A grosseria de seu pai não tinha limite quanto tratava-se dela e para evitar mais aborrecimentos, ela engoliu sua indignação entre uma taça de vinho e outra.
Ainda revoltada com o modo resoluto que ele a interpelou, ela o observou discretamente. Konstantinos era um homem atraente, apesar de seus sessenta anos. De cabelos grisalhos e olhos escuros, ele emanava uma vitalidade surpreendente e nem mesmo o acidente que sofrera anos atrás tirou-lhe o vigor: pai, avó e marido dedicado, somavam as características que distinguiam-no de tantos outros. Ele era o tipo de pai que fazia de tudo pelo bom nome da família.
Mesmo diante de tanto vigor, uma parte dele fora perdida no dia do acidente, e ele passou de um homem alegre e amável para um senhor mal-humorado e ranzinza.
Lembra-se daquele acidente acionava memórias dolorosas de um dia de horror, onde ambos, quase perderam a vida. Nostálgica, ela decidiu afogar as lembranças assombrosas no vinho tinto que bebericava.
Para Íris aquele jantar pareceu ser o mais longo de toda sua vida e, quando finalmente ele terminou, ela quase pulou de alegria na mesa. Após a refeição, todos se dirigiram silenciosamente para o escritório de Konstantinos e o aguardaram: uns apreensivos, outros curiosos. Já ela era uma mistura dos dois, assim como o olhar aflito de sua irmã gêmea.
A sala que estavam era imensa e confortável. Estofados de couro, pilares gregos e objetos de artes davam ao ambiente um ar requintado. Uma grande porta de correr envidraçada dava diretamente para os jardins da mansão: era naquele ambiente moderno e aconchegante que Konstantinos se refugiava quando queria ficar só.
O carpete branco felpudo nunca lhe parecera tão convidativo quanto naquela hora, e Íris ficou tentada a tirar os sapatos e ficar descalça, porém desistiu; seu pai provavelmente não aprovaria tal atitude.
Ignorando a tentação de jogar a sandália de salto para o ar, ela se conformou com a maciez do estofado e relaxou um pouco, tentando dissipar a tensão que a rodeava.
Assim como ela; todos estavam confortavelmente acomodados, exceto Leandro, que permanecia em pé ao lado da janela, aguardando a entrada de Konstantinos.
Aparentemente não era apenas Íris que estava tensa, e ela pode perceber isso quando Nikos quebrou o silêncio da sala e comunicou a ela.
— Ouve uma pequena mudança em seu plantão. Decidi mantê-la...
Antes que seu irmão tivesse a chance de concluir seu diálogo, Catarina bradou de supetão, não gostando nem um pouco do rumo que a conversa estava tomando.
— Oh, por favor! Não me venham falar em hospital agora!Mesmo o clima não sendo propício a diversão, todos riram da reação dela: uma coisa era certa, Catarina tinha verdadeiro pavor de hospitais e todas às vezes que o assunto era voltado para a profissão dos irmãos ou do marido dela, ela dava um jeito de interromper a conversa. Assim como Íris e Nikos; o esposo de Catarina — Dário — também era médico.
Após a intromissão de sua irmã, o silêncio voltou a reinar no escritório. Não passaram-se nem alguns segundos, para Konstantinos entrar acompanhado de sua amada esposa — Dominique Varvakis.Vislumbrando o rosto tenso dos filhos, disse.
— Que bom que todos já estão aqui — dirigindo-se a Leandro, pediu. — Sente-se, a conversa será longa. No primeiro momento Leandro relutou em sentar-se, contudo seria loucura tentar fugir daquela conversa. Seu pai já estava a par de tudo, então não fazia nenhum sentido se esconder do inevitável. Mesmo irresoluto, ele buscou seu assento na poltrona ao lado de sua mãe. Depois que Leandro sentou-se, Konstantinos fez uma revelação surpreendente que deixou todos boquiaberto.— O desajuizado de seu irmão Leandro desvirtuou uma das moças da cidade.
Descobrir que Leandro seduziu e desonrou uma jovem aldeã causou um reboliço muito grande em Íris e chocada ela exclamou.
— O quê?!Diante do olhar de espanto de seus filhos, Konstantinos então relatou que Leandro conhecera a moça há quase nove anos, em um dos torneios estudantis da Grécia. Lá, começaram a namorar as escondidas e o relacionamento foi tomando outras proporções, até que o inevitável aconteceu: ela engravidou e ele a abandonou a própria sorte.
