Armadilhas do Destino
Armadilhas do Destino
Por: Melissa Guedes
Capítulo 1

Íris estava exausta quando seu turno chegou ao fim. Aquele dia foi definitivamente corrido e cheio de contratempos e seria muita sorte se conseguisse chegar a tempo para o jantar em família que seus pais faziam questão de manter todos os finais de semana — era uma tradição sagrada.

Temendo chegar mais atrasada do que o habitual, ela dirigiu-se apressadamente para o estacionamento. 

Seu pai provavelmente ficaria chateado com a demora dela, mas o atraso de Íris era perfeitamente justificável: ela era médica e uma emergência de última hora a prendeu por mais tempo no hospital.Como médica, ela sabia que sua vocação exigia sacrifícios, porém isso era o de menos frente a sua grande paixão.

A medicina sempre foi o maior dos sonhos dela, e para conseguir realizá-lo, ela teve que abrir mão de muita coisa: inclusive de si própria. Íris aprendeu na prática que sua carreira requer muita dedicação e muita renúncia, porém ela não se arrependeu das escolhas que fez. Aos vinte e cinco anos, ela já era considerada entre os colegas de profissão, como uma das melhores neurologistas do Hospital Santo André. Mas não foi fácil chegar aonde chegou. Íris teve que batalhar e brigar muito para conseguir seu espaço.                                                               

Por ser mulher, encontrou muita resistência no início da carreira. A aceitação no entanto veio aos poucos. Cada pequeno caso isolado que pegava era uma alavanca para seu reconhecimento. Tanto batalhou que, após dois anos, ela tornou-se a médica mais requisitada e bem-sucedida do hospital.

Apesar do dia fatigante, a noite estava agradável e ela pôde desfrutar aquele clima ameno de primavera durante seu percurso para casa.

A lua brilhante em meio a um céu estrelado parecia acompanhá-la até em casa e isso deu-lhe uma incrível sensação de que, se quisesse, poderia alcançá-la.                                                                                                                            

A medida que se afastava de Pátras, a brisa fria e leve trazia o perfume das flores e das oliveiras, transformando-o em um doce e suave aroma de azeite. Mais adiante, pequenos vilarejos de casa, com suas cercas brancas, entrecortavam a paisagem exótica e compunham o mais belo e fiel retrato de Pátras. 

Depois de mais uma curva fechada, Íris avistou a Vila Varvakis: a mansão fora construída no alto de uma colina e de lá se tinha uma visão privilegiada da cidade, do porto e do mar.      

Assim que Íris adentrou os portões que delimitavam as propriedades de sua família, ela diminuiu a marcha e pegou a estradinha de pedras brancas, que cortava o gramado e a conduzia diretamente ao interior da vila. Após outra curva, a mansão se projetou a sua frente com todo o seu esplendor.      

Após estacionar o carro, ela e se dirigiu aos degraus de pedras que levavam a pesada porta de carvalho. Entrou, cumprimentou rapidamente a família e subiu diretamente para seu quarto.

Assim que ela abriu a porta de seus aposentos, não demorou muito para sua irmã gêmea ir ao encontro dela. Quando Íris saiu do banho, viu no braço de Cassandra, um vestido longo de chiffon verde, drapeado no busto.

— Vista esse e apresse-se! O papai não está hoje em seus melhores dias. — Disse enquanto repassava o vestido para a sua irmã.

— Quando foi que ele teve dias melhores? Desde que entendo-me por gente, o papai é desse jeito. — Observou sem esperar resposta de sua irmã.

— Nunca! Só que hoje ele está pior que os outros dias.

— O que foi que aconteceu dessa vez para deixá-lo aborrecido? — Íris perguntou enquanto maquiava-se.

— Não faço a menor ideia. Como sempre ele fez questão de nos manter na ignorância. — Respondeu e opinou. — Tenho impressão de que é algo relacionado a Leandro: desde cedo que eles estão se confrontando... Para você ter uma ideia, a mamãe foi obrigada a chamar o Michaelis para acalmar os ânimos dos dois.

— Isso não é nada bom. — Observou desanimada. — Eu só espero que essa briga deles não nos afete. — Completou entediada. — Você sabe tão bem quanto eu que todas às vezes que o Leandro aprontou, acabou sobrando para uma de nós. 

— Você quer dizer para você não é, maninha! — Pensativa refletiu. — Dá última vez, papai a culpou pelos fracassos da família.

— Por um momento cheguei a concordar com ele, mais papai estava errado. 

— Claro que estava! Leandro era o problema: você foi apenas a filha respondona e malcriada.

— Meus argumentos estavam certos. Papai que tapou os ouvidos para a realidade como um brinco. 

