Capítulo 3

Íris acordou pela manhã com o som insistente do despertador buzinando em seus ouvidos. Embora quisesse aproveitar um pouco mais do calor de seu cobertor, ela não podia, pois tinha suas responsabilidades como médica. Mais que depressa, pulou da cama e correu para o banheiro. 

Ao sair do banho pegou a primeira roupa que viu pela frente e vestiu-se. Seu traje era simples: uma camisa branca de algodão e calça pantalona de alfaiataria. Como ainda tinha alguns minutos a seu favor, maquiou-se rapidamente e desceu apressada para o café da manhã.   

Assim que chegou ao terraço o encontrou vazio, e pelo silêncio da casa, ela tinha quase certeza de que todos ainda estavam na cama.

Íris fez a refeição sozinha e quando preparava-se para sair, seus pais apareceram de supetão. Sua mãe a cumprimentou sonolenta, enquanto acomodava-se ao lado de seu esposo.

— Bom dia! — Respondeu sorrindo para sua mãe ainda aturdida e acrescentou. — Desejo um ótimo desjejum para os dois.

Konstantinos, no entanto, balbuciou algo incompreensível, que para ela soou como um ‘bom dia’. Por sorte, passaria o domingo de plantão no hospital: o pai dela estava de péssimo humor, ele era como uma bomba relógio prestes a explodir e ela, queria estar bem longe quando isso acontecesse.       

Sentindo o tempo apertar-lhe as horas, ela deu um leve beijo nas bochechas de sua mãe e saiu correndo em direção à garagem. Entrou em seu carro, deu a marcha e saiu em disparada pelas ruas, rumo à Pátras.

Assim que chegou; Nikos a cumprimentou com um olhar cansado, e observou a seguir. 

— Pela expressão de seu rosto, vejo que também não dormiu bem.        

     

— Qual de nós poderia ter uma boa noite de sono depois da “tempestade” de ontem?

— Você está certa, nossa insônia é compreensível. — Ele disse mais aliviado e completou mandão — Me prometa que não deixará a situação “Leandro” atrapalhar seu desempenho. Da minha parte farei o mesmo. 

— É claro meu irmão. — Ela levantou a mão como se fizesse um juramento e acrescentou. — Nada vai abalar meu trabalho e meu compromisso com as pessoas. 

Ela deu-lhe um sorriso ladino e um beijo no rosto que o deixou levemente corado: pelo jeito aquela foi a maneira educada que ele encontrou para dizer-lhe que ela estava horrível.

Nikos e Íris eram muito apegados um ao outro: ele era o irmão em que ela podia contar. Mesmo amando muito todos os seus outros irmãos — inclusive o insensato Leandro —, ela não podia negar que tinha uma afeição especial por Nikos e por Cassandra, sua irmã gêmea.              

Seu pai ficou viúvo muito jovem e quando Dominique se casou com Konstantinos, ele já tinha três filhos — os gêmeos Michaelis e Nikos que tinham na época 4 anos, e Catarina, 2 anos. Sua mãe os criou como se fossem seus, e nunca fez distinção entre seus filhos legítimos e os enteados.  

— Íris, o seu plantão será na Ala Leste. — Nikos a despertou de seus devaneios com o anúncio. 

Fazendo uma careta engraçada, ele perguntou acanhado. 

— Você tem alguma objeção?         

— Claro que não! — Ela respondeu tranquilamente e se dirigiu ao setor de trabalho, designado.    

O Hospital Santo André era considerado um dos melhores de Pátras. Quando Nikos assumiu a direção do hospital fez algumas mudanças administrativas e entre elas, a criação de uma ala destinada ao atendimento exclusivo de convênios: era conhecida como a famosa “ala do povão”, por seus colegas de trabalho e normalmente, nenhum dos membros da alta direção era destinados a atuar lá.   

Ela já passou alguns dias auxiliando os jovens médicos neurologistas daquela ala, contudo foram apenas alguns casos específicos que precisavam da vistoria dela. Íris não tinha objeção em atender lá, apesar de sócia do hospital não se considerava melhor que os outros.    

— Dra. Varvakis! — A recepcionista levantou-se surpresa e perguntou preocupada. — Algum problema com meu atendimento? 

Como era raro para ela entrar naquela ala, os funcionários logo pensavam tratar-se de demissão ou interdição. 

A fim de acalma-la, disse. 

— Seu atendimento continua excelente; mostre essa mesma receptividade com os demais. 

— Sim, Dra. Varvakis.       

Antes que pudesse entrar em uma das salas de neurologia, um de seus colegas saudou-a. 

— A quem devemos a honra de sua ilustre presença em nossa humildade ala? — Lucas a questionou brincalhão fazendo uma reverência exagerada.       

A reação dela foi um sorriso descontraído. Lucas tinha um humor incrível, uma espontaneidade contagiante e uma energia positiva que impregnava a todos que estavam em sua volta. Ele tinha uma presença marcante. 

— Trabalho meu querido! — Disse ainda rindo dos gestos medievais que ele fazia. 

— Então prepare-se querida Varvakis, que agora você vai descobrir o significado da palavra “trabalho”.

— Se sua intenção é fazer-me desistir do seu setor de trabalho, devo admitir que você está quase conseguindo. 

— Como os pomposos franceses dizem: bienvenue ma dame.

