A sombra ficou imóvel no canto da ambulância durante todo o percurso até o hospital, tanto que não demorou muito para que Tony começasse a duvidar de si mesmo e que aquilo não passava de uma alucinação.
Talvez a sombra fosse só uma sombra. Mas nada era apenas alguma coisa nesse novo mundo que lhe deram a conhecer.
Tony respondeu aos socorristas o melhor que pôde, mas o estresse e a ameaça que literalmente se avultava diante dele, tornava difícil a tarefa de prestar atenção ao que diziam ou faziam com ele.
Foi admitido na emergência do hospital, confuso e com medo, perguntando por Cora e Miranda e sem receber nenhuma resposta clara
Não era para ter sido uma surpresa, mas Miranda ainda perdeu o fôlego quando pisou do lado de fora daquela sala e deu de cara com a praia. Sem elevadores ou escadas, foi direto da cobertura para a saída no térreo, o sol a pino esquentando sua pele e fazendo-a fechar os olhos.Como isso é possível?Caminhou pela calçada, sentindo bem a textura da areia trazida pelo vento no concreto sob os chinelos. Foi na direção do mar.Dali escutava apenas a natureza: o som do movimento e do bater das ondas, o dançar das palmeiras, o grito dos pássaros. Nada da poluição sonora humana que costumava acompanhar suas experiências na praia, ou seja, nada de música alta, comerciais
Não era surpresa para ninguém que desde sempre Tony acreditou no sobrenatural. A vida na terra não faria sentido pra ele se não existisse algo além, maior do que os olhos podiam ver, maior do que a banalidade do dia a dia.Era impossível que o depois da morte fosse o nada. Do ponto de vista de Tony, a forma como se vivia tinha que ter consequências, assim como a forma como se morria. Em sua obsessão por informações, relatos e provas de que fantasmas e demônios existiam – conteúdos geralmente duvidosos, ele admitia –, Tony percebeu um padrão de brutalidade e repentinidade nas razões pelas quais uma alma pode permanecer presa a esse plano.Lugares também eram um fator interessante. Prisões e hospitais abandonados, por exemplo, eram comun
Cora achou estranho ter acordado, comido sopa e gelatina de hospital e não ter escutado ainda nenhuma palavra vinda de Levi. Ele era um garoto extrovertido, tinha feito amizade com a equipe de enfermagem enquanto Cora ficava apagada por conta dos medicamentos e sabia se virar bem na base da lábia para conseguir o que queria com eles, considerando que não tinha um tostão furado pra chamar de seu.Ele chegou no quarto dela no meio da manhã, aproximou a cadeira para o lado da cama, sentou-se e se inclinou para frente com o rosto escondido no colchão. Cora, que lia uma revista de décadas atrás para passar o tempo, ficou observando e esperando.Eventualmente, ela cansou de esperar.— Qual é o seu problema? – perguntou, acertando as costas da
Virgínia se perdeu fácil naquelas lembranças. Algumas suas e algumas de outras vidas que ela não reconhecia.Apesar de ser agradecida por não carregar o pior dos traumas que o sistema tinha vivido, o coração de Virgínia se partia todas as vezes em que pensava no que tiveram que passar para se tornarem o que eram.Nessas horas, não podia evitar sentir um certo ódio pelo mundo e a maldade que habitava nele.Estava com uma moldura na mão, a paisagem de um lugar em que ela não se lembrava de ter estado, quando foi acometida por uma sensação estranha na boca do estômago, muito semelhante com um ataque súbito de ansiedade.Largou tudo e saiu da casa da pra
Assim que o ônibus atravessou os limites para a cidade natal de Vince, Travor sentiu que havia algo de muito errado naquele lugar. O ar era úmido e frio, provocando um efeito pegajoso e desagradável, como se vestir um agasalho fosse sufocante e abafado contra a pele, mas impossível de ser evitado por conta da temperatura.Ao entrar na zona habitada, Travor não teve dúvidas de que o problema era muito maior do que ele tinha imaginado. Não havia vida no andar daquelas pessoas, tudo ali parecia antigo e parado no tempo, um ponto morto no mapa disfarçado de normalidade.Travor foi o único a descer no ponto final e o motorista se adiantou em ir embora logo e fazer seu caminho de volta, não antes de lançar um olhar preocupado para aquele jovem de estilo tão estranho que escolhia
O processo de caminhar de um lado para o outro com impaciência era diferente para Cora agora. Era cansativo e seu corpo doía onde seus músculos compensavam pelo que faltava e seu cérebro estava exausto de procurar pelas melhores formas de conciliar os movimentos com esses dois membros artificiais novos.Cora entendia que era isso o que as muletas seriam para ela dali pra frente: indispensáveis.Ela não planejava permitir que sua deficiência física a impedisse de fazer o que precisava ser feito. Sua agitação nesse sentido era tanta, tendo que esperar enquanto outra pessoa resolvia os problemas, que Cora desistira de tentar manter qualquer aparência de controle sobre sua ansiedade.Além disso, Cora não queria admitir, mas parte de
Havia um pub e esse pub estava rodeado de corvos.Cora revirou os olhos para a cena e não pensou duas vezes antes de entrar, sabia quem veria lá dentro e, se ela queria ter alguma notícia dos idiotas que se dispuseram a quebrar a maldição e desapareceram, ele poderia servir pra alguma coisa.O bar estava praticamente vazio, exceto por duas pessoas que conversavam no balcão. Não haviam nem mesmo pessoas trabalhando por ali.Os cabelos loiros, corpo musculoso e roupas de couro que Cora esperava ver pertenciam a uma dessas pessoas. Como era mesmo o nome dele? Tentou se lembrar, mas era como se tivessem passado anos desde que tiveram contato e este fora tão rápido que ela
Dorothy, como Travor veio a descobrir durante o percurso, era uma lenhadora e morava em uma casa afastada, quase nos limites da cidade, o que explicava sua aparência robusta e, talvez, o fato de que ainda existia nela algum traço de curiosidade, a ponto de fazê-la abordá-lo no café. Algo que nenhum dos outros cidadãos teve o ímpeto de fazer.Travor podia ver que ela entendia o quanto era importante pra ele investigar o paradeiro de Vince, mas o medo e a inquietação que os eventos que ocorreram naqueles lugares específicos (a cabana e a casa onde a família Levit se desfez) faziam com que Dorothy não parasse de resmungar o quão estúpido e insensato ele era por querer se embrenhar no mato, sozinho, onde nem os animais iam mais.Quando se separaram, ela o deixou, como pr