Alex
O reflexo no espelho mostrava o quanto eu estava cansado. As olheiras profundas eram o resultado de noites mal dormidas, já faz uma semana que estou aqui e ainda não me acostumei. Infelizmente, essa não é a única razão para a minha falta de sono. Joguei água no rosto mais uma vez e me olhei novamente no espelho. Estava cedo, acordei antes do despertador tocar. Saí do banheiro secando o rosto e olhei minha roupa separada em cima da poltrona, mesmo aqui, ainda precisava usar um terno escuro. Suspirei ao tirar o robe do hotel. Escolhi o Japão especialmente por sua distância, mas também por ser bem diferente da minha realidade. Digamos que essas “férias” sem data de término teve uma boa razão, ou talvez seja apenas um capricho. Não importa, estava decidido e não iria voltar atrás. A maioria julga essa minha decisão como apenas um delírio, afinal, muitos venderiam suas almas em troca de uma fortuna do tamanho da minha. Aos olhos dos outros, não me falta nada e é inconcebível ficar insatisfeito com algumas situações fodidas da vida. Dinheiro não é tudo, mas reconheço que facilita bem as coisas. Não sou hipócrita. A questão é que esse dinheiro não impediu minha noiva de me colocar um chifre bem grande, também não me deu amizades verdadeiras e nem relações afetuosas, tudo que as pessoas veem são dois cifrões no lugar dos meus belos olhos azuis. Eles esperam de mim algo que me cansei de dar. O que vim buscar no Japão foi uma calmaria que não tenho em Nova York, quero viver por um tempo da maneira mais comum possível que, segundo minha mãe, é impossível para um herdeiro da família Langley. Ela ainda fala incontáveis minutos sobre eu estar sendo imaturo e que não consigo lidar com problemas. É uma ladainha sem fim que só me deixa pior. Nem mesmo meu terapeuta é útil para me ajudar com isso. Meu pai não é muito diferente, ele respeitou minha decisão, mas deixou claro que sua paciência tem um limite. Sou cobrado e pressionado a todo momento. Pensando nessa problemática, parece que meus trinta e dois anos não valem nada. Minha mãe ainda se mete na minha vida e a controla. Meu pai, bem, ele gosta de dizer: “faça o que quiser”, mas espera que eu cumpra meu papel como herdeiro. Talvez eu seja apenas fraco demais para lidar com toda essa pressão, afinal, eu não nasci ontem, não sou um jovem descobrindo os rumos da vida e, aparentemente, estou reclamando de barriga cheia. Que patético eu me tornei. Olhei-me no espelho mais uma vez e ajustei a gravata, ela sempre ficava um pouco torta, era algo mínimo, mas me causava certa frustração por não ser tão bom nisso como nos negócios, mesmo depois de anos usando-a como se fosse um uniforme sufocante. Era uma boa aparência. Um homem alto, loiro com um corte de cabelo curto e bem feito, corpo forte, resultado de descontar minhas frustrações na academia e um rosto de príncipe. A imagem que causa inveja e desejo. Uma boa imagem. Que não acho importante para nada. Conferi as horas no relógio de pulso. Hoje ainda iria de táxi e compraria um café perto do meu novo local de trabalho. De qualquer forma, eu não costumava comer pela manhã, mas gostava de uma bebida quente, um hábito que sempre tive. Busquei a maleta corporativa e desejei substituí-la por uma bolsa menos formal, eu poderia, se quisesse, não existia um código de vestimenta muito rigoroso nessa minha nova função. Coloquei o cartão do quarto no bolso e a porta trancou automaticamente quando saí, o elevador era próximo e não demorou para que eu já estivesse dentro dele. A agência de publicidade era um dos investimentos da minha família aqui no Japão. Uma sociedade que deu certo e fazia parte dos negócios individuais da minha mãe, ela costumava investir em empresas menores em outros países. Foi uma sugestão que aceitei desde que me mantivesse no anonimato, para a maioria, eu era apenas um gerente estrangeiro. Não sei por quanto tempo isso vai durar, mas será bom mudar de ares até eu colocar minha cabeça no lugar. Eu só preciso respirar um pouco. Saí do elevador com o celular na mão, felizmente, tinha um táxi disponível na frente do hotel e logo estava no trânsito típico do horário. Precisava alugar um apartamento, mas ainda não tinha decidido como queria, pensei em algo mais tradicional daqui do que algo moderno. Eu deveria entrar em contato com uma imobiliária o mais breve possível. O táxi me deixou próximo a galeria onde fica a agência e entrei na cafeteria que já tinha frequentado antes, eu queria apenas um café simples e quente. A calçada estava movimentada e me lembrou um pouco de Nova York. Saí do lugar levando um copo térmico na mão, a