Íris estava exausta quando seu turno chegou ao fim. Aquele dia foi definitivamente corrido e cheio de contratempos e seria muita sorte se conseguisse chegar a tempo para o jantar em família que seus pais faziam questão de manter todos os finais de semana — era uma tradição sagrada.
Temendo chegar mais atrasada do que o habitual, ela dirigiu-se apressadamente para o estacionamento.
Seu pai provavelmente ficaria chateado com a demora dela, mas o atraso de Íris era perfeitamente justificável: ela era médica e uma emergência de última hora a prendeu por mais tempo no hospital.Como médica, ela sabia que sua vocação exigia sacrifícios, porém isso era o de menos frente a sua grande paixão.
A medicina sempre foi o maior dos sonhos dela, e para conseguir realizá-lo, ela teve que abrir mão de muita coisa: inclusive de si própria. Íris aprendeu na prática que sua carreira requer muita dedicação e muita renúncia, porém ela não se arrependeu das escolhas que fez. Aos vinte e cinco anos, ela já era considerada entre os colegas de profissão, como uma das melhores neurologistas do Hospital Santo André. Mas não foi fácil chegar aonde chegou. Íris teve que batalhar e brigar muito para conseguir seu espaço.
Por ser mulher, encontrou muita resistência no início da carreira. A aceitação no entanto veio aos poucos. Cada pequeno caso isolado que pegava era uma alavanca para seu reconhecimento. Tanto batalhou que, após dois anos, ela tornou-se a médica mais requisitada e bem-sucedida do hospital.
Apesar do dia fatigante, a noite estava agradável e ela pôde desfrutar aquele clima ameno de primavera durante seu percurso para casa.
A lua brilhante em meio a um céu estrelado parecia acompanhá-la até em casa e isso deu-lhe uma incrível sensação de que, se quisesse, poderia alcançá-la.
A medida que se afastava de Pátras, a brisa fria e leve trazia o perfume das flores e das oliveiras, transformando-o em um doce e suave aroma de azeite. Mais adiante, pequenos vilarejos de casa, com suas cercas brancas, entrecortavam a paisagem exótica e compunham o mais belo e fiel retrato de Pátras.Depois de mais uma curva fechada, Íris avistou a Vila Varvakis: a mansão fora construída no alto de uma colina e de lá se tinha uma visão privilegiada da cidade, do porto e do mar.
Assim que Íris adentrou os portões que delimitavam as propriedades de sua família, ela diminuiu a marcha e pegou a estradinha de pedras brancas, que cortava o gramado e a conduzia diretamente ao interior da vila. Após outra curva, a mansão se projetou a sua frente com todo o seu esplendor.
Após estacionar o carro, ela e se dirigiu aos degraus de pedras que levavam a pesada porta de carvalho. Entrou, cumprimentou rapidamente a família e subiu diretamente para seu quarto.
Assim que ela abriu a porta de seus aposentos, não demorou muito para sua irmã gêmea ir ao encontro dela. Quando Íris saiu do banho, viu no braço de Cassandra, um vestido longo de chiffon verde, drapeado no busto.
— Vista esse e apresse-se! O papai não está hoje em seus melhores dias. — Disse enquanto repassava o vestido para a sua irmã.
— Quando foi que ele teve dias melhores? Desde que entendo-me por gente, o papai é desse jeito. — Observou sem esperar resposta de sua irmã.
— Nunca! Só que hoje ele está pior que os outros dias.
— O que foi que aconteceu dessa vez para deixá-lo aborrecido? — Íris perguntou enquanto maquiava-se.
— Não faço a menor ideia. Como sempre ele fez questão de nos manter na ignorância. — Respondeu e opinou. — Tenho impressão de que é algo relacionado a Leandro: desde cedo que eles estão se confrontando... Para você ter uma ideia, a mamãe foi obrigada a chamar o Michaelis para acalmar os ânimos dos dois.
— Isso não é nada bom. — Observou desanimada. — Eu só espero que essa briga deles não nos afete. — Completou entediada. — Você sabe tão bem quanto eu que todas às vezes que o Leandro aprontou, acabou sobrando para uma de nós.
— Você quer dizer para você não é, maninha! — Pensativa refletiu. — Dá última vez, papai a culpou pelos fracassos da família.
— Por um momento cheguei a concordar com ele, mais papai estava errado.
— Claro que estava! Leandro era o problema: você foi apenas a filha respondona e malcriada.