A revolta nos olhos de Íris era visível e ela encarou o irmão com uma expressão de incredulidade no rosto. Ainda sob o efeito do choque, ela perguntou austera ao irmão. — Em nenhum momento pensou em assumi-la? Olhando-a diretamente nos olhos, ele respondeu com cinismo. — É claro que não! Eu tinha apenas dezenove anos: mulher e filhos não estavam em meus planos. Ouvi-lo dizer aquilo de forma tão leviana formou um nó em sua garganta. Ela amava muito seu querido irmão, mas no momento o único sentimento que nutria por ele era desprezo.Ela o olhou frustrada, e para sua decepção não viu arrependimento nos olhos dele. Furiosa, acusou-o.
— Você a usou e a abandonou grávida! Você é uma vergonha para nossa família. Frente à explosão de Íris; Leandro fuzilou-a com os olhos, e eles se encararam por alguns segundos, medindo forças. Ela sabia que Leandro era irresponsável, porém esse lado da personalidade dele lhe era totalmente desconhecida. Estava sendo um choque e tanto para seus pais assumirem que seu amado filho não passava de um conquistador barato, mal caráter e inconsequente. — Até quando pretendia nos manter na ignorância? — Konstantinos perguntou contrariado com a omissão do filho. Diante do silêncio de Leandro, Konstantinos insistiu áspero. — Por que você nos omitiu essa história? Dê-me uma explicação! Abalado com o olhar de reprovação do pai, ele perguntou constrangido. — Como soube dessa história? — Apenas responda! — Foi a resposta rude de seu pai. Como não podia mais esconder o óbvio, ele disse desgostoso.— Quando soube da gravidez da Ágata fiquei desesperado e pensei em contar-lhe... Mas, como falei antes, casamento e filhos não estavam em meu rol de prioridades e conhecendo os princípios morais da família, deduzi que seria obrigado a reparar o erro.
— O que aconteceu com a moça e as crianças? — Íris perguntou preocupada. — Quando os pais dela descobriram a gravidez passaram a pressioná-la. Temendo ser banida da família, ela inventou que tinha sido atacada por um desconhecido, quando voltava da casa de uma amiga. Os pais de Ágata acreditaram na versão dela, pois ela tornou-se uma garota agressiva e arredia; passava a maior parte do tempo trancada no quarto, chorando e eles associaram a mudança repentina no comportamento dela à violência sofrida. Um pesado silêncio caiu sobre o escritório após a confissão de Leandro. Íris sabia o quanto era difícil para um pai aceitar a gravidez de uma filha antes do casamento, geralmente quando isso acontecia as moças eram expulsas de casa ou obrigadas a abortar. Como médica, muitos desses casos enfileiravam o banco de espera do hospital e muitas jovens, se quer tinham a oportunidade de decidir sobre o próprio destino. — Continue Leandro. — Konstantinos ordenou impaciente. — Ela casou-se com um estrangeiro e ele assumiu as crianças: parece-me que ele viu na gravidez dela a oportunidade perfeita de permanecer legalmente no país.— Você tem contato com as crianças? — Íris perguntou curiosa.
— Não! Claro que não! — Ele respondeu com indiferença. — Eu os encontrei por um acaso na praça: eles estavam com a mãe. Quando ela me viu a cor fugiu-lhe do rosto. Bastou uma olhada nas crianças para constatar que tratava-se de meus filhos. São crianças encantadoras; gêmeos com você e Cassandra. — Falou com certo orgulho. — Me propus ajudá-los no que fosse preciso, mas Ágata foi muito fria comigo: disse-me que era tarde demais para eu bancar o pai arrependido. Falou-me que as crianças estavam muito bem, que o pai delas era maravilhoso e que elas não precisavam de mim.
Leandro levantou-se muito abalado. Após segundos de hesitação, murmurou melancólico:
— Ágata faleceu a dez meses atrás, ao dar à luz. Depois disso, nunca mais tive notícias dos meus filhos.
Um pesado silêncio recaiu sobre todos. Os rostos cabisbaixos na sala não ousaram dizer uma palavra. Seus irmãos, assim como ela, estavam atordoados com a notícia. Íris, porém, foi a que mais sentiu-se abalada. Por alguma razão, até então inexplicável, ela sentiu que aquela pungente revelação de alguma forma iria afetá-la profundamente.
Ao término da reunião, Íris foi a primeira a se retirar do escritório. Ela não trocou novas afrontas com o irmão ou brigou com ele, não havia mais necessidade de punição: Leandro autopuniu-se quando rejeitou a beleza de ser pai, de construir uma família, de vê seus filhos crescerem e ter alguém para chamar de lar...
Repleta de pensamentos, ela entrou em seu quarto, apagou a luz do abajur e acomodou-se o melhor que pode na cama. Aquela noite prometia ser longa e a cabeça dela estava para estourar.
