As consequências de um casamento arranjado
As consequências de um casamento arranjado
Por: Agnela
Íris

Nas urgências e emergências encontrei uma escapatória, foi a área onde eu mais me identifiquei, nenhum médico de elite aceitaria estar aqui, mas eu, não preciso ser da elite, pessoas formam as elites.

Numa noite fatídica de terça-feira centenas de ambulancias chegando com inumeros pacientes com ferimentos graves e tenho certeza que alguns acabam de dar o seu último suspiro ao serem transportados em macas.

— Doutora Iris o que vamos fazer? São muitos pacientes — diz a enfermeira ao meu lado assustada.

— Vamos cuidar de todos e deixar o minimo, o mais minimo de mortos possível, faça o impossível para salvar a maioria, ou o que der — disse, segurando o estestocópio e colocando em torno do pescoço – anda, vamos trabalhar– Vamos a isso pessoal – gritei.

- Sim Doutora – responderam todos.

Enquanto cuidavamos de todos os pacientes, viam mais enfermeiros de outras áreas do hospital, para ajudar, além de colegas de trabalho acredito que somos uma família.

- Iris! – Diz uma voz atrás de mim – quantos já? – Perguntou sem terminar a frase.

—Tem 16 pacientes no bloco operatório, e sinceramente as coisas estão feias por aqui – respondi.

— As coisas estão tão feias assim? —Perguntou a minha irmã mais velha

— Ainda tem mais ambulâncias chegando, e a noite acabou de começar – Respondi me virando – estamos em estado de emergência mana.

Olhei para o rosto da minha irmã, que parecia ter acabado de ver o mundo acabar bem na frente de seus olhos, eu sei que ela não suporta sangue, e mortes de pacientes, ela não é muito boa em lidar com perdas, até mesmo de pessoas desconhecidas.

Segurei em seus ombros e a virei em direção a saida daquela cena que parecia uma catastrofe da guerra mundial, eu sei que para ela esse lugar é aterrorizante.

Nem se eu fosse uma escritora renomada com muitos anos de experiência conseguiria descrever essa cena assustadora que está se passando aqui, sangue por todo lado, membros dilacerados e gritos aterrorizantes e perturbadores, uma sala de emergência com espaço um espaço de aproximadamente 2500m2 ocupado inteiramente de macas e pacientes.

- Você não deveria estar aqui, esse lugar não te faz bem – disse, levando-a até ao elevador – Você está bem?

- Sim, sim, estou bem, não precisa se preocupar, só preciso de um copo com água, vou ficar bem – diz ela, olhando para o bebedor ao lado – Você pega para mim?

- Claro que sim! – Respondi, me virando para ir pegar a água. Assim que me viro e seguro o copo para colocar água, sinto um pequeno impacto no chão, e quando me viro vejo a Mayra caída ao chão, perto do elevador.

- Mayra – Corri até ela, num espaço de 4 passos curtos, caindo ao chão de joelh0s, tentando reanima-lá – Mayra acorda, judem aqui por favor – gritei.

- Iris! O que aconteceu? Mayra! – Exclamou Kelvin.

- Não sei, ela pediu um copo de água e assim que me virei ela caí desmaiada – respondi.

- Deixa leva-lá para o meu consultório – diz ele, colocando-a ao colo.

- Ela deve ter tido um ataque de panico – disse, chamando o elevador.

- Ele viu toda essa situação? – Perguntou, entrando no elevador.

- Sim, ela apareceu do dana querendo saber quantas pessaoas morreram – respondi.

Durante a subida do elevador para 16º andar, eu fiquei totalmente pensativa naquela cena que eu acabei deixando lá, tudo acontecendo sem a minha presença. Em minha mente só vinha será que eles estão tomando conta?Deve ter morrido mais alguém, os pacientes do bloco operatório, já devem ter saido. Mas assim que o elevador chegou ao 16° andar me dei conta que a minha irmã está desmaiada, e logo prestei a minha atenção para ela.

- Vou chamar a sheila para vir colher umas amostras de sangue – disse, pegando o telefone fixo para ligar.

- Sim claro! Eu vou tentar reanima-lá – diz ele.