pasta debaixo do braço e na outra mão, outros quatro cafés encaixados na caixinha de papel. Estava um pouco atrapalhado, mas o caminho até a agência era curto. Só que não esperava esbarrar em alguém. A tampa do copo abriu e derramou café em mim e na outra pessoa. — Me desculpe! Eu estava com pressa e não olhei, me desculpe. — Um rapaz se desculpava com corpo curvado para frente, ele parecia muito aflito pelo ocorrido. — Eu pago outro café, por favor, aceite minhas desculpas. — Tudo bem. — Felizmente, eu entendia bem e falava o necessário desse idioma para poder responder. — A culpa foi minha que não prestei atenção. Sou eu quem deve pedir desculpas. O jovem ajeitou a postura e pude ver seus olhos um pouco escondidos pela franja de cabelos levemente ondulados. Ele estava bastante constrangido, então, sorri mostrando que estava tudo bem, mas ele ficou mais envergonhado e, rapidamente, recolheu a mochila que tinha caído no chão. Foi quando vi o estado da sua mão, o café derramou na sua pele deixando o local vermelho. — Olhe sua mão! Sem pensar, coloquei a caixinha que ainda segurava, no chão junto a maleta e puxei a sua mão. Depois, a envolvi com um lenço que eu levava no bolso, mas quando olhei novamente para ele, me dei conta do que tinha feito. Os japoneses não costumam ter contato físico na rua. Acho que fiz bobagem.Alex — Desculpe, não foi minha intenção invadir seu espaço. — Terminei de amarrar o lenço em sua mão. Ele sorriu levemente e puxou sua mão com calma, apesar de constrangido, foi gentil. — Obrigado, mas está tudo bem. Preciso ir, por favor me diga quanto foi o café. — Apressou-se pegando a carteira de dentro da mochila. — Deixe-me pagar pelo serviço da lavanderia também, sua camisa… — Não precisa, foi só um acidente — o interrompi. Seus olhos negros me encararm por um momento e achei intrigante a forma que me olhou. Era um rapaz bonito, devia ter seus vinte e poucos anos, claramente, um estudante universitário. — Desculpe-me. — Ele ajeitou sua bolsa em um dos ombros e saiu apressado. Olhei para o chão e percebi que havia um pequeno caderno. — Espere! — Tentei chamá-lo, mas ele foi rápido e já estava longe. Que japonês assustado! Mas me pondo em seu lugar, acho que também me assustaria se um homem estranho me tocasse no meio da rua. Bem, no fim, eu fui o errado que não prestei
Yuki — Eu sabia! Um homem que usa um perfume desses tem que ser bonito. E como ele é? Quero detalhes. — E pra quê? Foi só um homem que esbarrei na rua. — Ah, nunca se sabe se vão se encontrar de novo. — Rina, não delire. Não há a menor possibilidade de vê-lo novamente. — Quem é que sabe? Às vezes ele pode ser seu verdadeiro amor. — Que frase mais brega. — Acabei rindo, sua imaginação não tinha limites. — De onde tirou isso? — Amor à primeira vista existe, sabia? Mas não desconversa, quero detalhes do tal homem, anda, estamos chegando na sala. — Ok — Suspirei em desistência. — Ele é alto, loiro e tem olhos azuis. — Só isso? — Só. O que mais você quer que eu diga? — Ah, sei lá! Poderia dizer que ele é um gato, um puta de um gostoso, que tem um corpo daqueles, a boca gostosa… — Por Deus, Rina. Não continue, sinto vergonha. — Yuki, só estou desempenhando meu papel de amiga. Há quanto tempo você não namora? Você precisa arrumar um amor, de preferência um homem lindo e gostos
Yuki — Bem… — Olhei-o um pouco perdido e ele tomou a frente ao responder com um grande sorriso. — Me chamo Alex. Não somos amigos. Ainda — enfatizou, o que aumentou meu constrangimento. — Apenas nos esbarramos hoje de manhã em um pequeno acidente. — Apresentou-se curvando seu corpo para frente levemente, mas era desajeitado, de certa forma, engraçado. — Me chamo Matsumoto Rina, este é meu namorado Takeru Ito, somos amigos do Yuki. E, bom, estamos com um pouquinho de pressa... então, com licença. Nós nos falamos depois, Yuki. Foi um prazer te conhecer, Alex-san. Rina acenou e simplesmente saiu arrastando Ito. Eu não sabia onde enfiar a cara, ela fez de propósito. — Desculpe por isso — meu murmúrio saiu um pouco pesado. — Não tem problema. Yuki, não é? — Meu nome soou um pouco diferente no seu sotaque e confirmei com um aceno estranhando a informalidade que somente meus amigos e família tinham comigo. — Eu vim devolver seu caderno, caiu naquela hora. Precisei abrir para p
