— Se não quer me atrapalhar, fique longe de mim. — Lúcia lançou-lhe um olhar impaciente, cheia de irritação ao encarar aquele rosto pálido e abatido. — Sílvio, você agora não tem mais nada. Com que direito fala em se casar comigo de novo? Você acha que merece?Ele merece? Claro que não. Mas ele queria se redimir.Sílvio mexeu os lábios, como se buscasse forças para responder:— Quero te compensar. Com o resto da minha vida.Compensar? Ele mudava de atitude como quem troca de roupa. Para ele, parecia que Lúcia era apenas um objeto sem alma, sem pensamento próprio.Com os olhos marejados, ela gritou, com a voz embargada:— Não preciso disso! Sílvio, não dá mais! Não dá mais! Se você realmente quer me compensar, suma da minha vida! Porque só de olhar para sua cara, fico irritada. Só de te ver, eu perco a paciência!As palavras bateram em Sílvio como um balde de água fria, apagando qualquer faísca de coragem que ele havia reunido.Ele piscou os olhos secos, tentando processar o que tinha e
"Conversar?"Lúcia quase riu. Ela realmente não sabia o que Sílvio queria. Quando ela o amava com toda sua intensidade, ele a tratava com frieza e sarcasmo, afastando-a e deixando claro que não queria mais nada com ela. Ele fez questão de gravar na mente dela lembranças dolorosas.Agora que ela finalmente havia seguido em frente, sem nunca mais interferir na vida dele, ele reaparecia, fingindo ser o homem apaixonado."Um homem que vai e volta, sem saber o que quer."Lúcia percebeu, subitamente, que tudo aquilo que ela tanto desejou no passado, agora que o destino colocava em suas mãos, já não a fazia sentir absolutamente nada. Ela estava cansada. Cansada de Sílvio, cansada de suas idas e vindas, cansada de toda a dor e da sensação de estar sempre em dívida.— Srta. Lúcia, vou buscar o carro. — Basílio, sempre educado, percebeu a tensão no ar e, como o cavalheiro que era, preferiu se afastar, dando-lhes espaço para conversar.Mas Lúcia ergueu a mão, impedindo-o.Com irritação, começou a
Sílvio a encarou profundamente, com os olhos fixos nos dela:— Se você está dizendo essas palavras frias e mentirosas só para me fazer desistir, Lúcia, você é muito ingênua. Desta vez, não importa o que aconteça, eu não vou abrir mão de você. Vou mostrar meu coração, pouco a pouco, até que você me perdoe.Lúcia e Basílio saíram juntos, parecendo um casal apaixonado.Sílvio ficou parado, observando enquanto Basílio, com sua postura impecável, abria a porta do passageiro para ela. Lúcia entrou no carro com um sorriso tranquilo, e o veículo seguiu pela estrada, desaparecendo de vista.No restaurante japonês, o ambiente era decorado exatamente como Lúcia gostava. A mesa estava repleta de pratos, todos escolhidos cuidadosamente para agradar o paladar dela.— Você lembra do que eu gosto de comer? — Lúcia perguntou, segurando os hashis, claramente surpresa. Na mesa, não havia um único prato que ela não apreciasse.Do outro lado da mesa, Basílio ergueu a mão elegante, pegou o copo d’água e res
Basílio era tão caloroso, tão cuidadoso, tão puro, tão perfeito. Ele era limpo demais, intocado pelas impurezas do mundo, enquanto ela, agora, sentia-se como uma pluma de algodão caída ao chão, desfeita e sem valor. Não era boa o suficiente para Basílio. Ele merecia alguém melhor, alguém que realmente combinasse com ele.— Destino... Basílio, encontre uma garota que realmente seja certa para você. — Disse Lúcia com um sorriso amargo.O rosto de Basílio endureceu por um momento antes de responder:— Mas você acabou de admitir, na frente do Sílvio, que estamos juntos.— Foi só para ele parar de me perseguir. Desculpe, Sr. Basílio, eu usei você. Este jantar, eu faço questão de pagar. Considere como um pedido de desculpas. — Disse Lúcia, cheia de remorso.Basílio a olhou fundo nos olhos, com uma sinceridade desarmante:— Eu sei disso, mas não me importo. Srta. Lúcia, todas as preocupações que você tem dentro de si, eu as conheço e entendo. Hoje em dia, o divórcio é algo comum. É apenas um