Foi com tristeza, que Íris viu no semblante de sua mãe uma sombra de decepção. Durante a reunião, sua querida mãe manteve-se no mais absoluto silêncio: não ousou defendê-lo nem tão pouco acusá-lo. Permaneceu passiva diante da situação.
Ao contrário dela, Íris mostrou toda sua indignação, principalmente depois de saber que além de desonrar a moça ele ainda foi relapso em relação aos filhos. Era insuportável imaginar que o mesmo Leandro, que sempre fora seu herói e protetor na infância, agora vestia-se de desprezo e asco. Um homem que abandona mulher e filhos não pode ser considerado um homem.
Seu coração se apertou em tristeza. Pensar naquelas crianças órfãos, tirou-lhes o sono e quando ela, por fim, conseguiu dormir, teve um sono agitado.
Íris acordou pela manhã com o som insistente do despertador buzinando em seus ouvidos. Embora quisesse aproveitar um pouco mais do calor de seu cobertor, ela não podia, pois tinha suas responsabilidades como médica. Mais que depressa, pulou da cama e correu para o banheiro. Ao sair do banho pegou a primeira roupa que viu pela frente e vestiu-se. Seu traje era simples: uma camisa branca de algodão e calça pantalona de alfaiataria. Como ainda tinha alguns minutos a seu favor, maquiou-se rapidamente e desceu apressada para o café da manhã. Assim que chegou ao terraço o encontrou vazio, e pelo silêncio da casa, ela tinha quase certeza de que todos ainda estavam na cama. Íris fez a refeição sozinha e quando preparava-se para sair, seus pais apareceram de supetão. Sua mãe a cumprimentou sonolenta, enquanto acomodava-se ao lado de seu esposo. — Bom dia! — Respondeu sorrindo para sua mãe ainda aturdida e acrescentou. — Desejo um ótimo desjejum para os dois. Konstantinos, no entanto,
Alexandro saiu do hospital pensativo. O encontro com a bela Dra. Íris mexeu demasiadamente com suas emoções e isso o estava incomodando. Depois de Ágata, nunca sentira uma atração tão forte por alguém como a que estava sentindo naquele momento pela senhorita antipatia. Em seu íntimo ele sentia-se culpado por está pensando em outra mulher já que sua viuvez ainda era muito recente. Por outro lado, o relacionamento dele com Ágata nunca foi dos melhores, e depois do nascimento de Damon — o primeiro filho deles — o casamento foi de mal a pior e o que já era morno, esfriou de vez. Zoe — segundo sua esposa —, foi um acidente de percurso e depois desse dia, ela afastou-se definitivamente dele. Ágata não queria nenhum tipo de contado físico, nem com ele nem com Zoe. Para os que os conheciam; eles pareciam ser o casal mais perfeito e harmonioso do mundo, porém por trás das cortinas, a história era bem diferente: eles viviam como se fossem dois estranhos: ela tentando adaptar-se com a presenç
O cansaço de um dia longo de trabalho e a insônia da noite anterior estava refletindo diretamente em Íris e ela chegou em casa no final de seu expediente, aos cacos.Saber que ainda teria que enfrentar um jantar longo pela frente só aumentava a indisposição dela, contudo não teria como fugir dele: o segundo ato do espetáculo “Leandro” iria dar continuidade a uma nova onda de desconfiança e decepção, e como membro da família, ela não tinha como ficar de fora dessa cena.Disposta ou não, Íris arrumou-se com capricho: suas irmãs e suas cunhadas eram muito elegantes e ela teria que se apresentar à altura, embora a ocasião não fosse favorável.Jogando seu desânimo no fundo de um baú, ela desceu um lance de escadas e em pouco tempo se encontrava no hall. O olhar analítico de Catarina e Thais — esposa de Nikos —, sobre ela era sinal que Íris tinha sido feliz na escolha do traje. Catarina, diante da elegância da gêmea caçula, esboçou um sorriso forçado e a elogiou a contragosto. — Finalment
Mesmo diante do acontecido da noite anterior, Íris não poderia ter tido uma noite de sono tão agradável, como a que teve. Ela acordou bem-disposta e determinada, e nada ou ninguém ia estragar o seu dia: isso se ela fosse mais rápida que seu pai e saísse antes que ele a visse.Como nenhum dinheiro do mundo era capaz de comprar a paz de espírito dela; Íris se apressou e correu para tomar banho. Depois da ducha relaxante, ela arrumou-se apressada, saiu sorrateiramente da mansão e pegou a estrada que a levaria para o hospital: seu desjejum, ela deixaria para fazer em uma confeitaria próxima ao Hospital Santo André.A passagem dela pela confeitaria não demorou muito e isso deu a ela, alguns minutos a seu favor: ela pretendia, então, usar o tempo livre que ainda lhe restava para sondar Nikos a respeito do que ficou decidido na reunião de família. Assim que entrou no hospital se dirigiu a recepção e perguntou ansiosa.— O doutor Nikos já chegou?— Sim, e está bem atrás de você. — Nikos resp
