Aquele Que Guarda Meu Coração
Aquele Que Guarda Meu Coração
Por: Cristinna Ramos
O Dia Que Te Conheci

Alex

O reflexo no espelho mostrava o quanto eu estava cansado. As olheiras profundas eram o resultado de noites mal dormidas, já faz uma semana que estou aqui e ainda não me acostumei.

Infelizmente, essa não é a única razão para a minha falta de sono.

Joguei água no rosto mais uma vez e me olhei novamente no espelho. Estava cedo, acordei antes do despertador tocar. Saí do banheiro secando o rosto e olhei minha roupa separada em cima da poltrona, mesmo aqui, ainda precisava usar um terno escuro.

Suspirei ao tirar o robe do hotel.

Escolhi o Japão especialmente por sua distância, mas também por ser bem diferente da minha realidade. Digamos que essas “férias” sem data de término teve uma boa razão, ou talvez seja apenas um capricho. Não importa, estava decidido e não iria voltar atrás.

A maioria julga essa minha decisão como apenas um delírio, afinal, muitos venderiam suas almas em troca de uma fortuna do tamanho da minha. Aos olhos dos outros, não me falta nada e é inconcebível ficar insatisfeito com algumas situações fodidas da vida.

Dinheiro não é tudo, mas reconheço que facilita bem as coisas. Não sou hipócrita.

A questão é que esse dinheiro não impediu minha noiva de me colocar um chifre bem grande, também não me deu amizades verdadeiras e nem relações afetuosas, tudo que as pessoas veem são dois cifrões no lugar dos meus belos olhos azuis. Eles esperam de mim algo que me cansei de dar.

O que vim buscar no Japão foi uma calmaria que não tenho em Nova York, quero viver por um tempo da maneira mais comum possível que, segundo minha mãe, é impossível para um herdeiro da família Langley. Ela ainda fala incontáveis minutos sobre eu estar sendo imaturo e que não consigo lidar com problemas.

É uma ladainha sem fim que só me deixa pior. Nem mesmo meu terapeuta é útil para me ajudar com isso. Meu pai não é muito diferente, ele respeitou minha decisão, mas deixou claro que sua paciência tem um limite.

Sou cobrado e pressionado a todo momento.

Pensando nessa problemática, parece que meus trinta e dois anos não valem nada. Minha mãe ainda se mete na minha vida e a controla. Meu pai, bem, ele gosta de dizer: “faça o que quiser”, mas espera que eu cumpra meu papel como herdeiro.

Talvez eu seja apenas fraco demais para lidar com toda essa pressão, afinal, eu não nasci ontem, não sou um jovem descobrindo os rumos da vida e, aparentemente, estou reclamando de barriga cheia.

Que patético eu me tornei.

Olhei-me no espelho mais uma vez e ajustei a gravata, ela sempre ficava um pouco torta, era algo mínimo, mas me causava certa frustração por não ser tão bom nisso como nos negócios, mesmo depois de anos usando-a como se fosse um uniforme sufocante.

Era uma boa aparência. Um homem alto, loiro com um corte de cabelo curto e bem feito, corpo forte, resultado de descontar minhas frustrações na academia e um rosto de príncipe. A imagem que causa inveja e desejo.

Uma boa imagem.

Que não acho importante para nada.

Conferi as horas no relógio de pulso. Hoje ainda iria de táxi e compraria um café perto do meu novo local de trabalho. De qualquer forma, eu não costumava comer pela manhã, mas gostava de uma bebida quente, um hábito que sempre tive.

Busquei a maleta corporativa e desejei substituí-la por uma bolsa menos formal, eu poderia, se quisesse, não existia um código de vestimenta muito rigoroso nessa minha nova função.

Coloquei o cartão do quarto no bolso e a porta trancou automaticamente quando saí, o elevador era próximo e não demorou para que eu já estivesse dentro dele.

A agência de publicidade era um dos investimentos da minha família aqui no Japão. Uma sociedade que deu certo e fazia parte dos negócios individuais da minha mãe, ela costumava investir em empresas menores em outros países.

Foi uma sugestão que aceitei desde que me mantivesse no anonimato, para a maioria, eu era apenas um gerente estrangeiro. Não sei por quanto tempo isso vai durar, mas será bom mudar de ares até eu colocar minha cabeça no lugar.

Eu só preciso respirar um pouco.

Saí do elevador com o celular na mão, felizmente, tinha um táxi disponível na frente do hotel e logo estava no trânsito típico do horário. Precisava alugar um apartamento, mas ainda não tinha decidido como queria, pensei em algo mais tradicional daqui do que algo moderno. Eu deveria entrar em contato com uma imobiliária o mais breve possível.

O táxi me deixou próximo a galeria onde fica a agência e entrei na cafeteria que já tinha frequentado antes, eu queria apenas um café simples e quente. A calçada estava movimentada e me lembrou um pouco de Nova York.

Saí do lugar levando um copo térmico na mão, a pasta debaixo do braço e na outra mão, outros quatro cafés encaixados na caixinha de papel. Estava um pouco atrapalhado, mas o caminho até a agência era curto. Só que não esperava esbarrar em alguém. A tampa do copo abriu e derramou café em mim e na outra pessoa.

— Me desculpe! Eu estava com pressa e não olhei, me desculpe. — Um rapaz se desculpava com corpo curvado para frente, ele parecia muito aflito pelo ocorrido. — Eu pago outro café, por favor, aceite minhas desculpas.

— Tudo bem. — Felizmente, eu entendia bem e falava o necessário desse idioma para poder responder. — A culpa foi minha que não prestei atenção. Sou eu quem deve pedir desculpas.

O jovem ajeitou a postura e pude ver seus olhos um pouco escondidos pela franja de cabelos levemente ondulados. Ele estava bastante constrangido, então, sorri mostrando que estava tudo bem, mas ele ficou mais envergonhado e, rapidamente, recolheu a mochila que tinha caído no chão.

Foi quando vi o estado da sua mão, o café derramou na sua pele deixando o local vermelho.

— Olhe sua mão!

Sem pensar, coloquei a caixinha que ainda segurava, no chão junto a maleta e puxei a sua mão. Depois, a envolvi com um lenço que eu levava no bolso, mas quando olhei novamente para ele, me dei conta do que tinha feito. Os japoneses não costumam ter contato físico na rua.

Acho que fiz bobagem.

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