June se sentia okay em lidar com um homem tendo uma crise psicótica. Vince aparentava delirar e ter alucinações com todas aquelas cenas que narrara a eles. Ele precisava de ajuda profissional e não de um cara com uma chave de roda na mão e uma mulher com uma arma pendurada no ombro.
Subiram atrás dele até o segundo andar, e ali o ar era quase irrespirável. Cheiro de poeira, mofo e restos de coisas em decomposição, fora o que ele não conseguia identificar, tudo abafado. June fez uma nota mental de abrir a primeira janela que tivesse acesso.
No final do corredor havia uma porta entreaberta, o quarto que tinha a luz acesa do lado de fora. Vince terminou de abri-la da mesma forma como fez com a porta de entrada, com polidez e teatralidade.
Ser usado como sacrifício para um ritual de ressuscitação não era como Travor havia se imaginado partindo desse mundo, mas parecia que era isso mesmo o que ia acontecer.Os olhos de Vince eram uma mistura impossível de determinação e frieza. A falta de reconhecimento em seu olhar era um conforto para Travor, seria muito pior se ele estivesse agindo dessa maneira com plena consciência de quem era o cordeiro que levava para o abate.Sentiu lágrimas escorrendo de seus olhos ao mesmo tempo em que o líquido morno vazava do corte em seu pescoço.No começo, com o susto, ele mal sentiu a lâmina penetrar sua pele, mas logo a dor foi grande demais para ser ignorada. Profunda.Vince, desde que
Levi trocou uma ideia com o tal do sem rosto – que, por sinal, não se chamava Silas. Aliás, não tinha nome nenhum, estava tão desvanecido desse mundo, que não lhe restavam memórias ou identidade, apenas uma forma – e decidiu que poderiam existir entre eles uma espécie de sociedade benéfica para todas as partes.Há muito haviam prometido a esse sem rosto que garantir que o ritual fosse finalizado seria sua passagem para o outro lado. Ficaria livre de sua sina de vagar pela terra até desaparecer por completo.Era triste descobrir que era isso o que acontecia com as almas que morriam com solitárias e sem vínculo com o mundo. Sim. Pessoas desconectadas com o plano terreno, sem ter quem se importasse com elas ou sem deixar suas marcas em vida, se tornavam esses seres ambu
Vince acordou grogue, com a cabeça pesada e a língua como se fosse uma bola de algodão preenchendo sua boca. Havia sido despertado por um pesadelo. Não aquele em que sua mãe o levava para um lugar isolado no meio da noite para usá-lo como sacrifício para ressuscitar seu pai morto. Não. Essa lembrança quase não o assombrava mais. As memórias que o perseguiam agora eram as de uma pessoa que ele mal reconhecia, que não tinha controle sobre suas próprias ações e que tentou matar o seu melhor amigo em troca de uma recompensa impossível. Versões cada vez piores do que realmente aconteceu se desenrolando em sua cabeça todas as vezes que fechava os olhos. Um talho no pescoço, aberto, gorgolejando sangue enquanto a vida se esvaia dos olhos verdes límpidos de Travor. Pele, ossos e músculos se desmanchando por e
Ele acordou bruscamente, com a respiração irregular e o corpo coberto por uma camada pegajosa de suor. Vince fechou os olhos e deu a si mesmo tempo para se recuperar do pesadelo que o havia despertado. Enfiou as mãos nos cabelos longos e os tirou do rosto enquanto sua mente clareava o suficiente para começar a controlar o fantasma do pavor que lhe percorrera.Olhou em volta e viu que Travor ainda dormia pesadamente do outro lado do quarto, o que significava que não houveram gritos ou coisas sem sentido ditas durante o seu sono, como era de hábito. Ele não se lembrava de conseguir dormir uma noite inteira desde que tinha onze anos.Tendo recuperado o fôlego, Vince se levantou no escuro e foi até a pequena cozinha do apartamento em que moravam, encheu um copo d’água e tomou a metade. As im
O uniforme do Parlour’s Café era minúsculo, Cora o odiava e passava mais tempo ajeitando a mini-saia lilás em volta da cintura do que prestando atenção nos clientes.Por sorte, ela tinha planos para deixar a espelunca, a cidade, o país, naquele dia mesmo, e não teria mais que se sentir como parte do cardápio.Cora inspecionou as mesas e escolheu a dedo qual seria a última pessoa que ela atenderia. No canto, solitário, estava um homem, com os olhos verde-claros fixos na tela do notebook, tinha a pele bronzeada, cabelos na altura dos ombros, muito lisos, que o faziam se mexer de tempos em tempos, para colocar as mechas atrás da orelha. Ele era bonito, mas o que se destacou nele o suficiente para fazê-la ir em sua direção foi a expressão determinada
Quando partiu de Louisiana ainda era de manhã. Quando abriu o porta-malas do carro que roubou e encontrou um rapaz amordaçado lá dentro, faltava um pouco para o meio dia.O garoto, Tony, era um chorão. Não calava a boca e reclamava tanto que Cora se arrependeu de ter tirado a fita da boca dele.— Estou com fome. – disse ele pela décima vez.Cora nem o dignou com uma resposta, percebeu cedo que mandá-lo fazer silêncio não adiantava.— Sério. Eu estou com muita fome. Tipo, faz um século que eu não como nada. – Quanto mais ele falava, mais Cora tinha vontade de bater a própria cabeça no volante, impaciente. Ela também estava morrendo de fome,
A luz do sol já os havia abandonado completamente e a lua estava alta no céu.Miranda tinha a atenção dividida entre a voz de Tony e o ruído do vento entrando pelas janelas, sentindo a vibração do motor e do atrito das rodas no asfalto. Por mais estranho que aquele encontro tenha sido, Miranda estava contente por poder ficar quieta e respirar um pouco, sem se preocupar com sua própria vida.— Meus pais não me deixavam fazer nada e depois que eles se separaram ficou ainda pior. Eu juro que achei que isso ia aliviar um pouco pro meu lado, sabe? Mas meu pai não se dobra, não mesmo. – Tony continuou falando e de vez em quando Cora balançava a cabeça de uma lado pro outro, sem dizer nada, mas com jeito de quem não aguentava mais ouvir o que não tinha
Que merda, June pensou, ao perceber que estava acordando e sentindo como se todo o seu corpo tivesse passado por um triturador. Tentou engolir, mas a boca estava tão seca que sua língua mais parecia uma lixa e os lábios grudavam um no outro.A dor latejante na cabeça era uma constante, pulsando sem parar, fazendo seu estômago embrulhar no mesmo ritmo. Sua cabeça estava rachada, uma concussão na certa, e June não queria estar no corpo pra isso, não queria mesmo.Abriu os olhos e a luz que atingiu suas pupilas era o mesmo que uma chuva de adagas em seu cérebro.June se inclinou para frente e vomitou no tapete do carro.— Ai, porra. Tá