***

- Não precisa tudo isso, foi só um desmaio – diz a Mayra quase acordada.

- Precisa sim, você ficou desmaiada durante uns 10 min, isso não é nada normal – diz o Kelvin.

- Você pode parar com isso? Está me deixando zonza – diz ela.

- Você acordou, agora preciso ir, estou longe da emergência faz 11 minutos, isso não é nada bom, você vai ficar bem mana? – Perguntei.

- Eu estou bem, não precisa se preocupar – respondeu – você pode ir trabalhar, eles precisam de ti.

- Muito obrigada – disse, depois de ter dado um beijo nela – mais tarde falamos – disse, logo depois saí correndo da sala para o elevador.

E quando cheguei, parecia que tudo só tinha piorado, aquilo estava um caos autêntico. Andando em direção a recepção e logo a enfermeira me entrega o tablet.

- Sara, me atualiza da situação – disse, pegando o tablet com todas as informações dos paciente.

- 102 Pacientes feridos, 44 em estado critico e 9 mortos até agora – disse, acompanhando os meus passos freneticamente.

- Quantos chegaram mortos? – Perguntei.

- 6 Pacientes, paraticamente já estavam sem pulso quando chegaram, tentamos reanimalos mas infelizmente não...

- Nem precisa terminar essa frase – disse – e os outros 3 pacientes 1 hora após chegarem ao hospital.

- Não deixa subir para 10 por favor, não podemos permitir que vidas se vão assim – disse segurando em suas mãos.

- Faremos de tudo Dotora Íris – respondeu com um sorriso forçado.

Confesso que eu também não estava animada com toda aquela situação, o sinalizador de emergências não parava de soar e aquilo estava-me deixando bem perturbada. Pessoas gritando, gente entrando com ferimento em toda parte do corpo.

- Aqui, socorro, por favor salvem o meu filho, por favor – diz a mãe entrando com o filho em seu colo.

- Enfermeira Lola ajuda a senhora ali, eu já venho – diz o médico ao meu lado.

- Eu posso ajudar você – disse para ele.

- Não precisa, cuida dos seus pacientes – diz ele, correndo em direção ao paciente.

***

As coisas se acalmaram depois de algumas horas, a situação estava muito mais tranquila e isso me deixava com uma sensação de paz e conforto. Como aquele trabalho bem resolvido.

Após um logo turno de trabalho me dirijo onde mais me sinto perto do céu e das estrelas, onde eu podia respirar e peidar a vontade sem que ninguém me notasse. Mas eu noto a presença de alguém estranho no meu lugar de conforto.

Ele nota a minha presença e me deixa se aproximar até ele, parece que mais alguém conhecia o meu lugar, então ele já não é tão secreto assim... na verdade nunca foi.

Não achei que ele fosse falar comigo, mas aí ele me pergunta.

- Você quer café? – Pergunta o cara ao meu lado.

- Como você descobriu esse lugar? – Perguntei.

- Olhei la de baixo, e vi que era um edificio muito alta para pular – respondeu.

- Voce veio cometer suicidio aqui, logo aqui? – Perguntei surpresa.

- Você quer o café ou não? – Pergunta novamente.

Não estava tão iluminado assim para ver o seu rosto, mas parecia um senhor mais velho, com uns 46 anos aproximadamente.

- Sim que quero, mas agora não posso, estou atolada de trabalho e eu durmo quando tomo cafeína – respondi.

- Já se passaram 80h e tu estás aqui, precisas descansar – diz ele.

- É o meu trabalho, é para isso que sou bem paga, e além disso eu não gosto de ver pessoas morrendo – respondi.

- E a quanto tempo você trabalha aqui e a quanto tempo você é médica? – Perguntou olhando para mim.

- A minha vida toda – respondi.

- Então sempre sonhou em ser médica? – Perguntou novamente.

- Não! Nunca tive um sonho ou desejo, digamos que o meu destino já estava traçado.

- Você acredita em Deus? – Perguntou.

- Claro que sim, não só acredito como também vivo por ele, com ele e para ele – disse animada.