— Meus argumentos estavam certos. Papai que tapou os ouvidos para a realidade como um brinco.
— Você o confrontou Íris. Em partes, também teve culpa.
Cassandra a corrigiu enquanto dava os últimos retoques na maquiagem de sua irmã gêmea. Íris era deveras rebelde e essa rebeldia não era bem vista pelo pai delas, de maneira que era sempre ela que levava a pior quando tentava confrontá-lo. Todas as causas impossíveis que os irmãos aprontavam respingavam diretamente nela.
Ao contrário de Íris, Cassandra era doce, submissa e quase nunca se rebelava contra as vontades de Konstantinos — talvez por isso fosse mais fácil conseguir as coisas com ele, através do diálogo e obediência.
Ainda preocupada com o clima tenso que rondava a casa, Cassandra a aconselhou.
— Por favor, não vá se meter em confusão dessa vez... Seja lá o que aconteceu, o problema é do Leandro e não seu.
Antes que Íris tivesse tempo de defender-se, o celular de Cassandra vibrou. Depois de ler a mensagem, ela disse apressada.
— Vista-se rápido. O papai já está impaciente com a sua demora.
Íris vestiu-se rapidamente: calçou sandálias confortáveis e, como acessórios, usou gargantilha, pulseira e brincos de ametista.
Antes de sair do quarto, ela contemplou sua imagem refletida no espelho. Ela era uma mulher muito bonita: alta, cabelos lisos e longos — de um castanho claro dourado intenso —, olhos cinzas e pernas torneadas. Íris puxava levemente uma perna, consequência de um acidente de barco ocorrido há alguns anos atrás. No momento do acidente uma tempestade se apossou do barco e o impacto que sofrera foi muito violento; deixando-a manca e seu pai em uma cadeira de rodas.
Ela deixou o quarto, pensativa e desceu as escadas. O que era mais estranho para ela; era que por alguma razão, aquelas lembranças dolorosas estavam adormecidas em seu subconsciente. Por mais que tentasse, não conseguia lembrar com clareza o que realmente aconteceu naquele dia. Ela não tinha nada concreto em sua mente, e as pequenas lembranças que por hora vagavam, resumia-se apenas há alguns fragmentos daquela noite fatídica.
Assim que ela entrou no hall, encontrou todos impacientes a sua espera. Konstantinos visivelmente mal-humorado a repreendeu.— Como sempre você está atrasada!
Seguindo o conselho de sua irmã, ela desculpou-se cabisbaixa. Seria loucura tentar Justificar-se diante da cara de poucos amigos de seu pai.
Konstantinos Varvakis era um homem duro, principalmente com ela, que era considerada a rebelde da família. Sua mãe, Dominique Varvakis, ao contrário do marido era bastante tranquila, mas naquela noite Íris notou certa inquietação em seu olhar.
Tentar entender o que estava se passando em sua família seria perda de tempo. A única coisa que restava era esperar a “boa vontade” de seu pai em colocar a família a parte sobre o assunto que tanto o incomodava.
Diante dessa forte evidência, todos se dirigiram silenciosamente para a sala de jantar.
A refeição foi servida no mais absoluto silêncio e o único barulho que se ouvia era a dos talheres. Apreensiva, ela olhou de esguelha para seu pai e notou uma ruga de preocupação em seu rosto. Era óbvio que algo muito grave estava acontecendo; só restava-lhe saber o quê?
Aparentemente todos estavam tensos e até mesmos sua meia irmã Catarina, que adorava monopolizar a conversa e ser o centro das atenções, estava quieta.
Mesmo sabendo que provavelmente atraísse a fúria de seu pai para si, Íris não conteve mais aquele clima pesado, e ousou perguntar.— Papai, o que está acontecendo?
Como resposta, ela obteve o silêncio e a certeza de que, pela expressão de todos, seja qual fosse o problema, era sério.
Um jantar nunca pareceu tão longo para ela como aquele e, depois de intermináveis minutos de apreensão, seu pai quebrou o silêncio e comunicou-lhes.
— Depois do jantar nos reuniremos em meu escritório para pôr a parte o que aflige nossa família.
— Papai, o que...
— Chega! Será que pelo menos uma vez na vida você pode comportar-se igual as suas irmãs?
Konstantinos a interrompeu bruscamente, indignado com a insistência de Íris.