— Você o confrontou Íris. Em partes, também teve culpa. 

Cassandra a corrigiu enquanto dava os últimos retoques na maquiagem de sua irmã gêmea. Íris era deveras rebelde e essa rebeldia não era bem vista pelo pai delas, de maneira que era sempre ela que levava a pior quando tentava confrontá-lo. Todas as causas impossíveis que os irmãos aprontavam respingavam diretamente nela.

Ao contrário de Íris, Cassandra era doce, submissa e quase nunca se rebelava contra as vontades de Konstantinos — talvez por isso fosse mais fácil conseguir as coisas com ele, através do diálogo e obediência. 

Ainda preocupada com o clima tenso que rondava a casa, Cassandra a aconselhou.

— Por favor, não vá se meter em confusão dessa vez... Seja lá o que aconteceu, o problema é do Leandro e não seu.

Antes que Íris tivesse tempo de defender-se, o celular de Cassandra vibrou. Depois de ler a mensagem, ela disse apressada. 

— Vista-se rápido. O papai já está impaciente com a sua demora.

Íris vestiu-se rapidamente: calçou sandálias confortáveis e, como acessórios, usou gargantilha, pulseira e brincos de ametista.

Antes de sair do quarto, ela contemplou sua imagem refletida no espelho. Ela era uma mulher muito bonita: alta, cabelos lisos e longos — de um castanho claro dourado intenso —, olhos cinzas e pernas torneadas. Íris puxava levemente uma perna, consequência de um acidente de barco ocorrido há alguns anos atrás. No momento do acidente uma tempestade se apossou do barco e o impacto que sofrera foi muito violento; deixando-a manca e seu pai em uma cadeira de rodas.       

Ela deixou o quarto, pensativa e desceu as escadas. O que era mais estranho para ela; era que por alguma razão, aquelas lembranças dolorosas estavam adormecidas em seu subconsciente. Por mais que tentasse, não conseguia lembrar com clareza o que realmente aconteceu naquele dia. Ela não tinha nada concreto em sua mente, e as pequenas lembranças que por hora vagavam, resumia-se apenas há alguns fragmentos daquela noite fatídica.                                                      

Assim que ela entrou no hall, encontrou todos impacientes a sua espera. Konstantinos visivelmente mal-humorado a repreendeu.      

— Como sempre você está atrasada! 

Seguindo o conselho de sua irmã, ela desculpou-se cabisbaixa. Seria loucura tentar Justificar-se diante da cara de poucos amigos de seu pai.       

Konstantinos Varvakis era um homem duro, principalmente com ela, que era considerada a rebelde da família. Sua mãe, Dominique Varvakis, ao contrário do marido era bastante tranquila, mas naquela noite Íris notou certa inquietação em seu olhar.        

Tentar entender o que estava se passando em sua família seria perda de tempo. A única coisa que restava era esperar a “boa vontade” de seu pai em colocar a família a parte sobre o assunto que tanto o incomodava.

Diante dessa forte evidência, todos se dirigiram silenciosamente para a sala de jantar.        

A refeição foi servida no mais absoluto silêncio e o único barulho que se ouvia era a dos talheres. Apreensiva, ela olhou de esguelha para seu pai e notou uma ruga de preocupação em seu rosto. Era óbvio que algo muito grave estava acontecendo; só restava-lhe saber o quê?      

Aparentemente todos estavam tensos e até mesmos sua meia irmã Catarina, que adorava monopolizar a conversa e ser o centro das atenções, estava quieta.        

Mesmo sabendo que provavelmente atraísse a fúria de seu pai para si, Íris não conteve mais aquele clima pesado, e ousou perguntar.        

— Papai, o que está acontecendo?                       

Como resposta, ela obteve o silêncio e a certeza de que, pela expressão de todos, seja qual fosse o problema, era sério.          

Um jantar nunca pareceu tão longo para ela como aquele e, depois de intermináveis minutos de apreensão, seu pai quebrou o silêncio e comunicou-lhes.        

— Depois do jantar nos reuniremos em meu escritório para pôr a parte o que aflige nossa família.       

— Papai, o que...        

— Chega! Será que pelo menos uma vez na vida você pode comportar-se igual as suas irmãs?

Konstantinos a interrompeu bruscamente, indignado com a insistência de Íris.

— Dê-me um bom motivo para agir igual a elas? — Ela o questionou para desapontamento de seu pai.    

As narinas dilatadas de Konstantinos e o olhar de apreensão de sua mãe era um sinal velado para ela calar-se.

Como aquela noite por si só já estava atribulada, ela achou mais conveniente ficar quieta e concentrou-se na refeição. Pelo jeito como seu pai reagiu, ele não estava disposto a manter um diálogo civilizado com ela.        

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