Alex O almoço foi servido e conversamos um pouco mais. Desejei tê-lo como amigo. Apesar da nossa clara diferença de idade, nossos assuntos eram compatíveis, Yuki pareceu ser muito maduro para um jovem universitário, claro, isso era um julgamento errado da minha parte, não devemos generalizar, além disso, eu não podia comparar seus costumes com os do meu país de origem. — Você foi a primeira pessoa que tive uma conversa informal e fora do trabalho. — confessei já bem mais a vontade. — Apesar do encontro incomum. Foi desastroso. — Olhei sua mão enfaixada que segurava o hashi e senti a consciência pesar. — Mas diante de tantas coisas que preciso resolver no momento, relaxei um pouco com esse almoço. — Ah, falando nisso… seu lenço, ainda não pude lavar. Se não for um problema pode me passar um endereço? Gostaria de mandar entregar assim que possível. — Não precisa ter esse trabalho, só jogue fora. Eu ainda não tenho endereço, estou em um hotel enquanto procuro um apartamento. Está me
Alex Estava feliz com minha nova realidade: um apartamento pequeno com apenas um quarto, cozinha e banheiro. Ele, certamente, era do tamanho do meu antigo banheiro. O clima era agradável pois o piso em madeira clara e as lâmpadas amarelas me passavam conforto. Encarei minha mala ainda cheia no meio do quarto. Não tinha cama, tudo o que tive tempo de providenciar foi um futon, travesseiro e um cobertor. Tinha um pequeno armário que fazia parte do apartamento, também estava incluído um ar condicionado e aquecedor. Os armários da cozinha e geladeira também faziam parte do pacote, bem, mas não cabia muito no pequeno corredor. De certa forma, era funcional o mesmo corredor que trazia para o quarto ser a cozinha, o banheiro com a porta ao lado, tinha um tamanho suficiente para caber uma máquina de lavar. Uma pequena varanda é separada do quarto por uma porta de vidro. Nunca vivi em um lugar tão pequeno como esse e pensando bem… Por que as pessoas precisam morar em locais tão grandes
Alex Depois de minimamente apresentável, voltei para o quarto, Kaito já tinha retornado e os dois estavam sentados no chão, no meio, xícaras de café e a torta. Acompanhei e procurei uma posição confortável. Como eles podiam ficar tão relaxados no chão? Bem, eu era muito mal-acostumado. — Alex-san, trabalha com o quê? — perguntou Kaito. — Em uma agência de publicidade, no setor administrativo. — Yuki me disse que está há pouco tempo aqui. Está gostando do Japão? — Sim, apesar de não ter organizado meu tempo para sair e conhecer. — Podemos te dar umas dicas de lugares interessantes para ir. — Agradeço. Assim que organizar meus horários com certeza irei precisar. É bom ter uma amizade aqui, ainda mais vizinhos. — Peguei um pedaço de torta e levei à boca, suspirei com o sabor, estava muito bom. — Isso aqui está muito bom! — falei praticamente de boca cheia. — Yuki quem fez, ele é um ótimo cozinheiro. Bem, eu também me viro, mas ele tem um dom, eu acho. Não precisava o
Alex — Faz tempo que trabalha aqui? — Puxei assunto. — Sim, pouco mais de dois anos. — E seus pais? Sua família mora aqui nessa cidade? — Não, eles vivem em uma bem distante daqui. — Imagino que deva sentir falta. — Um pouco, mas nos acostumamos com tudo, até com a ausência. — Sim, é verdade. — E você? Por que o Japão? — Oportunidades. Surgiu a oportunidade de trabalhar aqui e achei que seria bom. — Está se adaptando bem? — Não tão rápido como gostaria. — Deve ser difícil manter contato com seus amigos e familiares, devido a diferença de horário. — Nem tanto, mas não tenho tantos amigos assim e minha família precisa se adaptar também. — Isso soa solitário. — De certa forma, sim. — Entendo, eu não ligo muito por não ter família por perto, é melhor assim. — Fiquei surpreso com seu pequeno desabafo. — Agora você é quem parece solitário. — Ri, devolvendo seu comentário. — Sempre fui assim, gosto de ficar sozinho a maior parte do tempo. — Quantos ano
Alex— E aí? Como foi a mudança? — Emi perguntou animada assim que entramos na minha sala.— Foi a mudança mais prática que já vi. — Ouvi o rangido da cadeira acolchoada quando joguei meu peso, relaxando as costas. — É muito fácil fazer uma mudança quando se tem apenas uma mala de roupas.— Certamente! Mas e o apartamento? É tão pequeno quanto as fotos mostravam? — Puxou a cadeira do outro lado da mesa para sentar-se.— É. Mas achei ótimo. — Liguei o computador e depois, olhei para minha chefe e sócia da minha mãe.Emi era uma mulher apenas alguns anos mais velha do que eu, mas sua aparência dizia que não. Seus cabelos curtos e lisos combinavam com a boa imagem que se orgulhava de conseguir manter. Era uma japonesa vaidosa, sempre de maquiagem, roupas elegantes e mais ousadas para o padrão feminino daqui, ela parecia uma artista. Nossa relação foi boa desde o primeiro dia, ela consegue me deixar à vontade e mostra sinceridade. Emi não tem meias palavras, ela também não segue os costu