- Estou pagando pelas minhas pessimas escolhas, eu acredito – diz ele, num tom baixo segundo o copo com café na mão esquerda e com a mão direita em seu bolso – Deus está me fazendo pagar por tudo que eu fiz de errado.

- Nós só estamos em um mundo onde pagamos pelas nossas escolhas erradas. Isso chama-se a lei do retorno, mas também infelizmente coisas ruins acontecem com pessoas boas também – respondi.

- Carma? – Pergunta.

- Isso! O Carma sempre volta para nós, não podemos fugir delede jeito nenhum – disse.

- Então, só me resta a morte – diz ele, tirando a outra mão no bolso e colocando o copo de café no para peito.

- A morte não é a solução, eu vejo muitas pessoas morrerem e acredito que elas gostariam de ter apenas mais uma chance, enquanto nós estamos em vida, devemos aproveitar e fazer diferente todos os dias, por isso Deus nos mantém acordado e vivendo até hoje. A morte não deveria ser uma escapatória para fugir dos problemas, e sim um lembrete para os vivos que devemos viver para o que fomos chamados, e não dispediçar com coisas ou ideias futeis.

- Doutora! Tudo na vida é sobre Deus? – Perguntou ele, segurando alguma coisa na mão, e com a outra mão em seu bolso, fazendo com que o seu corpo fique de forma reta – eu acredito que Deus nos faz pagar por coisas que não fizemos.

- E por quê você acha isso? – Perguntei curiosa.

- Minha filha tinha apenas 12 anos, era uma garota muito obediente, tirava boas notas e era pessima em desporto, mas eu a amava – diz ele, com voz trémula, podia sentir as lágrimas caindo de seu rosto – minha filha tinha o sonho de ser médica, mas ela era muito tímida, mal conseguia abrir a boca para pedir alguma coisa ou dizer algo que lhe incomoda.

Ele fala da filha no passado, mas hoje não morreu nenhuma criança, será que foi em algum outro local.

- A sua filha morreu de alguma doença? – Perguntei.

- Minha filha morreu há 4 meses, e tudo ainda é bastante recente eu sei, ainda não consegui viver a dor do luto, em vez disso, desconto toda a minha frustração nas pessoas ao meu redor – diz limpando as lágrimas.

- Eu posso ajudar o senhor! – Disse.

- A Doutora é uma boa pessoa, espero que possa continuar assim, cuidando dos pacientes, tentando salvar até os sem solução – diz ele olhando para mim.

- Não faço por mim, apenas por Deus, cuidar de seus filhos e o meu chamado, eu seu que a sua dor é recente e que ainda deves estar a sofrer muito, eu não entendo a tua dor, mas podes contar com a minha ajuda se necessário – respondi olhando para a o céu.

- A senhora quer mesmo me ajudar? – Pergunta, olhando para mim.

- Sim claro, eu quero muito ser útil com que oque puder, ficarei muito feliz – respondi.

- Eu observo a senhora faz um tempinho, vê-lá trabalhando realmente é fascinante, eu queria ver a senhora trabalhando pela última vez – diz, com um meio sorriso nos lábios – eu sabia que a Doutora não sairia daqui sem antes deixar todos fora de perigo.

- A quanto tempo o senhor me observa? – Perguntei curiosa.

- Desde que a minha filha morreu, eu não conseguia espressar nenhuma emoção se quer, eu estava andando por aí e vi falarem de voce na TV e de seus feitos na médicina , então eu peguei um táxi e vim aqui, fiquei parado na parte de dentro vendo a senhora trabalhar e fiquei orgulhoso e pensei nela, vendo assim mais de perto, acho que ela é bem parecida com a senhora – diz ele segurando os meus cabelos cacheados – ela era bastante inteligente como a senhora e linda tal igual, então eu vinha sempre que fosse o teu turno observada sempre a senhora até em casa, sim eu seguia a senhora até em casa – diz ele.

Quem é esse homem a minha frente? Era tudo o que a minha cabeça processava, fugir, fugir sair daqui o mais rápido possível, dou dois passos para trás, assustada, querendo que naquele momento que mais alguém descobrisse a minha zona de conforto e me salvasse daquela situação.