Passaram-se uma semana e nada de Alexandro esquecer o encontro que tivera com Íris Varvakis. Desde a primeira vez que a vira, não conseguia tirá-la do pensamento: ela povoava sua mente dia e noite. Os sonhos que perdia ao dormir, agora eram nítidos à imagem curvilínea dela. Em alguns momentos, ele se sentia um tonto por permitir que seus pensamentos fossem ludibriados por sua falta de senso; somente mesmo um desavisado como ele para acreditar que algum dia ela o olharia diferente. Íris era a filha do dono do estaleiro, e ele, um simples engenheiro naval. Eles viviam em mundos diferentes, e era mais fácil ele conseguir pegar o sol com as mãos, do que fazer com que ela o olhasse: Íris era inalcançável para ele.Perdido em meio a tantos desatinos negativos, ele não percebeu a aproximação de Irini Petrakis, secretária de Dionísio Andreas. — Sr. Lykaios, o senhor Andreas o espera na sala de reuniões. — A secretária o avisou e observou em tom de reprimenda. — Estou há horas ligand
Revolta não era exatamente a palavra certa para definir o estado atual de Alexandro ao deixar a sala de reuniões; ele estava possesso de raiva. Seus filhos não eram brinquedos para serem jogados em um tabuleiro de xadrez e conduzidos de forma desumana à boa vontade de um velho medíocre com desejos de ser vovô. Konstantinos não tinha tino para conduzir nada além da empresa. Mesmo sabendo que relutar contra os desatinos daquele homem poderoso, seria perda de tempo, Alexandro não estava disposto a se deixar ludibriar e nem se curvar aos desmandos dele. Ele não iria permitir que aquela raposa velha lhe passasse a perna, e na hora certa, Konstantinos Varvakis teria uma grande e desagradável surpresa.Deixar a sala de reuniões para trás foi fácil, o difícil mesmo seria conseguir dar continuidade ao trabalho com aquele peso imenso nas costas. Ele não era o tipo de homem que levava problema para o trabalho, no entanto, o grande contraste era que o problema que estava enfrentando estava intri
— O quê? Casar?! — Íris gritou desnorteada. — O senhor não pode está falando sério!O choque diante das palavras de seu pai era visível no rosto tenso dela, e um leve tremor era perceptível na sua voz ao se contrapor a proposta de Konstantinos. De todas as possíveis insanidades de seu pai, aquela com certeza não fazia parte delas. Seu pai não poderia estar levando o contrato de Michaels a sério. Ela jamais se submeteria a um casamento forçado só para reparar um erro que nunca fora dela.A expressão de incredulidade de Íris era uma forte evidência que ela ainda não tinha-se dado conta que o casamento, no momento, ainda era a melhor solução para os problemas de sua família. Diante dessa quase relutância em aceitar os fatos, Konstantinos disse resoluto. — Não estou falando nenhum disparate. Você sabe tão bem quanto eu, que aqui na Grécia, muitos casamentos ainda são arranjados.— Não na nossa família. — O lembrou consternada. Refeita do impacto inicial das palavras de seu pai, disse cau
A resistência de Íris não era nenhuma novidade para Michaelis. Era óbvio que a irmã não ia facilitar para eles, e isso o abrigaria a usar uma abordagem mais dura com ela, que, consequentemente, a machucaria e poderia até se tornar letal, caso ela não estivesse equilibrada emocionalmente. Era chegada a hora do tudo ou nada. Assim como Íris; Michaelis não se dava por vencido tão facilmente, e naquele momento, dobrar Íris para ele era questão de honra.Já saturado da teimosa dela, disse sarcástico.— Ora, ora! A mocinha só vai se casar por amor! — Depois de um breve riso debochado, vociferou. — Não seja ridícula. O que é que você sabe de amor? ... Nada! Desde a tua adolescência, até agora, posso contar os teus namorados a dedo; se tivestes três foi muito. As chances de você vir a escolher e casar-se por amor, são mínimas. — Acrescentou atiçando a fúria dela.— Você é muito cruel. — Disse entredentes, enquanto lutava para controlar a mão que queria alcançar o rosto de Michaelis com um ta