— Dê-me um bom motivo para agir igual a elas? — Ela o questionou para desapontamento de seu pai.
As narinas dilatadas de Konstantinos e o olhar de apreensão de sua mãe era um sinal velado para ela calar-se.
Como aquela noite por si só já estava atribulada, ela achou mais conveniente ficar quieta e concentrou-se na refeição. Pelo jeito como seu pai reagiu, ele não estava disposto a manter um diálogo civilizado com ela.
A grosseria de seu pai não tinha limite quanto tratava-se dela e para evitar mais aborrecimentos, ela engoliu sua indignação entre uma taça de vinho e outra.Ainda revoltada com o modo resoluto que ele a interpelou, ela o observou discretamente. Konstantinos era um homem atraente, apesar de seus sessenta anos. De cabelos grisalhos e olhos escuros, ele emanava uma vitalidade surpreendente e nem mesmo o acidente que sofrera anos atrás tirou-lhe o vigor: pai, avó e marido dedicado, somavam as características que distinguiam-no de tantos outros. Ele era o tipo de pai que fazia de tudo pelo bom nome da família. Mesmo diante de tanto vigor, uma parte dele fora perdida no dia do acidente, e ele passou de um homem alegre e amável para um senhor mal-humorado e ranzinza. Lembra-se daquele acidente acionava memórias dolorosas de um dia de horror, onde ambos, quase perderam a vida. Nostálgica, ela decidiu afogar as lembranças assombrosas no vinho tinto que bebericava.Para Íris aquele jantar p
Íris acordou pela manhã com o som insistente do despertador buzinando em seus ouvidos. Embora quisesse aproveitar um pouco mais do calor de seu cobertor, ela não podia, pois tinha suas responsabilidades como médica. Mais que depressa, pulou da cama e correu para o banheiro. Ao sair do banho pegou a primeira roupa que viu pela frente e vestiu-se. Seu traje era simples: uma camisa branca de algodão e calça pantalona de alfaiataria. Como ainda tinha alguns minutos a seu favor, maquiou-se rapidamente e desceu apressada para o café da manhã. Assim que chegou ao terraço o encontrou vazio, e pelo silêncio da casa, ela tinha quase certeza de que todos ainda estavam na cama. Íris fez a refeição sozinha e quando preparava-se para sair, seus pais apareceram de supetão. Sua mãe a cumprimentou sonolenta, enquanto acomodava-se ao lado de seu esposo. — Bom dia! — Respondeu sorrindo para sua mãe ainda aturdida e acrescentou. — Desejo um ótimo desjejum para os dois. Konstantinos, no entanto,
Alexandro saiu do hospital pensativo. O encontro com a bela Dra. Íris mexeu demasiadamente com suas emoções e isso o estava incomodando. Depois de Ágata, nunca sentira uma atração tão forte por alguém como a que estava sentindo naquele momento pela senhorita antipatia. Em seu íntimo ele sentia-se culpado por está pensando em outra mulher já que sua viuvez ainda era muito recente. Por outro lado, o relacionamento dele com Ágata nunca foi dos melhores, e depois do nascimento de Damon — o primeiro filho deles — o casamento foi de mal a pior e o que já era morno, esfriou de vez. Zoe — segundo sua esposa —, foi um acidente de percurso e depois desse dia, ela afastou-se definitivamente dele. Ágata não queria nenhum tipo de contado físico, nem com ele nem com Zoe. Para os que os conheciam; eles pareciam ser o casal mais perfeito e harmonioso do mundo, porém por trás das cortinas, a história era bem diferente: eles viviam como se fossem dois estranhos: ela tentando adaptar-se com a presenç
O cansaço de um dia longo de trabalho e a insônia da noite anterior estava refletindo diretamente em Íris e ela chegou em casa no final de seu expediente, aos cacos.Saber que ainda teria que enfrentar um jantar longo pela frente só aumentava a indisposição dela, contudo não teria como fugir dele: o segundo ato do espetáculo “Leandro” iria dar continuidade a uma nova onda de desconfiança e decepção, e como membro da família, ela não tinha como ficar de fora dessa cena.Disposta ou não, Íris arrumou-se com capricho: suas irmãs e suas cunhadas eram muito elegantes e ela teria que se apresentar à altura, embora a ocasião não fosse favorável.Jogando seu desânimo no fundo de um baú, ela desceu um lance de escadas e em pouco tempo se encontrava no hall. O olhar analítico de Catarina e Thais — esposa de Nikos —, sobre ela era sinal que Íris tinha sido feliz na escolha do traje. Catarina, diante da elegância da gêmea caçula, esboçou um sorriso forçado e a elogiou a contragosto. — Finalment