- não precisa ficar com medo, eu não vou fazer nada com a senhora, eu ainda não estou assim tão louco! Se a senhora quiser meajudar chama a policia e diz que eu sou o responsável pelos feridos e mortes que aconteceu, tudo só para ver você trabalhando sobre-pressão e salvando o maximo possível, tudo o que voce fizer, vai ser como se a minha Rayna tivesse feito, não me arrependo de nada que fiz, eu faria tudo outra vez, para ver a senhora trabalhar pela última vez – diz ele se sentando.

- e para onde o senhor vai? – pergunto curiosa.

- Estou cansado, agora quero sofrer pela minha filha querida e finalmente viver o meu luto em paz – diz ele, no meio de choros e soluços – finalmente vou chorar por ela, muito obrigada por tudo, eu tive sorte de ter tido a Rayna e ter conhecido a versão dela adulta, ela seria uma mulher brilhante como a senhora – diz ele, ainda caindo e lágrimas.

***

- Você conhece ele? – perguntou o Kelvin.

- Não faço a menor ideia de quem é ele, mas eu gostei de tê-lo conhecido – respondi.

- Mas afinal por que ele fez isso, muita gente ficou ferida, que cara louco – diz ele.

- Não sei, mas eu de certeza que a policia vai saber a razão, vamos trabalhar – disse.

- Chega de trabalhar, você não está exausta? Você está aqui no hospital a mais de 97h. vaidescansar em casa por favor, e aproveita comer algo em condições, e nada de reclamar , vai agora – diz ele me

empurrando até a saida.

- Mas...

- Mas nada, vai logo para casa por favor – falou.

Esses foram os quatro dias mais longos da minha vida, eu queria ficar e poder ter tudo sobre controle, mas o Kevin o meu cunhado me mandou voltar para casa, ele é como um irmão para nós, ele e a Maira têm cuidado de nós como nossos pais.

Eu gosto muito dele, foi uma boa escolha que os meus pais fizeram antes de morrer.

Eles se conheceram dois anos depois que os meus pais morreram, nas férias em Orlando, foi amor a primeira vista, desde então eles decidiram ficar juntos.

Depois de chegar em casa, altamente cansada apenas deixo o carro na porta, o motorista vem correndo me receber as chaves do carro.

Entro em casa e vejo uma linda jovem me esperando no primeiro degrau da escada.

— Você finalmente chegou — diz a minha irmã mais nova— eu estava esperando por ti.

— Deu para perceber — respondo sem ânimo.

— Então? como foram as coisas nesses dias? — perguntou ela animada.

— Se você aparecesse por lá saberia — respondo, abrindo a porta do quarto.

— Eu tinha aulas teóricas, não podia sair assim do nada — diz ela sentada na cama.

—Correu tudo bem, tivemos o mínimo de mortes possível, infelizmente algumas pessoas morreram mais era inevitável — digo.

— E você? Sabe que não deveria trabalhar por tanto tempo assim — diz ela baixando o tom de voz, ao olhar para cicatriz que tenho no peito.

— Eu não consigo ficar parada, alguém deu a vida por mim, eu farei o mesmo. Isso dá assim tanta angústia pra você? Se quiser não olha.

— Não foi isso o que eu quis dizer Íris.

— Eu não fazer com a morte dela seja vã, não de preocupa.

— Eu não... eu vou sair, durma tranquila então — diz ela saindo.

Eu não faço por mal, eu tento me defender antes que as pessoas façam isso comigo. Eu não entendo o porquê de ter sobrevivido.

A minha avó deu o seu coração para mim, eu não sei o que aconteceu. Eu estive em coma e não sei o que aconteceu com a minha avó para ela ter que me doar o seu coração.

Seis meses depois da operação eu acordei e me deram essa notícia, e desde então ninguém me contou o que aconteceu até hoje, fazem 3 anos, então eu não voltei a tocar nesse assunto para não deixar eles desconfortáveis.

Um mês depois e estava tudo os trilhos outra vez, o hospital tem tratado dos últimos feridos que ficaram.

Então eu fui ao meu consultório.

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