A resposta bem-humorada de Lucas veio acompanhada de um sorriso brejeiro e um piscar de olhos atraente. Ela deu-lhe um abanar de mãos e entrou em seu próprio consultório.     

A medida que ia vencendo as horas, as palavras de Lucas iam tomando forma. Desde que ela entrou no consultório era um atendimento atrás do outro. Agora entendia a resistência de alguns médicos em atender naquela ala: muito trabalho, pouco descanso. 

Como a tarde prometia ser tão agitada quanto a manhã; por volta das treze horas, ela tirou um pequeno intervalo para um almoço rápido e retornou a seguir para cumprir o restante de seu turno. 

De volta ao consultório, deparou-se com um belo homem observando-a atentamente. Naquele momento ela quase esqueceu como se andava e seus passos diminuíam consideravelmente a medida que aproximava-se do desconhecido: ela detestava quem a olhava daquela forma e por um momento sentiu-se nua. 

Nada satisfeita com a persistência dele e com o palpitar de seu coração rebelde; ela olhou diretamente para os olhos violetas que a encaravam e viu neles um mar de admiração.

“Que petulância!” Pensou com o rosto em chamas. “Tinha que ser um conveniado.”       

Mesmo contrariando sua vontade de expulsá-lo, ela deteve-se um pouco mais no homem a sua frente. Ele trajava roupas simples e baratas, porém limpas, e apesar da simplicidade com que se apresentava, havia certa elegância em seus modos, o que indicava que ele fora bem instruído.        

De cabeça erguida, entrou no consultório com o prontuário da paciente em mãos, na qual provavelmente, tratava-se da filha dele. 

Não passaram-se nem dois minutos e Zoe foi chamada para a consulta.

Um tanto seca, ordenou.

— Sente-se.

Antes que ele pudesse dizer algo ela disse, séria. 

— Dê-me um minuto, por favor, enquanto analiso o caso de Zoe, em silêncio.

Mesmo detestando a maneira grosseria com que ela o recebeu; Alexandro se viu sentado em frente à bela, arrogante e mal-educada, Dra. Íris Alessandros Varvakis, que hoje, seria a pessoa a consultar Zoe. 

A postura dela despertou certa revolta nele. O fato de ela vir de uma das famílias mais ricas e tradicionais de Pátras, não lhe dava o direito de tratá-lo com indiferença, como se ele e sua filhinha não fossem nada além de estorvos. Ele só esperava que ela fosse tão eficiente quanto era arrogante.        

Enquanto ela verificava o prontuário de sua filha, Alexandro aproveitou para analisá-la melhor. Ela era uma mulher belíssima e muito elegante. Aliás, o que faltava em educação; sobrava em elegância.        

Indiferente a análise de Alexandro em relação a ela; Íris analisou detalhadamente o prontuário da paciente. O quadro clínico da criança era de epilepsia e pelo grau de agitação em que ela se encontrava era bem provável que a medicação não estivesse surtindo o efeito desejado. Ela percebeu que a criança batia no peito do pai por diversas vezes e isso era forte indico que não estava dormindo regularmente.         

Olhando para o pai da paciente, perguntou: — Zoe, tem dormido normalmente?  

— Não. — Alexandro falou melancólico e completou.

— Há meses não sabemos o que é dormir direito.      

— Sua esposa apresentou alguma complicação na hora do parto? — Íris indagou e só depois percebeu uma sombra de tristeza nos olhos dele.        

Cabisbaixo, respondeu.         

— Sim. — Ele respondeu emocionado e continuou. — Os últimos três meses de gestação foram difíceis: hipertensão, depressão, convulsões e por fim... — Profundamente abalado acrescentou. — Minha esposa não resistiu e faleceu. 

Aquela revelação quebrou momentaneamente a resistência dela, e Íris olhou comovida para aquele homem a sua frente. Era impressionante que em pleno século XXI, com a medicina muito avançada, casos assim ainda acontecessem. A ciência evoluiu, mas alguns métodos precisam evoluir juntos.        

Íris olhou para aquela criança tão pequena e órfão, e lembrou-se dos sobrinhos bastardos. Pelo menos seus sobrinhos tiveram a chance de conviver com a mãe, mesmo que por pouco tempo, e aquela linda criança não tivera a mesma sorte.     

Extremamente abalada, ela examinou minuciosamente a paciente. Os primeiros dentinhos já começavam a despontar, peso e altura estavam proporcionais a sua idade e os reflexos motores eram bons.   

— Pronto, bonequinha! — Ela falou apertando as bochechas rosadas de Zoe e entregou a Alexandro. Séria, falou. — Pode arrumá-la.         

Enquanto Alexandro recolocava as roupas de sua filha, Íris prescreveu uma nova medicação.         

Ela explicou-lhe passo a passo como administrá-lo e o resultado esperado de cada remédio.        

— Obrigado! — Alexandro agradeceu com a mão estendida. Como ela não apertou, ele a deixou cair. Levantando-se, saiu do consultório.         

No elevador, ele olhou para sua imagem refletida no espelho e só então deu-se conta de que trajava roupas simples. Não era à toa que a arrogante doutora o olhara com indiferença e se recusara a pegar em sua mão. Ele estava parecendo mais um mendigo do que propriamente um engenheiro naval.

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