Mesmo diante do acontecido da noite anterior, Íris não poderia ter tido uma noite de sono tão agradável, como a que teve. Ela acordou bem-disposta e determinada, e nada ou ninguém ia estragar o seu dia: isso se ela fosse mais rápida que seu pai e saísse antes que ele a visse.Como nenhum dinheiro do mundo era capaz de comprar a paz de espírito dela; Íris se apressou e correu para tomar banho. Depois da ducha relaxante, ela arrumou-se apressada, saiu sorrateiramente da mansão e pegou a estrada que a levaria para o hospital: seu desjejum, ela deixaria para fazer em uma confeitaria próxima ao Hospital Santo André.A passagem dela pela confeitaria não demorou muito e isso deu a ela, alguns minutos a seu favor: ela pretendia, então, usar o tempo livre que ainda lhe restava para sondar Nikos a respeito do que ficou decidido na reunião de família. Assim que entrou no hospital se dirigiu a recepção e perguntou ansiosa.— O doutor Nikos já chegou?— Sim, e está bem atrás de você. — Nikos resp
Passaram-se uma semana e nada de Alexandro esquecer o encontro que tivera com Íris Varvakis. Desde a primeira vez que a vira, não conseguia tirá-la do pensamento: ela povoava sua mente dia e noite. Os sonhos que perdia ao dormir, agora eram nítidos à imagem curvilínea dela. Em alguns momentos, ele se sentia um tonto por permitir que seus pensamentos fossem ludibriados por sua falta de senso; somente mesmo um desavisado como ele para acreditar que algum dia ela o olharia diferente. Íris era a filha do dono do estaleiro, e ele, um simples engenheiro naval. Eles viviam em mundos diferentes, e era mais fácil ele conseguir pegar o sol com as mãos, do que fazer com que ela o olhasse: Íris era inalcançável para ele.Perdido em meio a tantos desatinos negativos, ele não percebeu a aproximação de Irini Petrakis, secretária de Dionísio Andreas. — Sr. Lykaios, o senhor Andreas o espera na sala de reuniões. — A secretária o avisou e observou em tom de reprimenda. — Estou há horas ligand
Revolta não era exatamente a palavra certa para definir o estado atual de Alexandro ao deixar a sala de reuniões; ele estava possesso de raiva. Seus filhos não eram brinquedos para serem jogados em um tabuleiro de xadrez e conduzidos de forma desumana à boa vontade de um velho medíocre com desejos de ser vovô. Konstantinos não tinha tino para conduzir nada além da empresa. Mesmo sabendo que relutar contra os desatinos daquele homem poderoso, seria perda de tempo, Alexandro não estava disposto a se deixar ludibriar e nem se curvar aos desmandos dele. Ele não iria permitir que aquela raposa velha lhe passasse a perna, e na hora certa, Konstantinos Varvakis teria uma grande e desagradável surpresa.Deixar a sala de reuniões para trás foi fácil, o difícil mesmo seria conseguir dar continuidade ao trabalho com aquele peso imenso nas costas. Ele não era o tipo de homem que levava problema para o trabalho, no entanto, o grande contraste era que o problema que estava enfrentando estava intri
— O quê? Casar?! — Íris gritou desnorteada. — O senhor não pode está falando sério!O choque diante das palavras de seu pai era visível no rosto tenso dela, e um leve tremor era perceptível na sua voz ao se contrapor a proposta de Konstantinos. De todas as possíveis insanidades de seu pai, aquela com certeza não fazia parte delas. Seu pai não poderia estar levando o contrato de Michaels a sério. Ela jamais se submeteria a um casamento forçado só para reparar um erro que nunca fora dela.A expressão de incredulidade de Íris era uma forte evidência que ela ainda não tinha-se dado conta que o casamento, no momento, ainda era a melhor solução para os problemas de sua família. Diante dessa quase relutância em aceitar os fatos, Konstantinos disse resoluto. — Não estou falando nenhum disparate. Você sabe tão bem quanto eu, que aqui na Grécia, muitos casamentos ainda são arranjados.— Não na nossa família. — O lembrou consternada. Refeita do impacto inicial das palavras de seu pai, disse cau