Basílio sorriu de forma leve e elegante. Após uma breve pausa, escolheu cuidadosamente as palavras antes de falar:— É claro que eu não sou completamente altruísta. Também tenho um pedido a fazer.— Que pedido? — Perguntou Lúcia.Basílio pegou o copo à sua frente, tomou um gole de água com a mesma graça de sempre e só então continuou:— Quero que a Srta. Lúcia seja justa comigo. Que me dê a chance de cuidar de você. Se eu tentar e falhar, eu aceito minha derrota. Mas não ter sequer a oportunidade de tentar... isso seria cruel demais. Por favor, me permita competir em pé de igualdade com Sílvio. Não favoreça tanto ele.A chuva fina caía do lado de fora do restaurante japonês, molhando o asfalto e deixando o chão escorregadio. Sob a sombra das árvores, um carro preto estava estacionado. O limpador de para-brisa trabalhava de forma intermitente, uma vez sim, outra não.Sílvio estava recostado no banco, observando através da janela aberta, com o vidro completamente abaixado. Do outro lado
— Eu... — Lúcia estava prestes a recusar.Mas Basílio foi mais rápido e a interrompeu:— Pense um pouco antes de dizer não. Não precisa decidir agora. Afinal, bons amigos também podem assistir a um filme juntos, não é?Antes de sair, Basílio pegou a pasta com os documentos assinados na mesa:— Te busco depois do trabalho.Após o almoço, o celular de Lúcia vibrou com uma mensagem de Sílvio:[Que tal irmos ao cinema hoje à noite? É um filme novo, com o seu ator preferido. Uma história de amor.]Houve um tempo em que Lúcia desejava que ele pausasse o trabalho, que diminuísse o ritmo e tirasse um tempo para ela. Que fosse ao cinema com ela, que passeassem de mãos dadas no parque ao entardecer, entre folhas secas espalhadas pelo chão. Ela sonhava com momentos simples, com pequenas demonstrações de afeto: uma flor, um presente, até mesmo um olhar apaixonado...Mas, durante todo o relacionamento, foi ela quem cedeu, quem se moldou.Agora, Lúcia não queria mais nada disso. Toda a “profunda pai
Sílvio, acreditando que Lúcia estava falando com ele, deixou que um sorriso discreto surgisse em seus lábios:— Eu sei.— Lúcia, sua coca-cola.A voz de Basílio trouxe Sílvio de volta à realidade, quando ele viu o homem se aproximar e entregar um copo de refrigerante e um pacote de pipoca a Lúcia.Ela aceitou com um sorriso suave, agradecendo de forma gentil.A cena feriu Sílvio profundamente. O que ele viu foi impossível de ignorar: Lúcia não era mais dele. Não era mais sua prioridade, seu porto seguro.Basílio parecia não notar a presença de Sílvio, ou talvez estivesse simplesmente ignorando-o. Toda a atenção dele estava voltada para Lúcia. Ela, por sua vez, entrelaçou o braço no de Basílio, fingindo uma intimidade que fez questão de demonstrar enquanto caminhavam em direção ao guichê de entrada.Basílio notou os delicados dedos brancos de Lúcia segurando a manga de sua camisa. Um sorriso quase imperceptível surgiu em seus lábios. Quando percebeu que ela estava prestes a soltar, ele
Ao voltar para casa, as luzes estavam todas acesas, iluminando cada canto. Lúcia subiu as escadas com sua bolsa na mão. O chão brilhava como se tivesse acabado de ser encerado, sem nenhum traço de poeira. As plantas mortas que antes ocupavam os cantos da sala haviam sido substituídas por vasos de suculentas. Ela não fazia ideia de quem tinha feito aquilo.Do lado de fora, no terraço, ouviu um barulho leve, como o som de passos ou algo sendo arrastado. Lúcia colocou a bolsa no sofá e se dirigiu até a varanda. Lá, avistou uma figura familiar, vestindo um avental, de costas para ela. Ele segurava um regador e, com cuidado, molhava as flores.A luz das estrelas caía sobre Sílvio, dando-lhe uma aura mais humana, mais simples. O Sílvio de antes jamais gastaria seu precioso tempo com algo tão trivial.Lúcia nunca tinha trocado a senha da casa desde que se separaram. Por isso, ele ainda conseguia entrar e sair como quisesse. Ela se lembrou de que, minutos atrás, Basílio a havia acompanhado até