Se Cora estava dando sinais de vida, isso significava que a conexão entre ela e os sanguessugas havia se quebrado. O que era bom, pois, se não fosse assim, eles continuariam sendo seguidos para onde quer que fossem e Travor tinha lugares para ir.
Miranda injetara em Cora uma dose de morfina quando a dor pareceu forte demais para que ela pudesse suportar. Ao lado de Travor, Tony contorcia-se em seu assento, agitado, tentando ao máximo lidar com o incômodo de presenciar o sofrimento da amiga e não poder fazer nada. Era estranho que estivesse tão calado, esperava que ele procurasse expurgar parte dessa energia em palavras, mas ele mal abriu a boca desde que Cora emitiu os primeiros gemidos.
Travor, por sua vez, tinha facilidade em compartimentalizar as circunstâncias. Ele não estava bem. Na verdade, se parasse
— Então vai ser assim agora? – Miranda disse, quando se deu conta de que estava novamente na sala de Levi, a cobertura luxuosa cujo design ela não ajudara a construir, mas que era boa demais para reclamar. Aliás, a rapidez com que a dinâmica dentro do sistema mudou era igualmente boa demais para ser verdade e Miranda ressentia o quanto a raiva e a frustração que sentia dentro do peito pareciam ser injustificadas. — Quem é que decide o que acontece aqui dentro, por acaso?— Como é que eu vou saber?Miranda, que estivera olhando pela janela por todo esse tempo, estranhou a voz, que não soava nem um pouco com a do garoto que encontrara ali da última vez. Se virou e viu um rapaz sentado no chão, perto da única porta que havia na sala.
Levi terminou de entrar na sala e arrumou os óculos no rosto.— Esse é o tipo de hostilidade que eu espero do June e não de você, Miranda. – disse, colocando uma mão na cintura e apoiando o peso do corpo em uma perna. Por mais que ele quisesse que aqueles dois idiotas continuassem se comunicando, com palavras ou com tapas, não havia tempo.Ele aproveitou que Miranda praticamente desmaiou de cansaço pra forçar aquela interação entre eles. Mas alguma situação externa estendeu essa inconsciência e agora haviam pessoas abrindo os olhos deles e apontando a luz de lanternas para testar a dilatação das pupilas, esperando encontrar alguma resposta do sistema nervoso.A espécie de perturbaçã
Teve a impressão de ter acordado várias vezes.Ou de estar em um sonho dentro de outro sonho dentro de outro sonho.Sentia a cabeça pesada como chumbo e os pensamentos atordoados e nebulosos como algodão. Devia estar viva, mas nada fazia sentido. Imagens e sons desconexos iam e viam e, por mais que ela tentasse se prender a algo, não conseguia.Em algum momento, Cora teve vislumbres de rostos e sons se repetindo e, mesmo que nenhum desses elementos lhe fosse familiar, o padrão trazia-lhe certo conforto.Foi uma sede tremenda que a acordou. Um sentimento humano o suficiente para que ela se lembrasse de que ainda era alguém, de que ainda possuía um corpo e que estava viva.
A sombra ficou imóvel no canto da ambulância durante todo o percurso até o hospital, tanto que não demorou muito para que Tony começasse a duvidar de si mesmo e que aquilo não passava de uma alucinação.Talvez a sombra fosse só uma sombra. Mas nada era apenas alguma coisa nesse novo mundo que lhe deram a conhecer.Tony respondeu aos socorristas o melhor que pôde, mas o estresse e a ameaça que literalmente se avultava diante dele, tornava difícil a tarefa de prestar atenção ao que diziam ou faziam com ele.Foi admitido na emergência do hospital, confuso e com medo, perguntando por Cora e Miranda e sem receber nenhuma resposta clara
Não era para ter sido uma surpresa, mas Miranda ainda perdeu o fôlego quando pisou do lado de fora daquela sala e deu de cara com a praia. Sem elevadores ou escadas, foi direto da cobertura para a saída no térreo, o sol a pino esquentando sua pele e fazendo-a fechar os olhos.Como isso é possível?Caminhou pela calçada, sentindo bem a textura da areia trazida pelo vento no concreto sob os chinelos. Foi na direção do mar.Dali escutava apenas a natureza: o som do movimento e do bater das ondas, o dançar das palmeiras, o grito dos pássaros. Nada da poluição sonora humana que costumava acompanhar suas experiências na praia, ou seja, nada de música alta, comerciais
Não era surpresa para ninguém que desde sempre Tony acreditou no sobrenatural. A vida na terra não faria sentido pra ele se não existisse algo além, maior do que os olhos podiam ver, maior do que a banalidade do dia a dia.Era impossível que o depois da morte fosse o nada. Do ponto de vista de Tony, a forma como se vivia tinha que ter consequências, assim como a forma como se morria. Em sua obsessão por informações, relatos e provas de que fantasmas e demônios existiam – conteúdos geralmente duvidosos, ele admitia –, Tony percebeu um padrão de brutalidade e repentinidade nas razões pelas quais uma alma pode permanecer presa a esse plano.Lugares também eram um fator interessante. Prisões e hospitais abandonados, por exemplo, eram comun
Cora achou estranho ter acordado, comido sopa e gelatina de hospital e não ter escutado ainda nenhuma palavra vinda de Levi. Ele era um garoto extrovertido, tinha feito amizade com a equipe de enfermagem enquanto Cora ficava apagada por conta dos medicamentos e sabia se virar bem na base da lábia para conseguir o que queria com eles, considerando que não tinha um tostão furado pra chamar de seu.Ele chegou no quarto dela no meio da manhã, aproximou a cadeira para o lado da cama, sentou-se e se inclinou para frente com o rosto escondido no colchão. Cora, que lia uma revista de décadas atrás para passar o tempo, ficou observando e esperando.Eventualmente, ela cansou de esperar.— Qual é o seu problema? – perguntou, acertando as costas da
Virgínia se perdeu fácil naquelas lembranças. Algumas suas e algumas de outras vidas que ela não reconhecia.Apesar de ser agradecida por não carregar o pior dos traumas que o sistema tinha vivido, o coração de Virgínia se partia todas as vezes em que pensava no que tiveram que passar para se tornarem o que eram.Nessas horas, não podia evitar sentir um certo ódio pelo mundo e a maldade que habitava nele.Estava com uma moldura na mão, a paisagem de um lugar em que ela não se lembrava de ter estado, quando foi acometida por uma sensação estranha na boca do estômago, muito semelhante com um ataque súbito de ansiedade.Largou tudo e saiu da casa da pra