreende, seu gosto ainda alimenta o meu paladar, provar sua carne, definitivamente me tornou exigente. Eu quero você, preciso deliciar-me com calma do seu corpo e, quem sabe, talvez, consiga me liberar desse tesão.Oh, Deus!Esfreguei as coxas e umedeci os lábios, impossível controlar a devoção e a devassidão quebrando minha resistência, o ar vulcânico ultrapassando as linhas existentes da ligação.— Está no seu quarto agora? — Timbre rouco, exigente.— Por quê?— Só me responde em qual cômodo está?Arfei, onde
Domingo, dia de dormir até não querer mais, até parece, avisem a maldita insônia que não permitiu que eu pregasse os olhos me mantendo acordada até às seis da manhã, portanto, sem me prolongar na cama, levantei decidida a correr. Mamãe quase vomitou o café da manhã de tanto que riu quando me viu de calça legging e top. Precisava urgentemente liberar a adrenalina e uma atividade física faria o papel de esgotar o meu corpo, visto que minha mente tripudiava, me instigando a querer vocês sabem quem.Resumindo o rolê, eu estava a ponto de explodir.Nem cronometrei os quilômetros que percorri, parei assim que a exaustão fraquejou as pernas, apoiei a palma da mão em uma árvore, uma das poucas do meu bairro pobre em paisagismo e rico em poluição, deixando a cabeça pesar à frente do corpo. Tomei fôlego como se o ar me faltasse no peito. Em seguida, decidi caminhar tranquilamente de volta ao meu prédio. Isso se o universo não gostasse de gozar com a minha cara. Veja bem, a estrutura esgotada, s
Caminhamos lado a lado até a padaria do seu Zé, durante o percurso procurei me concentrar em qualquer coisa que não fosse aquele perfume que, num sopro de ar invadiu as minhas narinas. Num certo momento, à medida que alcançávamos o lugar, ele, atrevido, tocou levemente o dorso da minha mão e eu logo abracei o corpo evitando o contato. O safado riu, pois percebeu como arrepiou cada pelo do meu braço. Iludida, talvez, mas o pensamento me acompanhou. O que o trazia em pleno domingo para frente do meu prédio, quando um mundo de glamour o esperava de braços abertos? Mulheres, boates, festas... lugares que muito provavelmente ansiavam por sua estada. No entanto, lá estava ele caminhando ao meu lado, como se guardasse o tempo na palma da mão, dilatando o momento no qual esquecemos quem somos, esquecemos a WUC. De soslaio, marquei o tempo de um sorriso faceiro, o sol alvorecendo em sua pele, em seus traços, nos castanhos dos seus olhos, tornando-o ainda mais lindo, como se fosse possív
— Sou apaixonada por musicais, acho que poderíamos fazer algo grandioso, como um flash mob[4] com uma música original, talvez o funk, que abordasse sonhos e os influenciadores, ou tik tokers, fazendo parte disso, incentivando seus seguidores a estudarem se quiserem chegar na posição que hoje eles estão. O que acha?O executivo franziu os lábios e permaneceu calado, o que fez com que eu me achasse ridícula.— Funk?— Ahaaa!— Gostei.Isso, garota!!!— Jura?— Sim, vou falar com o Orion.— Eeeeeee. — Bati várias palminhas animadas, porra, ter algo aprovado pelo David era sensacional. — Eu ia comentar com ele amanhã, mas já que você perguntou.— Quem leva a Aurora para casa, a venda ou a criação?Não entendi como investida, meneei a cabeça, pensando na resposta:— O marketing ou a publicidade? — Ele assentiu. — Os dois casam, no entanto, a publicidade ganha.— Sim, consigo ver nos seus olhos e nas
Cobri o rosto, enquanto minha mãe acenava para o safado que fez questão de ligar o carro numa lerdeza, adorando a atenção gratuita. Antes de seu carro cruzar a esquina, corri para dentro, pois o rosto da senhora assanhada mudou, não estava tão simpático.— Aurora, espere! — ela gritou, mas o elevador fechou. E a última visão que tive foi que nada ia me livrar de várias explicações.Entrei no apartamento e apelei para o café, um gole, nada além disso, e então a porta fechou, a testa enrugou e comecei a rezar.— O que o David Queen fazia aqui?— Já falei, mãe. — Contornei a bancada e me sentei no sofá. — Toda assanhada com o homem, ele é muito jovem para a senhora, não pretendo ter um padrasto com essa idade.— Um ponto que eu concordo, também não pretendo ter um genro com essa idade.— Assunto resolvido. — Levantei-me no ímpeto e me sentei no outro lado.— Sem gracinha, fica aí garota. — Ela cruzou os braços. — Eu quis ser simpática. A
— Como vai, David?— Tudo ótimo, Enrico. — Estendi a mão para um cumprimento e ele retribuiu. Virei-me para sua esposa. — Olive, que bom revê-la.— O prazer é meu, David. Estive com sua mãe há mais ou menos um mês, que palácio vocês têm na Califórnia! — elogiou a senhora elegante ao lado do marido, meu futuro investidor. — Que jardim impecável.— Eu realmente amo aquela casa, só não tenho tempo hábil para desfrutar do lar que meu pai construiu. — queixei-me.Eram raros os momentos que sentia saudade de casa, isso devido à mudança constante que meu cargo exigia, com o corpo em movimento o cérebro seguia o mesmo curso e o coração… esse não dava ouvidos há um tempo. Procurei construir pequenos lares que pudessem me acolher durante as viagens, espaços que recheava com fotos e recordações da família amorosa que Sara sempre zelou, mas que desmoronou na colisão desleal entre Nick e eu.— Todo sucesso tem um preço — comentou Enrico me arrancando do torpor.